-Quem é? - perguntou com a porta entreaberta.
-Lilian está? - disse o homem - A secretária da escola me pediu para entregar isso. - ele mostrou um envelope pardo.
A pergunta não fora respondida, mas com um olhar cuidadoso ela percebeu, sentiu que o homem não era perigoso e, sem perguntar, deixou-o entrar.
Lilian estava na sala, mais precisamente entre o sofá e a janela, com uma expressão tensa, que relaxou por alguns segundos, ao reconhecer o indivíduo, mas logo voltou a sua forma anterior.
-Conhece? - perguntou a mais velha.
-Meu professor de matemática.
-Do mal. - comentou, fazendo uma careta e uma nota mental para tomar cuidado com ele ( Giulia não achava quem fazia exatas uma pessoa sã) - O da unha?
-Não. O da unha é o de filosofia.
-Ah! - exclamou em esclarecimento.
-“Da unha” seria como vocês se referem à quando Lucas estava cortando unha, enquanto comia e…
-Non precisa me lembrar disso. -Giulia o interrompeu - Eu ainda pretendo jantar hoje.
-Estou surpreso que Lilian saiba fofocar.
O comentário deixou a mais nova vermelha (apesar dela mesma não saber se era por vergonha ou raiva), enquanto a outra deu um risinho irônico.
-O que veio fazer aqui? - tentou disfarçar o que sentia.
-Seus documentos de atualização de endereço ficaram prontos. - ele estendeu o envelope a jovem e depois procurou por sinal de algum responsável. - Onde estão seus pais?
Antes que tivesse uma resposta, o professor lamentou ter aberto a boca. Não apenas pela expressão irritada da aluna, mas pela sombra que passou pelo rosto da mulher que abrira-lhe a porta.
-Na casa deles, provavelmente. - comentou Giulia tentando ajudar a amiga.
-Minha vó deixou esse apartamento pra mim, antes de… - faltavam-lhe palavras. Mesmo já tendo se passado um tempo desde o falecimento de Linda, mesmo com a presença de Giulia ( que veio especialmente da Itália por ela), ainda doía falar dela. Na verdade, Lilian se questionava se algum dia não doeria mais.
-Desculpa. - disse Stevan, sem saber ao certo como agir.
Vendo o clima pesado e conhecendo a si própria, a mais velha das garotas foi a cozinha em busca de água. Porém de nada servira a tentativa de acalmar os nervos, pois quando voltou o clima parecia ainda mais pesado.
-Ah, que isso! Pelo menos ela morreu velha, feliz e em paz. - começou a falar desabafando - Milhares de pessoas morrem no mundo por dia e nós nem ligamos. Só porque ela era próxima a você, você tem que fazer drama? - Lilian se remoeu ainda mais com o comentário.
-É diferente quando se é alguém importante. - tentou argumentar o único homem presente. - Você não…
-Eu daria tudo pra minha mamma morrer. - Stevan ficou sem palavras diante das palavras da menina que não poderia ser tão mais velha que sua aluna, já, para Lilian, as palavras cortavam feito aço. - Vê-la todos os dias internada conectada a vários tubos e várias máquinas só pra ela conseguir fingir um sorriso quando vamos visitá-la… Sem falar que se não fosse pelo bem dela, nunca teríamos ido atrás do nonno. Lucca e eu poderíamos viver e não só sobreviver… - todo o rosto da jovem tomou um semblante raramente visto, uma mistura de medo e preocupação, que logo foi embora, deixando o professor confuso e a aluna envergonhada. - Mas io non reclamo, mamma está viva o que é bom, mesmo que não consiga sair da cama do hospital. Graças ao nonno posso fazer faculdade e não preciso me preocupar com as contas no final do mês…
-Desculpa. - disse a menina com os olhos marejados - Desculpa, eu não queria…
Slap.
Sem que Lilian percebesse, Giulia havia se aproximado, esperando o momento em que a amiga entrasse no modo de desculpas e flagelações, para bater-lhe ambas as mãos nas bochechas dela, fazendo um barulho alto e acordando-a. Como efeito colateral, a mais nova ficou com os olhos cheios d’água e o professor ficou sem saber o que fazer.
-Você non tem que se desculpar. Ao menos non para mim. - disse com um sorriso caloroso - Mas se quiser ir morar comigo, na Itália, io aceito.
-Não acho que seria uma boa… - um sorriso morto apareceu nos lábios da mais nova.
-Verdade, mas ainda vale o risco. - o sorriso de Giulia não mostrava as sobras de suas dores. - Mudando de assunto, - ela se virou para o professor - preciso de ajuda: alguma ideia de cor ou vestido para a formatura dela?
-Não acha que está um pouco longe, não?
-Non para a estilista. - disse encarando encarando-o, pedindo por respostas.
Mas antes que ele pudesse responder, a mais nova interferiu:
-Não vou mais.
-Por que non? Se for por falta de par, Lucca ou eu podemos vir da Itália para o final do ano…
-Vocês já fizeram muito por mim, não posso pedir mais.
-Quê isso! Um microondas nem custa tanto! - brincou a mais velha, mas parou ao ver a expressão da mais nova - Vista meu vestido, mande fotos e estamos quites. - a mais nova abriu a boca para rebater - Caso contrário, non poderei provar para meu professor que fiz o trabalho de final de período. E se mudar de ideia, io me sentiria honrada em saber que foi pra formatura com ele.
-...Tá bom… - disse a contragosto.
-Então, Sr. Professor, pensou em algo?
Stevan pensou em várias coisas, mas nada com relação ao pedido. Na verdade, ele ficou questionando a sanidade das jovens a sua frente.
-Para situações formais é normal usar vestido longo. - repetiu algo que já havia ouvido.
-Io sei, mas tava pensando em fazer algo mais cham!, sabe?
-Nada de cham! Algo normal tá de bom tamanho.
-É o que você diz, mas mio professor diz o contrário. - disse abanando uma das mãos em frente ao rosto e depois se virando para o professor - Mas qual cor...?
-Eu sinceramente não entendo desse tipo de coisa.
-Você não devia estar perguntando isso pra mim?
-Sì, mas já sei sua resposta e já estou enjoada de te ver vestindo lilás. - a mais nova corou. A garota não tinha tantas roupas na sua cor preferida, mas sempre que possível ela as usava.
-Bem, vocês parecem ter muito o que discutir e eu tenho que me arrumar para um encontro, então, se me dão licença… - disse Stevan.
-Claro. - disse sua aluna - Eu o acompanho. - ela seguiu para a porta e a abriu para ele.
Durante o resto do dia, as garotas debateram sobre o melhor tipo de roupa que agradaria a ambas e desta vez jantaram hambúrguer ( novamente pago pela visita).
O dia seguinte estava prosseguindo sem grandes novidades, até Stevan falar que devolveria a última prova. O coração de Lilian foi até a garganta impossibilitando-a de respirar, era agora que viria todo o julgamento que ela não poderia rebater!
Para a grande surpresa dela, ela havia fechado a prova. Tomada por um grande alívio, Lilian suspirou e relaxou.
O problema era que Rafael também havia recebido sua prova e não estava nem um pouco contente com isso, muito pelo contrário. Depois de ouvir um sermão do professor ele sentiu a urgência de espancar a irmã até a morte, por isso esperou por ela no mar de alunos que ia embora e a seguiu até o local que julgou vazio o suficiente.
Antes que Lilian pudesse perceber um par de mãos pousaram no ombro dela.
Antes que ela pudesse se assustar, essas mãos, pesadas, a giraram. Deixando-na de frente para Rafael.
Antes que pudesse gritar, levou um soco no estômago.
Antes que pudesse ter medo, estava inconsciente.
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