— Ora, quero o que você quer... Não ficou claro? Estávamos ansiosos pela noite de hoje. Tanto você quanto eu. Você tinha assuntos que diziam respeito também a mim e era importante que esta fosse uma noite feliz pra você. A sua noite especial, e eu digo isso realizando o quão cliché e piegas parece, é de total interesse meu. Infelizmente em vez disso temos você aqui, frustrada.
— Que diferença faz? – Ela disse, desistindo de discutir. – Eu sei lá como você sabe dessas coisas, moço, e na verdade nem me importa mais...
— Agenor, menina... e meu trabalho demanda um esforço continuo por um certo período de tempo. Esse tempo varia em diversos aspectos, envolve o conhecimento adquirido pelo objeto atual do trabalho, ou seja, você, mas também alguns eventos importantes da vida deste mesmo objeto, ou seja, da sua. Eu preciso me libertar de você e você quer se livrar de mim, então isso exige medidas extremas. Precisamos consertar essa noite.
Andressa mudou a perna de apoio ainda chorosa. Agenor estava agora bem de frente pra ela. Ajeitou um fio de cabelo da menina que soltara da presilha cuidadosamente ajeitada. Agenor passou a mão sobre a mecha e ela retornou para dentro das garras do ornamento.
— Algumas vezes, uns e outros. – Então parou com um dedo em riste, corrigindo-se. — E outras... de nós, fazemos isso. Nos apresentamos aos afilhados, mas para que isso sequer seja possível, muitas coisas precisam convergir. Uma falha grave ou um momento crítico, enfim, aqui estamos. Você estava num momento muito dramático e especial e parou numa encruzilhada, um local onde mundos se encontram. Entretanto há regras e a encruzilhada me fez assim. – Ele deu um giro mostrando suas roupas. Terminou segurando as bordas do blazer e com um dos pés adiante do corpo. – É a forma como as pessoas esperariam que uma entidade aparecesse aqui. Uma questão cultural, eu acho, ou coisa do inconsciente coletivo. Ou, talvez, sua?
— Afilhados?
— Foi isso que lhe chamou atenção, querida? Quanta carência. Não vamos nos prender a isso, me conte o que aconteceu.
— Você não sabe?
— Me conte, é preciso. — Agenor insistiu com um gesto apressado das mãos.
— Bem. – Ela pigarreou — Eu achei que hoje seria um bom dia para, você sabe, perder a virgindade. Quase nunca me chamam para as festas mais legais. O Fred me convidou pessoalmente, dizia que tinha uma surpresa especial. Como seria na casa da Natália, eu fiquei tranquila já que ela é... parecia ser minha amiga. Havia algumas meninas e rapazes quando eu cheguei. Eu bebi um pouco, mas queria aproveitar a noite, então evitei beber demais. Natália me ajudou a ficar sozinha com o Fred, eles já tinham preparado tudo, sabe?
— Eu sei, continue. – Ele parecia mesmo muito interessado na história.
— Eu cortei meu cabelo há uns dias e hoje fui ao salão fazer esse penteado pensando que ele gostaria. Comprei uns produtos que as meninas me indicaram... Comprei uma lingerie. Não foi a toa, pois ele me deu todos os sinais, ficamos de papo nas redes, ele mandou mensagens mais quentes durante a semana. Depois que eu cheguei e bebemos, subimos pro quarto dela, foi rápido. Eu não vi que eles tinham preparado o quarto. Chegamos já nos pegando, ele tirou a roupa antes de mim e me puxou, mas eu não sabia que a Natália me filmava e passava o vídeo na TV da sala para que todos vissem. Fred tirou umas fotos enquanto eu estava ajoelhada. Mandou pros amigos, ali mesmo, como se não fosse nada. Eu comecei a ouvir as gargalhadas lá embaixo, mas não parei até ouvir ele rir. E ficou me imitando gaguejar enquanto eu perguntava o que estava acontecendo.
Agenor estava em silêncio com as mãos atrás das costas.
— Eu estava numa posição ridícula e eles estavam rindo de mim. Eles achavam que eu tinha dedurado alguém com maconha, mas isso nunca aconteceu. Eu devia ter achado estranho, ele é tão bonito e eu gorda, me visto esquisito... Agora, você... você...
— Ei, ei, calminha querida. – Ele colocou uma mão em seu rosto, delicadamente. – Eu não me importo.
Ela o olhou com raiva e o afastou com grosseria.
— Vamos, me conte o resto, por favor.
— Eles espalharam umas fotos dali mesmo, todos estavam rindo e fazendo sinais para mim. Eu corri até Natália para que ela me ajudasse, mas era ela que estava exibindo as imagens na TV. Ela disse algo grosseiro sobre usar a boca pra fazer fofoca e eles jogaram os copos de bebida em mim. Eu tentei sair de lá, mas tropecei na mesa de centro e então...
Agenor segurou seus ombros e se afastou para olhar pra menina de cima abaixo e então acima de novo.
— Aqui, veja só. Preste atenção...
Ele pegou a camisa da menina e jogou sobre seu corpo de forma desleixada e a blusa ficou limpa, nova, perfeita bem vestida em Andressa. Agenor se abaixou e segurou os pés dela, um de cada vez e com um estalo seus sapatos estavam de volta neles, impecáveis. Assim foi com a saia também quando ele passou as mãos por cima dela.
— Como você... Agenor, como isso é possível?
— Ai, menina, jura que ainda... Eu sou sua fada madrinha, querida. E hoje é a noite do seu baile. – Agenor bateu palma duas vezes do lado do corpo e a sujeira da lama e chuva pularam para fora do corpo de Andressa. Seu cabelo ficou perfeito novamente. – Então, precisamos replanejar essa noite, querida
— Não... ah não. Eu tô maluca?
— Claro que não, lindinha. Hoje eu estou aqui só para você, sua noite incrível e blábláblá. Era pra ser uma noite mágica, mas aconteceu tudo isso. Porém, ainda podemos salvá-la e, quem sabe, me libertar para retornar ao meu mundo? – Andressa o olhava curiosa. — Hoje, você pode ser, devo dizer com segurança, o que imaginar. Ter o conhecimento que quiser e a habilidade que sonhar. Saber sobre os destinos do mundo ou dançar como a mais sublime bailarina. Pode ser rica por uma noite e viver o luxo que mesmo o mais abastado xeique apenas sonha. A fortuna que quiser, a beleza que imaginar. Poderá ser tão bela que seu rosto fará com que os homens e mulheres suspirem de desejo para tocar o dedo na sua face e corações derretam ardendo para beijar seus lábios. Tenha uma noite mágica e hoje eu estarei livre. – ele sorriu segurando o cigarro entre os dedos.
— Se eu acreditasse nisso, poderia ter o conhecimento que quiser e a habilidade que sonhar e as coisas que imaginar? E as consequências?
— Posso te fazer saber de tudo e ensinar tudo com um estalar de dedos, mas veja bem, mesmo eu tenho limites. Essas coisas posso ensinar pois em algum canto outro humano as sabe, mas não posso criar as coisas do nada, mas posso transformar o que tiver em mãos. Poeira em moedas de ouro, bermudas em vestidos de gala, este carro mesmo, fiz de uma lata de milho e este terno era uma caixa de fósforos. Coisas em coisas e seres vivos em seres vivos... Se quiser um cavalo alado, podemos providenciá-lo com um rato de esgoto. Sobre a permanência do que fizer essa noite, a decisão é sua. Pode encontrar o amor de sua vida para sempre ou tudo pode se apagar amanhã como um sonho. Mas não se preocupe com problemas mundanos, doenças e a justiça dos homens não vão alcança-la como resultado de suas aventuras nessa noite mágica.
Andressa estava pensativa, mas seu semblante parecia mais leve, as lágrimas não corriam em seu rosto e as rugas do choro sumiram dos seus olhos.
— Então, querida, o que vai ser? Quer voltar lá deslumbrante e obrigar todos os rapazes a te desejar? – Ele levou um dedo à boca e mordeu a ponta da unha. — Ou obrigar todos a quererem te servir? A dominadora perfeita! Ou ainda, quer esquecê-los e ser a mais bela de todas as princesas da noite e encontrar um homem decente numa festa da alta-sociedade onde ninguém te conhece? Um homem que, talvez possa mesmo apaixonar-se por você e nunca mais esquecê-la? Podemos ir a Paris ou Nova Iorque, festas que você sequer pode conceber de tanto delírio e luxúria, Talvez queira aprender a cantar como...
Andressa tirou a presilha do cabelo e a segurou em uma mão e o celular na outra, aproximou-se dele, o interrompeu sussurrando algo em seu ouvido.
Agenor sorriu ainda mais largo, jogou o cigarro no chão e pisou nele soltando pequenas fagulhas ao apagá-lo, então, estalou os dedos uma e outra vez, abriu os braços soltando faíscas coloridas e disse em tom de deboche:
— Brilhe, minha criança. E tenha sua noite mágica.
Ela voltou em direção a festa. Vestido impecável, sapatos lindos, cabelos assimétricos presos apenas de um lado por uma trave delicada com pedras coloridas. Na mão esquerda uma katana com a empunhadura de pedras coloridas, na mão direita uma submetralhadora nove milímetros rosa com adesivos de personagens infantis. Andressa tocou a campainha ouvindo a música bater lá dentro quando ouviu o trinco liberar chutou o portão com a habilidade de um artista marcial e disparou nas primeiras pessoas que viu. A música alta abafava os gritos e os tiros e a espada oriental não fazia barulho algum.
Agenor se desfez em névoa, livre, sorridente. Andressa nunca teve uma noite tão feliz com seu vestido de noite pintado de vermelho.
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