Lari nunca ficou tão contente de não ter colocado nenhuma disciplina na quinta de manhã. Transar dentro do sonho de outra pessoa deixava ela com a sensação de dez sonos mal-dormidos. Espreguiçou-se devagar e experimentou o glamour, assumindo sua aparência humana sem nenhum esforço. Sabia que essa energia não duraria tanto tempo, uma invasão de sonho não substituía o sexo presencial e ela teria que sondar um candidato o quanto antes. Desde que não fosse um dos namorados da sua irmã.
A aula da tarde seguiu sem nenhum acontecimento fora do cotidiano. Lari podia conhecer todo mundo no curso, mas os "amigos" que ela tinha lá eram, no máximo, conhecidos amigáveis. Ela não se sentia exatamente à vontade com a parcela cinéfila dos colegas. Quando estava de saída da sala acabou esbarrando com uma pessoa que passava no corredor, quase derrubando a caixa de isopor que esta carregava. Após ajudar a pessoa a se reequilibrar, ela finalmente ergueu o olhar para pedir desculpas e se viu frente a frente com o mesmo rosto que não saía da sua memória nos últimos dias.
- Oh, desculpa mesmo, eu não olhei pra onde estava indo.
- Err.. eu... - As palavras lhe escapavam enquanto Lari tentava lembrar como pedir desculpas.
- Ei, eu não te conheço de algum lugar? - Questionou a moça.
- Não. Não, acho que não. - Tentou disfarçar o nervosismo o melhor que pôde. - E...desculpa, por esbarrar em você e tal…
- Engraçado, tem alguma coisa em você que me parece tão familiar… aliás, eu sou a Lô. - Pegou seu isopor e ergueu, exibindo-o. - Eu tô vendendo bolo de pote, dois conto o pequeno, três o maiorzinho, quer comprar?
- Oh, acho que tenho dois aqui em algum canto. - disse Lari enfiando a mão no bolso, grata pela mudança de assunto. - Qual o mais doce que você tem?
- Tem esse aqui de leite com avelã, e tem um biscoitinho de chocolate em cima.
- Soa ótimo pra mim, me arranja esse.
As duas completaram a transação e Lari comeu sua primeira colherada. Macio, cremoso e bastante açucarado. Aquilo sim era melhor que sexo.
- Uau. Isho é ótchimo! - Exclamou com a boca ainda cheia, engoliu e continuou. - Na próxima eu separo dinheiro pra comprar um maior.
- Que bom que gostou! - Disse Lô, num sorriso ainda mais gostoso que o bolo. - Eu não estudo aqui mas tô vindo no campus todo dia, as pessoas por aqui sempre compram essas coisas.
- Pois até amanhã então. - Disse Lari enquanto começava a tomar seu caminho. - Boa sorte com as vendas!
- Ah, qual o seu nome? Pra eu te encontrar de novo?
- Larissa. Pode chamar de Lari se quiser.
- Até amanhã, Lari!
Lari seguiu seu caminho até o pátio, sentou num banquinho e terminou seu bolo de pote. Enquanto apreciava os sabores na boca, alguma coisa clicou na sua mente. Leite em pó, avelã, biscoito de chocolate… Ela conhecia essa receita. Nunca tinha feito um bolo na vida mas tinha certeza que conhecia a receita. O SONHO! Era a mesma receita que tinha visto no sonho da desconhecida na noite passada, e o mesmo gatinho rajado que ela havia fotografado também estava lá. Óbvio! Como podia ter sido tão tapada! Não era de se surpreender que Lô havia reconhecido ela. Ela não devia ter se apresentado pra moça, agora seria mais difícil de ignorá-la e se fazer de doida. Humanos não precisavam de glamour quando podiam fazer doces tão tentadores.
Toda quinta à noite o restaurante de sushi perto da casa de Lari fazia promoção, então era noite de jantar fora com a sua irmã. Comer com os palitinhos era difícil, mas fazia parte da experiência. Depois de algum tempo comendo e jogando conversa fora sobre alguma piada recente que Manuela tinha visto na internet, Lari juntou toda sua coragem pra falar:
- Hoje eu encontrei com a menina do sonho.
- Fala sério.
- É sério. E eu só me toquei bem depois de me apresentar pra ela e tudo.
- Bem, eu consigo ver duas oportunidades aqui - Manuela se recostou na cadeira e abriu um sorrisinho. - Você pode finalmente deixar de besteira e usar a hipnose, ou você pode investir nela e ficar com um lance fixo.
- Você sabe que eu não uso hipnose a menos que seja super necessário, eu não acho justo com as pessoas.
- Eu diria que se expôr acidentalmente e apagar a memória de alguém pra se manter no anonimato conta como “super necessário”.
- Mas… talvez... eu não queira que ela esqueça de mim…
- Oh! - exclamou levantando-se da cadeira. - Opção número dois então, você acabou de achar uma candidata!
Lari desviou o olhar do sorriso da irmã. Não estava exatamente super animada com a ideia, mas não se opôs. Ela ainda não sabia o que tinha naquela moça que a deixava tão interessada, e ela queria pelo menos entender melhor o sentimento antes de tomar uma decisão a respeito.
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