– Reuniões? - Lurani inquiriu.
– V-você consegue ouvir a essa altura?
– Sim, acho que é para compensar pela visão, e eu posso usar para ecolocalização. Mas o que aconteceu?
– Ecolocalização? Isso é incrível! E, bem, nada demais aconteceu. Eu meio que tenho que falar com meu ex hoje e minha família me enviou uma mensagem dizendo que me visitaria em breve… Relações é difícil.
– “Ex”? Por qu— - começou perguntando, mas se interrompeu e levou ambas mãos à boca - D-desculpe, não é da minha conta.
– Tudo bem. - fez um gesto com a mão, enfatizando que não se importava - Eu também não sei o que ele quer.
– Ah… Bem, e eu acho que é legal ter a família por perto.
Greneva imediatamente encolheu-se ao perceber como poderia estar sendo insensível. Essa mulher estava sozinha há um bom tempo, e aparentemente não tinha como retornar à família mesmo se quisesse. Greneva estava receosa em relação a situação, hã, complicada seria um eufemismo, em que ela e sua família se encontravam e tentou se afastar deles nos últimos meses. “Se machucar todo dia não muda nada”, repetiu em sua mente. Talvez ela devesse ouvir seus próprios conselhos. Seus pais ainda a apoiavam e ela pode melhorar-se…
– Você tem razão. - concordou, sorrindo - Ei, o que você normalmente come?
– Hã? Peixe e algas é o que tem por aqui. As vermelhas são minhas favoritas, mas não consigo achar…
– Você só caça? Como prepara?
– Hã, sim e… - afundou-se mais e cochichou - Eu não preparo…
– Pode repetir? - curvou-se para perto da água, mas viu-a afundando-se ainda mais - Você disse que não prepara? - ao ver a outra assentindo fracamente, propôs: - Quer fazer um acordo, então?
– Um acordo?
– Sim, você pode me escrever tudo que pode comer?
– … Não.
– Assim eu— quê? - o sorriso sumiu de sua face, trocado por uma expressão surpresa - Por quê?
– Primeiro que eu não sei. Segundo, você ainda tem minha mochila e eu não tenho onde escrever. Tudo que eu tinha estava dentro dela.
– Ah, eu esqueci completamente disso! - levou uma mão à testa - Desculpe, eu tento trazer o mais rápido possível.
– Tudo bem! Mas qual era a proposta?
– Ah, não vai funcionar. Você me fez perceber que quero impressionar meus pais, e qual forma melhor do que cozinhar? Mas eu nunca fiz isso antes, e você não parece saber cozinhar também, então parece uma ótima ideia eu cozinhar para você. Mas você não deve poder comer muitos ingredientes da terra…
Esse parecia um péssimo plano e Lurani tinha várias questões. Não seria melhor cozinhar para alguém que conhece culinária para receber comentários construtivos? Quem pode garantir que ela sentia gosto como os humanos? Mas quando ela disse “cozinhar para você”, Lurani sentiu seu coração acelerar. Ela tinha certeza que era porque a oportunidade de talvez finalmente comer algo bom se apresentou. Ela não podia deixar essa passar.
– Não, vai funcionar sim! - apressou-se em dizer - Eu, hã, quero saber sobre a superfície! Não é justo você saber tudo do mar e eu não saber sobre aí!
– Tem certeza? Você pode passar mal.
– Não seria novidade.
Lurani riu ao confessar. Greneva não pôde deixar de pensar em como a sua risada — sua risada verdadeira — era linda. O som angelical preenchia sua mente completamente. Era como se o mundo em volta dela tivesse desaparecido e só houvesse a risada envolvendo-a.
– -Neva?! Greneva?!
Sua visão lentamente retornou, e ela logo percebeu que seus outros sentidos também haviam falhado e estavam voltando apenas agora. Ela sentia-se molhada, apesar de ter se secado há não muito tempo. Havia uma pressão contra sua perna. Além disso, agora estava deitada, sendo encarada por olhos verdes, em sua volta havia apenas preto. O preto era… Cabelo, pelo que podia perceber. Com a consciência retornada, também identificou que o rosto era de Lurani. Concluiu que o peso que sentia devia ser sua cauda.
– O que aconteceu? - tentou indagar fortemente, mas projetou apenas uma voz fraca.
– E-eu não sei! Você simplesmente pulou na água e a-acho que me abraçou? Mas não queria largar e estávamos afundando! E seus olhos ficaram sem foco! Você está bem?
– S-sim, não se preocupe.
Após analisá-la por mais alguns segundos, Lurani escorregou de volta para a água, porém sem tirar os olhos de Greneva. Ao levantar-se e reorganizar seus pensamentos, a conclusão era clara para Greneva:
– Sua risada. – falou, olhos arregalados.
– Hã?
– Você não tem o canto das sereias, mas parece que o poder do canto passou para a sua risada! Isso é incrível!
– O quê? Isso não faz sentido!
– Você disse algo sobre ecolocalização, certo? - apontou entusiasmada para Lurani - Então você deve ser pelo menos metade adaptada às profundezas, onde isso é necessário. Assim você usaria bastante ondas e ter magia acoplada não seria um modelo otimizado. Principalmente se sua magia é mais similar à dos monstros. Como você deve saber, magia de monstros é intrínseco a eles, o que faz com que eles sintam-se cansados no geral após usá-las e tenham acesso apenas a magias específicas, normalmente de sua sub-espécie. Agora se sua magia fosse como a de tritões ou humanos, seria como um estoque à parte… Então você deveria estar se cansando sempre que escondia suas presas! Então— - Greneva percebeu que começava um monólogo ao que deu-se conta do olhar indecifrável de Lurani. Parou repentinamente, encolhendo-se - D-desculpe, eu me animei.
– N-não, não peça desculpas! - sorriu - Eu não sabia que você se interessaria por m— isso.
– Oh, eu sempre amei o mar. É fascinante, eu não sei explicar o porquê, e posso acabar sendo chata com esse assunto. - e riu.
– Não, eu, hã, acho fascinante o seu fascínio!
– Não precisa tentar ser legal. - riu novamente - Mas agradeço. Infelizmente, - olhou para o céu, percebendo que o sol já havia terminado de nascer há um bom tempo e possivelmente havia passado mais tempo do que o esperado na costa - eu preciso ir para a parte não tão legal do meu dia… - suspirou e secou-se de novo.
– Ok… Até mais! Bom salto. - acenou.
– Bom salto? - questionou, levantando-se - … Boa sorte?
– I-isso!
– Você não tem uma audição incrível? Como pode se confundir com esse tipo de coisa? - brincou.
– Ah, estou há um tempo longe da civilização! Alguns detalhes a gente esquece.
– Hã? Eu assumi que você estava aqui há apenas alguns meses, quanto tempo você realmente está aqui?
– Só alguns meses.
– Isso é o suficiente para esquecer?
– Ah… - desviou o olhar - Não, precisa-se de anos, mas… É uma longa história. Você deveria ir para não perder a hora.
Greneva sentiu que novamente perguntou algo que não deveria. Confusa, mas não querendo piorar a situação, limitou-se a despedir-se:
– Até mais! Eu não vou esquecer do nosso combinado. E nem da bolsa!
Caminhando de volta para as escadas, ela ainda olhou para trás duas vezes. Na primeira, Lurani apenas acenava, porém na segunda ela já havia desaparecido sob o oceano.
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