— Já contei aquela vez que a gente foi caçar caçadores de baleia e acabamos caçando um polvo? — Roque dispara sem muito contexto na conversa da mesa.
— O que isso tem a ver com a crise das azeitonas? — pergunta um marinheiro que sentava à mesa.
— Quem liga pra crise de azeitona? Uma hora ou outra a natureza resolve isso. — retruca o pirata. — Enfim...
"Isso foi numa época que a França e a Inglaterra não tavam se bicando muito, e a gente recebeu um corso pra atacar navios baleeiros ingleses, dividindo o espólio com os comedor de lesma. Parecia adequado, e óleo de baleia tava em alta na época. Aceitamos e fomos na direção das geleiras, onde normalmente os baleeiros chegavam. Mesmo com o corso, atacaríamos qualquer navio pirata que cruzasse nosso caminho, então já seria lucro pra gente.
"Arrumamos a Princesa, tiramos o pó das roupas de frio, e velejamos. Passou uns bons dias sem encontrar muito além de peixes, navios mercantes, e talvez uma ou outra sereia, embora a presença de Annabelle possa ter espantado elas.
"Paramos numa pequena cidade costeira pra abastecer com alguns suprimentos e em busca de informações. O homem do porto disse que um baleeiro inglês tinha passado ali ainda ontem, e vendiam óleo, e pareciam ter tido uma boa caça recentemente.
"Parecia ter caído do céu.
"Seguimos o caminho que o homem do porto indicou, mas por outra rota, queríamos pegar os baleeiros de surpresa. Annabelle calculou a rota que eles provavelmente estariam fazendo e a contornamos, pra ficar logo no caminho deles. Passamos talvez um dia e meio parados no mar, à espera da presa, escondidos atrás de uma montanha, uma das muitas que haviam naquela rota. Matt já tinha preparado as armadilhas, e ficávamos revezando quem ficava sendo o observador no cesto e quem jogava pôquer pra passar o tempo.
"Finalmente, eles apareceram. Tão cedo foi possível, assumimos nossos postos e ficamos à espera do sinal. De repente, clunc! O baleeiro encalhou nas correntes que Matt armara. Não era necessário que causasse dano, só precisávamos de uma distração. Escondida em algum lugar da montanha, Annabelle dispara em direção ao navio. O eco deixou os marinheiros confusos, que não conseguiam saber daonde vinha os tiros, nem ver que Belle mudava de lugar entre os disparos.
"O quinto disparo foi quando Annabelle estava mais próxima da Princesa. Matt catapulta um barril por cima do baleeiro, e eu juro, Annabelle dá um salto, atira no barril, que explode em névoa, e ainda no ar, essa guria cai graciosamente na rede que eu e Matt usamos pra aparar sua queda.
"A névoa confunde ainda mais os marujos, e só então a Princesa surge de detrás da montanha, já anunciando ataque. Atracamos no navio inimigo, os adversários tontos e sem ouvir nossos passos, apenas o clangor das espadas e papoucos de pistolas em uma arena cega pela névoa. Vários marujos acabaram ferindo e derrubando seus próprios colegas, porque poucos ali eram lutadores profissionais como nós.
"Mas então, um rugido se ouviu. Não parecia vir de nenhum lugar e ao mesmo tempo de todo lugar. Annabelle, que ficou no navio, berrou, "POLVO!"
"E então vimos. Tentáculos gigantescos, roxos como ameixas e fortes como touros chicoteiam as águas ao nosso redor. Por muito pouco a Princesa não foi danificada com o golpe que os braços com ventosas deram nas montanhas ao redor. Como a excelente piloto de fuga que é, Annabelle logo tratou de tirar a Princesa do alcance do bichão, mas era um trabalho que três mal podiam fazer, que dirá um só. Algo era preciso ser feito, e rápido.
"Desviando e esbarrando nos marinheiros que não sabiam se corriam, se matavam, ou se jogavam na água, me dirigi até o capitão do navio pra ver o que podia ser feito.
"'Bom dia, capitão. Como está nessa linda manhã de verão?', eu perguntei, tentando ser ao menos um pirata polido. Fui recebido com xingamentos aos berros, mas talvez realmente não fosse a hora apropriada pra ser bem-educado. Perguntei se ele tinha algum sinalizador marítimo ou qualquer coisa parecida. Ele me entrega uma pistola prateada e mergulha no mar. Covarde. Um bom capitão afunda com seu navio.
"Comecei a dar ordens aos homens do navio. 'O capitão de vocês fugiu, se querem sair vivos dessa, me obedeçam.' Ainda bem que ainda haviam homens valorosos naquele resto de embarcação, pois logo seguiram minhas ordens de buscar ganchos e cordas, mesmo sem entenderem bem.
"Se estivéssemos na Princesa, Matt poderia ter usado sua catapulta, mas aqui tivemos que improvisar. Pegamos um barril de óleo de baleia e melamos seu exterior com peixe em calda. Eu sei lá o que raios lulas gigantes comem, mas esperava que estivesse apostando certo. Alguns homens fizeram uma espécie de rede com panos de vela e botaram o barril melado nela, enquanto outros dois seguravam as pontas à distância. Era muito difícil comandar uma tripulação com os tentáculos gigantes pairando sobre nossas cabeças e gerando ondas que desestabilizavam o navio, mas talvez seja essa a magia de trabalhar sob pressão.
"Esperamos o momento certo enquanto aguentávamos as pancadas. Se meu palpite estivesse certo, uma hora ou outra o monstro iria aparecer pra comer o peixe, ou algum dos homens. O importante é que ele iria dar as caras, e, com sorte, de boca aberta.
"Foi exatamente o que aconteceu. A criatura emergiu majestosamente das águas, mas pra emitir seu urro ameaçador terrível. O corpo era impressionante, não só por ter luz própria de alguma forma, mas também por ser IMENSO. Mas, como eu não sou biólogo e não ligo pra preservação de algumas espécies de animais, segui com o plano.
"Os homens com a rede correram até certo ponto, quando pararam e esticaram a rede, que joga o barril com óleo pra dentro da boca do monstro. Eu só tinha uma única chance, um único tiro, e eu não iria desperdiçar esse tiro.
BANG!
"Atirar de uma pistola, canhão, bacamarte ou seja lá o que for é totalmente diferente de um sinalizador. A trajetória que ele faz por vezes é imprevisível, cê não sabe se ele vai cair ou dar piruetas no ar. Por sorte, ele rodopiou tanto que acabou indo em linha reta, acertando o barril de óleo e entrando na boca do monstro logo em seguida. A criatura recua, mergulhando novamente no mar, até que finalmente explode, agitando o mar e respingando em tudo.
"Procurei o primeiro imediato pra explicar toda a situação, e visto que eu tinha conseguido causar considerável dano pro baleeiro, tinha cumprido minha parte no acordo. Claro, o navio deles estava inutilizável e mesmo se quisessem eles nunca iriam nos alcançar, com a Princesa de Guerra praticamente intacta. Eu e Matt soltamos bombinhas de fumaça no chão e saímos às pressas, aquele navio e quem quer que fosse eleito novo capitão já não era mais problema nosso, e poderíamos reportar novamente aos franceses.
"Agora, a pior parte dessa história, é que eu e Matt voltamos com um cheiro terrível de óleo de baleia, e tivermos que passar os próximos dois dias de molho enquanto Annabelle raspava nossa pele com um facão, o que deve ser a idéia que ela tem de higiene, eu sei lá."
Imediatamente Roque encerra sua história, não só porque ela chegou ao fim, mas porque uma carta de pôquer havia sido lançada a não mais que 10 centímetros de seu nariz, e ficou presa na parede. Do outro lado da sala, Annabelle o encara com um olhar que poderia perfurar a alma se assim quisesse.
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