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O Domingo das duas foi completamente improdutivo, ambas se sentaram ao sol por horas, enquanto conversavam sobre qualquer coisa que viesse a mente delas.
Já na escola, as coisas se tornaram meio divertidas. Vários colegas a viram chegando, na segunda-feira, num carro preto executivo e muitos começaram a fazer teorias e espalhar boatos; na terça, vários outros a viram indo embora no tal veículo, mas foram poucos que tiveram coragem de perguntar. Para tais audaciosos, Lilian lhes contava que uma amiga estava lhe dando carona por dó.
Não era verdade, tão pouco era mentira.
Nada demais aconteceu até quinta-feira, os dias só passaram sem que a jovem tivesse notícias de seu irmão, exceto a vinda do técnico para a instalação da linha telefônica, na quarta-feira. Ela ficaria preocupada ou começaria a traçar possíveis motivos para a súbita mudança no comportamento dele, se ela ligasse ou se Giulia não a distraísse com vontades estúpidas e mãos bobas.
Quinta-feira, véspera da viagem de sua melhor amiga, também era o dia da reunião de condomínio. A última coisa que Lilian queria fazer era comparecer a ela, mas quando Giulia descobriu… os olhos da estilista brilharam com pura diversão e um sorriso de orelha a orelha brotou em sua boca. A reunião seria iniciada às 19h, por isso ambas bateram a porta do síndico exatamente nesse horário.
O homem deu-lhes boas-vindas e indicou a mesa onde ocorreria a reunião. Depois de cinco minutos, o professor de matemática chegou (outro que não queria estar presente, mas que viera apenas por não querer que sua consciência pesasse por deixar todo o trabalho para outros e para tentar ajudar a aluna a não ser devorada pelas criaturas vis que apareciam a tais reuniões) e José deu início ao encontro.
-Boa noite a todos os presentes! Como todos sabem eu sou o síndico. - disse com orgulho - E gostaria de apresentar nossa nova vizinha… - ele estendeu os braços para Lilian pedindo para que se introduzisse, causando a jovem uma vergonha similar àquela do primeiro dia de aula numa escola nova. Stevan percebeu o leve rubor na aluna e se lembrou como era divertido fazer os alunos se apresentarem no primeiro dia de aula.
-Esta é Lilian e eu sou Giulia, podem me chamar de Gigi. - algo pesou no estômago da mais nova. Nunca era uma boa quando a outra usava apelidos, nunca.
-Que fofo, querida. - disse uma senhora de meia idade com mais maquiagem do que cara, automaticamente rotulada como mal comida por Giulia - Mas esperávamos que sua amiga pudesse se apresentar ela mesma ou você é a responsável por ela? - o olhar que Giulia deu a Lilian, antes de se dirigir a senhora, foi tudo que ela precisou para saber que a diversão da outra já havia começado.
-Ah, não. Se alguém aqui é responsável é a Lily, mas o tio parecia estar me ignorando, então pensei em me meter. - Stevan estava confuso com a atitude da falante, ele tinha uma imagem completamente diferente dela.
-Externos não precisam… - começou José, mas foi interrompido pela atriz.
-Não sou externa, sou a namorada da Lily! - ouviu-se várias pessoas tossindo, algumas engasgando, o olhar de José e da senhora quase as perfuraram, porém Lilian não se importou. O importante no momento era fingir um sorriso doce e gentil, sem deixar transparecer o quão surpresa, por essas palavras, ela estava ( o máximo que alguém poderia ter percebido eram duas piscadas rápidas, quando recebeu o impacto delas, porém os único que conheciam este hábito eram Giulia e Lucca). - Né, amore mio?
-Sim. - disse se inclinando para a companheira na mentira.
-Não está escrito nas regras, mas espero que saibam que este prédio é um lugar de respeito!
-Não se preocupe, somos respeituosas. - a palavra parecia errada, mas Giulia achou que perderia o efeito se tentasse se corrigir - E prometemos não fazer muito barulho à noite.
-Pelo menos, faremos menos barulho que certas festas. - disse a aluna para o professor que não sabia se ria ou se tinha um ataque.
-Não é isso que quero dizer! As crianças… - os olhos de Giulia brilhou como se a presa tivesse caído de cabeça em sua boca. Foi então que uma ideia passou pela cabeça do professor e, por isso, ele interrompeu José.
-Desde que vocês respeitem o local em que estão, tudo está bem. - José, furioso, encarou o dono do edifício, incapaz de contradizer alguém que tinham as regras como uma vaga lembrança e nada mais. Por outro lado Giulia mandou um olhar para o professor que dizia todas as obscenidades que aprendera na vida.
Tirando alguns comentários feito pela oriundi com o propósito de desconcertar alguns ali presentes, o encontro ocorreu bem: não foram estabelecidos novas regras; foi distribuído cópias de recibos com a atualização do Fundo de Reserva e despesas mensais; um morador queria fazer uma festa de aniversário para o filho e o dia do nascimento dele daria num sábado ( Lilian pensou que o professor se oporia, mas ele simplesmente deu seu aval, deixando-a confusa sobre as informações que tinha a respeito dele); e, por fim, o assunto sobre a vaga de garagem de Lilian. Normalmente ela teria cedido o espaço a quem quisesse, mas resolveu perguntar a cúmplice antes de tomar uma decisão.
Giulia disse que não queria uma vaga, o motorista dela podia se virar muito bem, apenas para ver a reação dos mais velhos.
A maioria arregalou os olhos perante a declaração.
Depois desta declaração que deixou muitos boquiabertos, as atas da reunião chegaram ao fim, dando espaço para uma pequena confraternização. A princípio José sempre oferecia alguns comes e bebes para os demais condôminos, desta vez ele caprichou um pouco mais, na tentativa de fazer Lilian ficar e conversar com os outros. O que aconteceu, mas não pela comida.
Giulia simplesmente não queria ir embora, ela precisava causar mais. No entanto todos que vinham até a garota queriam saber sobre os pais dela: onde eles estavam; porque não vieram; este tipo de coisa. Irritando a estilista.
Numa tentativa frustrada de espairecer, as duas foram para a enorme janela aberta. Pouco depois elas foram seguidas.
-Não sabiam que eram um casal. - disse o professor - Meus parabéns…?
-Obrigada. - disse a aluna.
-Eu acreditaria nisso mais fácil se tivesse ouvido o seu sotaque - ele se virou para a mais velha - ou se não tivesse olhado pro José como se quisesse dar o bote ou se não tivesse me olhando com tanta raiva quando interrompi…
-Tsc. Foi isso o que me entregou?
-Na verdade, não. Você acabou de se entregar, antes era só um pressentimento de algo errado.
Lilian estava indignada, já Giulia sentia uma mistura de frustração e desapontamento.
-Io disse que ele era do mal.
-Nunca disse que discordava.
-Mas vocês são realmente um casal? - disse com uma risada.
Giulia olhou com expectativa para a outra.
-Não! - ela quase gritou - E você sabe disso! - disse para a amiga - Ou você me levaria para morar com você?
-Sì, se você me aceitasse io te levaria para morar comigo e ai de quem se metesse.
-E Lucca? - elas entravam num mundo só delas.
-Somos todos adultos aqui, podemos dividir! - Lilian corou - E aposto que assim ele poderia aceitar a noiva que o nonno quer enfiar goela abaixo nele. - Lilian engasgou com a própria saliva ao ouvir isso.
-Giulia!? - ela tentou chamar a atenção da melhor amiga, que deu olhar dizendo “O quê?”, como se isso fosse um fato óbvio e inegável.
-Vocês… - Stevan não sabia o que dizer - parecem muito próximas.
-Sì!
-Melhores amigas!
Disseram ambas com um sorriso sincero.
Após alguns minutos de conversa, as meninas se retiraram. Lilian ajudou a outra a preparar a mala, se desculpando por não poder acompanhá-la até o aeroporto. Giulia não ligava, disse que ter passado esses dias com a outra valia mais do que qualquer coisa e que agora ela podia jogar algo na cara do irmão que lhe causaria ciúmes, mas mesmo assim Lilian queria ir.
Ela estava disposta a matar aula para acompanhar a amiga! Porém a outra não deixou. Giulia foi irredutível neste ponto.
Por tanto, no dia seguinte, Lilian ficava encarando as fotos no telefone, sempre que tivesse um tempinho ( que normalmente seria usado para ler). Seus colegas de sala, ao verem-na com o aparelho, pediram seu número, para adicionar ao grupo da turma. Alguns até brincaram que a menina finalmente tinha chegado ao século XXI.
Ela foi para casa meio triste, sabendo que não encontraria mais a amiga lá, por isso ela se demorou no percurso.
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