Bruce marcou de se encontrarem a noite para conversar, ele não quis entrar em detalhes quanto ao assunto, mas parecia importante. Marcou de se encontrar na entrada para as minas na terceira montanha, um lugar isolado, ele parecia estar um pouco paranoico, durante a conversa fez questão de quem ninguém os ouvisse.
A entrada para as minas na terceira montanha era afastada da cidade, um caminho pouco iluminado e tortuoso, o que para Ingrid nunca foi um problema. Podia ver perfeitamente com a pouca luz que as luas emitiam por dentro do bosque. Pelo que se comenta na cidade aquelas minas estão abandonadas a alguns anos, um acidente aconteceu e o lugar foi deixado de lado, depois de um tempo fauna e flora tomaram conta e as pessoas não se aproximavam mais. Pode sentir a presença de Bruce de longe, ele havia diminuído a bebida, mas não parou com os cigarros o cheiro se impregnava por tudo. Ingrid tem o nariz sensível e muito preciso, capaz de sentir um cheiro e nunca mais esquecer, uma excelente rastreadora. A maior parte dos trabalhos que realizava com Carla na ordem eram missões de rastrear e abater, rastrear e resgatar ou fazer reconhecimentos como batedoras. Via na entrada da mina os olhos de Bruce pegando fogo.
Ele a recebeu com um sorriso, mas podia ouvir seus batimentos acelerados e sua respiração pesada, estava ansioso.
-Aqui podemos conversar sem que ninguém nos atrapalhe. -Ele olhou ao redor, os olhos exalavam labaredas alaranjadas e intensas, seus olhos eram como carvão completamente acesso e a pele em volta se acendia com rachaduras que emitiam luz. – Tenho pensado sobre algumas coisas, quero que me escute. – Disse de maneira calma e lenta, claramente queria que ela prestasse atenção.
-Okay. Só uma coisa antes. – Bruce era uma figura que Ingrid conhecia bem, mas pelas palavras de outros, havia ainda muitas coisas que queria saber. -Eu tinha ouvido um boato sobre isso, mas nunca levei muito a sério.
- O que? - Seus olhos se apagaram voltando a ser castanhos e ter sua aparência de cansados. Bruce sempre parecia estar desanimado, antes achava que era a melancolia, mas ele já havia melhorado, aquele era seu jeito de ser, ele parecia sempre o olhar o mundo de maneira lenta como se estivesse exausto.
- Seus olhos flamejantes. Quando os acólitos falavam sobre você e os outros aprendizes de cardiais, diziam que você tinha olhos de fogo e que podiam ver a alma e os pecados dos inimigos. Eu sempre achei que era um monte de bosta.
- É um pouco exagerado mesmo. Eu posso ver o calor que é gerado no corpo de seres vivos. Algumas coisas não emitem calor e se disfarçam com a natureza. Mesmo assim é útil p saber se tem possíveis ameaças por perto. – Disse enquanto deu mais uma observada nos arredores, mesmo com seu jeito tranquilo parecia nervoso.
- Você está sendo bem cauteloso, quem está tentando espionar a gente?
-Eu não sei ao certo. Acho que descobri coisas que não deveria e que cheguei a conclusões perigosas. – Fez uma pequena pausa. Sua respiração havia ficado mais pesada, e seus batimentos aceleraram. -Sinto que algo está estranho, como se descobri algo que não deveria saber. Mas isso é assunto para o fim da conversa.
- Se acalma, não vai enfartar no meio da floresta. – Toda a cena estava começando a irritá-la, paciência não era seu forte. -Certo, põe pra fora. Me trouxe pro meio do mato pra que? Vai me matar e não queria testemunhas?
-Eu quero começar uma guilda de mercenários, e quero que você faça parte. – Falou de maneira clara e com os olhos fixos nos seus. Foi a primeira coisa que disse desde que havia chegado com a qual não estava nervoso.
-Bem, você disse isso de maneira séria, então não é uma piada de mau gosto. - Aquilo a pegou de surpresa, ficou quieta por instante pesando no que dizer. Eram raras as ocasiões onde parava para pensar antes de falar. - Eu não decidi se voltaria pra ordem ou não, mas honestamente achei que depois de toda essa cena você voltaria. -Não sabia o que fazer com a informação e não havia refletido no que faria depois de tudo aquilo. Precisava arranjar uma forma de pagar suas contas e não tinha capacitação pra muitos empregos que não envolvessem enfiar a porrada nos outros. Mas o fato de que ele estava cogitando não ser mais um membro da ordem a pegou desprevenida. -Bruce, você ouviu o que acabou de dizer? Você é um herói! Você é muito otário pra querer se afastar disso. Tem tudo, mega cargo na ordem, você pode fazer coisas incríveis lá, vai largar tudo pra virar mercenário? – Sentiu o nervosismo afetá-la, ficou ansiosa e inquieta.
-Esse é o segundo assunto. Já não confio mais na Ordem. – Ele estava claramente nervoso, mas não havia qualquer dúvida no que dizia. -Sinto que algo está errado. Eu já tinha algumas suspeitas, mas depois do que me falou sobre o que te informaram sobre minha saída. Existem coisas muito estranhas acontecendo.
-Do que você tá falando? Perdeu a confiança, tá achando o que? Que tem uma conspiração na Ordem? Que te traíram ou algo do tipo? Ficou maluco, quando parece que você melhorou resolve pirar de vez?
-Eu sei, parece estranho, e é repentino. Mas acredite em mim algo está errado. Eu não sei o que, mas eu não desejo voltar para lá. – Ele estava tentando acalmá-la enquanto falava, mas não estava funcionando.
-Carla achou que estar com vocês poderia me ajudar. Mas você é maluco, são todos malucos. O que você está fazendo é heresia, você poderia ser preso ou executado por falar contra a Ordem. -Seu tom de voz foi subindo e mudando de tom a medida que falava.
-Eu não estou dizendo que a ordem é maligna, ou que o que fazem é ruim. Mas tem algo suspeito acontecendo e eu não consigo tirar isso da cabeça.
-As pessoas que arriscam suas vidas todo dia, pra lutar contra as crias do sangue e os filhos da noite, que protegem esse continente da destruição e do caos. Pessoas que enfrentam a nojeira que esgueira para fora do abismo todos os dias. Como se atreve a duvidar dessas pessoas? – Esbravejou. Havia perdido totalmente sua calma, estava extremamente irritada.
-Essas pessoas tem meu respeito e são heróis. Eu fui uma dessas pessoas a maior parte de minha vida, não se esqueça disso. Mas eu convivi com membros de cargos altos, lidei com pessoas com as quais você não. Eu vi coisas que me trouxeram dúvidas. – Ele ainda estava nervoso, mas estava certo do que falava. -Pense bem, existe uma liderança lá dentro que faz coisas pelas costas dos outros líderes. Existe um Cardial que se envolve muito mais com seus subordinados e eles o veneram como se fosse um dos próprios deuses. – Fez uma pausa esperando sua reação. - Você assim como eu sabe que isso é contra as 7 virtudes. Este homem de quem falo, ele não é o que parece. O profeta não era meu superior, nem mesmo é o seu superior, não era nem superior do seu irmão, qual motivo ele teria pra falar com você pessoalmente sobre o assunto e que deveria falar comigo? Ele tem motivações dúbias, que levam ele a manipular todos os cruzados.
- Você está falando contra um cardial, não é à toa que me trouxe para o meio do nada. – Estava profundamente irritada, não queria ouvir aquilo. Mas o que mais irritava era a frustação que sentia consigo mesma, pois parte do que ele dizia fez sentido. -Eu devia te matar aqui, pra que não saibam das merdas que está fazendo. Se quer falar esse tipo de coisa precisa de provas reais. Caso contrário é só conspiração e heresia. – Estava tentando ser razoável, e colocar juízo tanto nela quanto em si.
-Eu sei. Minhas dúvidas ainda são infundadas em coisas concretas. – Respirou profundamente e mudou seu tom para continuar a conversa. – Independente disso eu desejo funda uma guilda. Acho que com que isso poderíamos ajudar muitas pessoas, como fizemos aqui em trindade.
- Poderíamos? já está me incluindo no seu plano? -Não conseguia esconder sua irritação, seu tom soava emburrado.
- Você tem me ajudado bastante, assim como a Ada, é claro que desejo que faça parte e continue comigo nessa jornada.
-Honestamente estou cogitando entrar no meio só pra garantir que não tenha mais atitudes estúpidas como essa. Alguém precisa ficar de olho em você. – Ficou quieta um momento, coçou os olhos e tentou se acalmar. -Claro que o pivete não podia participar dessa conversa, você sabe quem é o pai dele né? – Se ada era realmente quem ela pensava, tinha um envolvimento muito grande com a ordem de prata.
- Sim, eu estou familiarizado com as origens do Ada. Mas ele não é o pai dele, está muito longe de ser.
- O garoto tem medo de chegar perto de ser o pai dele. Eu teria também, aquele homem é que é assustador. – Só de lembrar das poucas vezes que esteve na mesma sala que Arthur Solomon sentiu um calafrio, o homem era focado de mais, passava uma energia ruim de quem não hesita em fazer o que acha necessário.
- Solomon é sinistro sem dúvida, mas tudo que faz é pela ordem. É de longe o cardial mais competente. – Pela expressão de Bruce pode ver que ele também não teve experiencias agradáveis com pai de Ada. -Eu nem sei se ele se importa com os deuses, mas nunca vi um homem que é tão focado em combater o abismo. De toda forma Ada não nos entregaria para o pai dele, e não acho que Solomon acharia que o que estou falando é tão maluco assim. – Seu tom entregava, ele tinha total confiança no garoto, Ada havia tido um impacto muito grande em Bruce, e nela também.
-Claro que não. O homem é paranoico, é um inquisidor, não confia em ninguém. Nunca hesita em fazer o trabalho. Ele é a porra de um maníaco Bruce. Mas você está certo, se tem alguém que nunca trairia a Ordem ou conspiraria contra ela é ele.
- Se quer me manter na linha e impedir que eu venha a usar a guilda contra a ordem o método mais eficiente vai ser se juntando a mim. – Por um momento ganhou um ar prepotente, como se soubesse que a tinha convencido.
- Eu farei parte do seu projetinho. – Cruzou os braços emburrada enquanto falava. Odiou dar essa satisfação a ele, mas estava certo a melhor forma de garantir que ele e Ada ficariam bem era junto deles. -Mas se sair da linha, ou colocar Ada na reta pelos seus objetivos, eu vou te plantar na terra! E não da sua teoria da conspiração para Carla ela vai ficar maluca.
-Ela concorda com a ideia da guilda, e disse que se juntaria. Mas não, eu não falaria de minhas dúvidas com ela. Ela passou por muito, não precisa de mais peso sobre suas costas. – Pelo jeito não havia perdido completamente a sensatez.
- Então, temos um trabalho? Ou vamos sobreviver de caridade? – Disse em um tom irônico só para mexer com ele.
-Temos um trabalho, mas temos um teste antes. Devemos proteger um carregamento que vai ser entregue para a prefeitura. – Ele não parecia muito contente com a parte do teste.
- Qual o maldito teste? – Já imaginando que seria alguma tarefa tediosa.
-Vamos ser supervisionados por uma outra mercenária, Bianca Müller para decidir se estamos aptos ao serviço. Mas ela não disse qual o teste ainda. – Seu tom era mais desmotiva do que o habitual, definitivamente estava tão empolgado para o teste quanto ela.
- Você disse Müller, como "Cachorro Louco Müller"?
- Eu vi certa semelhança, mas não posso afirmar com certeza.
- Ver se somos competentes? Você é um herói conhecido pelo continente. Eu sou uma Corin e fora o nome de minha família ainda sou um Bispo de terceiro nível.
- Não acho que ela quer testar a gente. Sinto que é algo envolvendo Ada, possivelmente o dedo de Solomon está nisso. Se ela realmente estiver ligada ao Cachorro Louco é bem possível que Solomon a pediu esse favor.
- Ahhh! – Gemeu frustrada. -Vocês são uns merdas que só atraem problemas. Acha que ela vai tentar levar o pivete até o pai? Ou matá-lo? Até o meu pai que é a pessoa mais escrota que eu conheço e que me odeia não mandaria me matar. E eu não duvido que Solomon mataria o próprio filho.
- Eu não sei o que esperar. Solomon é um mistério. Mesmo se tivéssemos certeza de que ele está envolvido, não há como prever suas intenções. – Seu tom mudou para algo mais agradável e junto veio um sorriso satisfeito. -Obrigado por se ajuntar a mim. Assim que ela me falar sobre o teste vou te informar.
- Não agradeça ainda. Se você fizer merda, te enfio a porrada até você não conseguir mais comer sólidos e nem sair da cama. Vou te bater até te deixar em coma. – Sorriu de maneira maquiavélica e deu uma risada com tom ameaçador.
- Ele deu um sorriso sem graça, e começou a andar em direção a trilha para a cidade - Vamos voltar para a vila. Está tarde, precisamos checar o estado de Ada e ter uma boa noite de sono.
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