O dia do encontro para a sereia tinha sido, no geral, normal, exceto pelo evento. Normal era chato. Ela acordava cedo, quando a luz começava a brilhar fora de sua caverna na costa. Então, se espreguiçava e alguns animais que haviam dormido ou passavam por seu corpo caíam. Em seguida, gentilmente tirava um por um dos restantes e comia algum que lhe parecia apetitoso. Mas, depois de o que ela acreditava ser uns 4 meses nessa costa, ela aprendera que quase nada era realmente bom. Pelo contrário, a maioria a fazia sentir-se enjoada, e várias vezes já adoecera até aprender o que podia comer ou não. Não saber o que é possível comer era uma das várias desvantagens de ser um híbrido de monstro e sereia. Mas pelo menos ela não precisava de carne humana ou de sereia, diferente dos monstros.
Sua principal fonte de alimentos era algumas algas verdes que não ficavam muito longe da sua caverna. Elas eram ruins, mas pelo menos não a deixavam doente. Entretanto, ela estava começando a perceber que comia mais do que a região parecia conseguir renovar. Fez uma nota mental que deveria tentar lembrar o que aprendera nas aulas sobre agricultura sustentável em sua cidade natal. Também comia peixes que se aventuravam perto demais; eram melhores que as outras opções, mas ainda não tão bons quanto os das águas mais profundas.
No entanto, ela evitava afetar muito a região. Afinal, não planejava viver muito mais. Ela havia decidido mudar-se para perto do que parecia ser um campo de treinamento e esperava que sua presença fosse o suficiente para fazer os humanos se sentirem ameaçados e a atacassem. Mas os meses passaram-se e nada aconteceu. Uma humana quase toda manhã ia à costa, mas sempre ignorava a sereia. Isso, somado à mensagem que recebera antes de partir… Ela estava perdendo o impulso.
Não queria, mas talvez fosse necessário assustá-los. Sabia que não havia herdado o canto mágico dos tritões, então tentaria usá-lo primeiro. Se não desse certo… Ela balançou a cabeça e deu alguns tapas leves em seu próprio rosto. Querendo ou não, teria que partir para ações mais turbulentas e usar seu lado monstro.
E foi assim que subiu à praia e começou a cantar.
E conheceu a humana que parecia estar pensando como ela.
E egoisticamente tentou forçá-la numa situação similar a sua.
… Além de agora ter achado os calçados dela.
Oops.
Por um lado, sentia-se mal por ter colocado a humana nessa situação. Por outro, sentia um peso tirado das costas. Não precisava pensar no que fazer sozinha, e poderia decidir seu rumo baseado no que aquela mulher escolhesse fazer. Insistiria em morrer ou tentaria viver por um estranho?
Ainda assim, delegar a responsabilidade dessa escolha a outra pessoa parecia simplesmente errado… Bem, ela era assim, e ela não podia mudar sua própria natureza! Ela estava destinada a fazer escolhas imorais como uma meio monstro!
Ela levou uma garra para cobrir sua boca abrindo em uma risada. Entretanto, percebeu que sua mandíbula ainda estava projetada e seus olhos se arregalaram. Tentou rapidamente empurrá-la de volta, mas machucou-se. Sentiu lágrimas formando-se no canto de seus olhos. Com maior delicadeza, empurrou-a de volta e usou uma parte da pouca magia que tinha para conseguir esconder suas presas em sua boca. Está tudo bem, controlou sua respiração acelerada, você não anda precisando usar magia de cura ultimamente.
O resto do dia após guardar os sapatos em sua caverna não foi muito surpreendente. Ela tinha um único jogo que ganhara da esposa de sua mãe antes de fugir. Às vezes simplesmente percorria a costa e admirava os seres e paisagens. Mas na maioria das vezes espiava o treinamento do campo quando tinham atividades ao ar livre, interessada nesses humanos, tão diferentes do que havia aprendido em suas aulas.
Quando o sol começava a desaparecer no horizonte, alimentava-se novamente e se recolhia à caverna. Então, escreveria em seu diário. Normalmente estaria lamentando mais um dia gasto, mas hoje estava ansiosa pelo dia seguinte. A humana viria de novo? Ou teria tomado a própria vida? Espera, se ela não viesse não significava que ela havia morrido… Talvez ela passe um tempo sem aparecer por medo… Ansiedade fez a sereia tardar a dormir.
Greneva havia chegado na costa no horário de sempre; dormira cedo, então conseguiu acordar ao que o sol nascia. Dessa vez, havia levado seu partisan. Procurou pela sereia e não se aproximava das águas, se limitando apenas à parte de areia, mas não a encontrou. Teria ela fugido após não conseguir matá-la? Faria sentido… Mas era frustrante pensar que teria tantas perguntas não respondidas.
De qualquer jeito, ela sempre preferia passar a manhã na costa. Longe de Alseri ou qualquer outro, mais especificamente. Deixou sua arma de lado, sentou-se e encostou-se contra o muro, admirando o oceano. Uma gentil brisa fria batia contra seu rosto. Colocava as mãos nos bolsos da calça quando percebeu que havia algo neles. Ao tirar os objetos desconhecidos, viu que eram dois biscoitos e um bilhete. “Vi que você não comeu direito ontem. Eu não posso te forçar a dizer onde você vai, mas posso imaginar que você vai sair de novo amanhã de manhã.” havia alguns rabiscos, forçando-se a ler por baixo do risco ela conseguia ver “E- n— po—o ne- me—o s-b-r se v—- —- co—r -sso”, e então continuava normalmente com “Aqui estão alguns biscoitos. Não perca forças logo cedo. Conserve energia para a missão”.
Ela sorriu, balançou a cabeça e guardou o bilhete. Sentiu sua barriga roncar. Começou a comer um dos biscoitos e pensar em como deveria usar isso contra Alseri, quando ouviu uma voz baixa familiar:
- Você já está aqui?! Estou atrasada!
Quase engasgou-se, guardou o outro biscoito e levantou-se num impulso, segurando seu partisan em uma posição defensiva. Porém, ao olhar em volta não viu ninguém, nem mesmo uma sombra na água. Continuou na mesma posição por algum tempo, tossindo e com as mãos tensas. Quando começou a relaxar, ouviu o quase imperceptível som de algo emergindo da água e imediatamente virou sua cabeça para fitar o local. A cabeça da sereia que havia visto antes estava à vista. Ela agora estava com a face completamente humana. Viu-a lançar algo em sua direção e reagiu com um pulo para o lado, segurando sua arma com ainda mais força. Olhou para o objeto. Aquilo era… um sapato?
Sentiu algumas gotas de água batendo contra um lado de sua face e virou-a para determinar a origem. Apenas viu um borrão antes de ser atingida fortemente pelo objeto. Encostou-se contra o muro atrás de si, passando a mão contra seu rosto, que avermelhava-se.
- Ah, desculpe… Estou acostumada com a resistência da água… - a sereia disse, e submergiu parte de seu rosto.
Greneva cambaleou enquanto se desencostava da parede. Olhou para o objeto. Era outro sapato, par do anterior. Olhando com mais cuidado, percebia que eram seus.
- Meus sapatos? - levantou uma sobrancelha, coletando-os.
- S… - tentou começar a falar, mas só saíram bolhas.
- Hã?
- Sim, eu guardei, caso você voltasse. - disse, após tirar totalmente sua cabeça da água e submergindo-a parcialmente novamente logo em seguida.
Ela… parecia preocupada? Bem, não importava. Sua cidade já tinha problemas o suficiente, resolver o assunto de uma sereia problemática rapidamente era o mínimo que poderia fazer para ajudá-la. Ela empunhou com mais força sua arma, levantando sua cabeça e fitando a sereia de cima.
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