– Theo ainda está na prisão. Na pior das alas. - seu ex havia confessado, enquanto voltavam para o campo de treinamento no dia anterior.
– O quê? - ela parara imediatamente, virando-se para encará-lo - Isso não é o que você prometeu que ia acontecer!
– Eu sei, eu sei. Eu esperava que dizer que foi um crime passional o ajudaria, mas você não pode explicar uma guerra contra os conens só com isso. - então sorriu - Pelo menos ele não levou a pena de morte.
– “Pelo menos”?! Arnst, você sabe que isso não é bom o suficiente! Ele não fez nada! E agora está tendo que sofrer na prisão além de lidar com a morte da Deawa! Sua própria namorada!
– Se você “pelo menos” tivesse tirado o corpo dela de lá os conens não teriam a comido e não teriam ficado agressivos! - apontara um dedo para ela - Isso é sua culpa!
– Você me empurrou enquanto eu estava carregando e me desconcentrou!
– Você bebeu demais e disse “não se preocupe, pessoal, eu ainda consigo usar magia!” - ele repetira, zombando-a - Eu diria que a culpa é mais sua, sim! Você adora fazer decisões erradas.
– S… Sim. - admitiu, recuando - Mas você me, não, nos prometeu que ele ficaria pouco tempo e numa das alas menos piores! Você disse para ele que se ele fingisse que foi ele, a pena dele seria menor do que as nossas e isso era o que Deawa iria querer! Além de ajudar a proteger o reino contra maiores instabilidades políticas!
Arnst hesitou em responder, e nesse momento Greneva arregalou seus olhos, uma questão que não queria que surgisse aparecendo em sua mente.
– Você disse isso para ele, não disse? - aproximou-se dele - Eu já havia percebido que todo o processo de julgamento foi bem estranho, tem algo que você não está me contando?
– Eu disse pra ele, sim. Parcialmente, pelo menos, você sabe que ele é um tanto quanto ignorante.
– Não ouse falar assim dele. - avisara.
– Eu pensei que um tempo no treinamento militar ia te deixar mais durona, e não mais frouxa desse jeito!
– O que você quer dizer com isso?
– Você esqueceu que ele é um idiota? Você mesma já disse isso! Ele não aceitou nada do que eu disse para ele, ainda estava bravo pelo acidente e disse que íamos pagar pelos nossos crimes. Não conseguia pensar em nada fora ele mesmo.
– Você me disse que ele tinha concordado!
– Ele teria concordado se não fosse um burro e pensasse mais no próprio reino!
– Você fala tanto sobre nosso “reino”, mas cada vez mais me parece que você só quer livrar sua própria traseira de problemas! Não sei como aceitei isso. Vou falar com ele imediatamente. – ela começara a virar-se em direção à prisão quando uma mão violentamente segurou seu pulso.
– Não, você não vai.
– Por que não? E me solte.
– O caso dele é complicado e visitas são bem restritas. - a soltara - Além disso, você esqueceu que também estamos salvando a sua traseira? E agora que você está no colégio militar, pense muito bem sobre suas ações. Você acha mesmo que eles precisam de escândalos de guerreiros não confiáveis no meio da crise dos conens?
Ela não soubera o que responder, apenas o encarara. Observara as feições dele tornarem-se mais dóceis, ao que ele estendera uma mão em direção ao seu rosto e ela não tivera coragem de reagir.
– Meu amor, você sabe que eu fiz isso por você. Eu sempre vou ligar mais para você do que qualquer outra pessoa no mundo, eu não ligo se eles tiverem que passar por uma prisão ou duas se você estiver bem.
E havia sido ali que ela perdera a paciência e enchera-se de coragem, dando-lhe um tapa.
E então ele gritara com ela, dizendo-lhe que ela adora tomar decisões erradas e que ele deveria jogar ela na cadeia por desrespeitar um nobre.
Em seguida, reganhara a compostura e afirmara que não faria isso, pois a ama e ele não mandá-la imediatamente para a prisão é prova disso.
E finalizou contando-lhe todas as decisões erradas que Greneva já havia tomado, e como ele a amava mesmo assim e ela devia deixar-lhe tomar as decisões por ela para evitar sofrimentos no futuro.
– Inclusive voltar comigo. - ele dissera-lhe - Eu sei que o que aconteceu foi um choque, mas já deu, volte comigo logo, meu amor. Você sabe que era mais feliz antes, e eu sinto sua falta.
… Certo, como ela deveria explicar a situação para Gwenny?
– Ele disse que não ligava para nada do que está acontecendo desde que eu esteja bem. - respondeu-lhe e riu - Acho que não gosto de pessoas românticas, Gwenny.
– “Romântico”? - Gwenny levantou uma sobrancelha - Mais como “medonho”.
– “Medonho”? - Greneva perguntou.
– Se foss’tipo, um vaso caro se quebrando e você saindo sem um arranhão, até pod’ser fofinho… Mas ignorar morte e guerra? - sua face contorceu-se em desgosto - Parece que’stá mais é beirando a psicopatia.
Greneva não respondera, apenas apoiou sua cabeça contra suas pernas dobradas. Viu que Lurani, já totalmente encostada contra as rochas, estava com dificuldades de manter-se acordada e a chamou:
– Eei, não durma ainda.
Lurani abriu os olhos e esfregou-os. Poucos segundos depois, levantou a cabeça rapidamente e olhou para uma parte do muro, atenta.
– Alguém está viindo. - anunciou.
– Ah, Meila deve’star chegando. - Gwenny levantou-se e tentou limpar a areia de sua calça - Vou falar com ela, fiquem comportadas aqui.
– Pare de falar como se fôssemos crianças. - Greneva reclamou.
Gwenny riu e subiu as escadas. Olhando ao longe, sua risada cessou e ela desceu novamente, perguntando:
– Ei, Lurani, uma pergunta rápida. Quão boa é su’audição? Ela está tão longe!
– É praa compensar a visãão. - respondeu.
Gwenny levantou uma sobrancelha, porém o galopar do cavalo já lhe era audível e ela subiu novamente e saiu de seus campos de visão.
Greneva pôde ouvir que conversavam, embora não conseguisse entender sobre o quê, mas imaginava que era uma explicação curta do que acontecera. Momentos depois, viu Gwenny segurando uma garrafa de água no arco da entrada para a costa. Quando ela desceu um degrau, pôde ver Meila atrás dela. Percebeu o olhar de Meila instantaneamente fixando-se em Lurani e seu braço agarrando um ombro de Gwenny, fazendo-a virar de costas para o oceano. Greneva conseguia ver partes do que Meila começava a escrever, mas calculava que era impossível para Lurani ler do ângulo em que estava.
“Gwenny, tome cuidado, não é uma sereia, é um monstro! Vamos chamar os nossos superiores imediatamente. Chame a Greneva, invente alguma desculpa, e vamos tentar sair de forma discreta.”
– Do que’cê tá falando? - Gwenny tentava falar baixo - Ela’stá bem bêbada, precisa d’ajuda. E é uma sereia, sim.
Meila hesitou por alguns momentos, mas continuou, “Gwenny, ela parece perigosa. E mesmo que não parecesse, ela não é humana e está perto do campo, precisamos reportá-la. Ela pode ter visto informações confidenciais.”
– Mei, vamos levá-la p’ros dormitórios primeiro. É perigoso ela ficar sozinh’aqui. E Al está preocupada com Ne, precisamos voltar com ela. Depois discutimos o que fazer.
“Mas…”, Meila começou a escrever, e então olhou entre Lurani e Gwenny algumas vezes. “É perigoso.”
– Hã… É mesmo?
Meila olhou para Lurani novamente. Seus olhos piscavam duros e seu corpo balançava na água. “Depois vamos reportá-la.”, escreveu. Ambas terminaram de descer as escadas.
– Ei, Lurani! - Gwenny chamou-a, fazendo Lurani levantar a cabeça assustada, impedida de cochilar - Ess’é a Meila. Meila Man—
Meila interrompeu-a puxando a manga de sua blusa. Greneva, então, interviu antes que Lurani pudesse responder:
– Qual é o plano?
– Ah, eu’tava pensando em carregar ela até lá no meu cavalo enquanto Mei us’alguma magia pra fazê’la ficar invisível.
– Não.
– … Não? Qual o problema, Ne?
– Tudo. Ela não vai conseguir respirar durante a viagem, o cavalo não é tão rápido… E depois vocês vão colocar ela em água doce? Ela provavelmente não consegue sobreviver.
Gwenny assentiu com a cabeça e, após pensar por alguns momentos, simplesmente virou-se para Meila.
“Talvez eu tenha uma ideia,”, ela escreveu “Mas provavelmente vai acabar com minhas reservas de magia pelo resto do dia”.
Uma das vantagens de ser de uma família famosa de magos naturais é que Meila podia responder que “está fazendo experimentos com diferentes tipos de água” quando ela volta aos dormitórios levitando uma quantidade considerável de água salgada ao lado de seu cavalo e os guardas simplesmente aceitariam. Deixando seu cavalo com Gwenny, que encarregou-se de retorná-lo para o estábulo, voltou seguida por Greneva para o quarto que ela e Gwenny compartilhavam. Ela teria que admitir que levitar água em que ela estava escondendo Lurani com magia não-natural, ao mesmo tempo que tentava não distrair-se com Greneva apoiando-se nela para evitar cambalear demais, além de tentar não chamar muita atenção enquanto isso, era mais difícil do que a maioria do treinamento que passava nesse campo.
Após Greneva conseguir abrir a porta do quarto, apressou-se para o banheiro, posicionando a banheira de de qualquer jeito sobre o chão e despejando a água — e Lurani — dentro dela da melhor forma que podia. Uma parte da água acabou caindo ao chão, molhando os sapatos que havia esquecido de tirar enquanto a forma da sereia repentinamente tornava-se visível novamente. Ajeitando-se para que suas guelras ficassem submergidas na banheira que claramente não havia sido feita para seres do seu tamanho, mais água acabou espalhando-se pelo chão e uma parte de sua cauda ficava exposta ao ar, em uma posição desconfortável.
Era um desastre e Meila sabia que, como uma Mannah, deveria ter feito um trabalho muito melhor. Ainda mais considerando que ela tinha a ajuda do Semaf. Suspirou, decepcionada, ao que sentia suas meias ficando desconfortavelmente úmidas. Ao que começava a sair do banheiro para tirar os sapatos, ouviu atrás de si:
– Eei, isso foi impressioonante!
Meila virou-se, apontando para si mesma com um tom inquisitivo, e percebeu que Lurani realmente estava falando com ela pela forma que os olhos da sereia brilhavam. A adição de Greneva, vinda novamente pelas suas costas, também pegou-a de surpresa:
– É, foi mesmo! Duas magias ao mesmo tempo? E com um bom controle de ambas, acho que Lurani não bateu a cabeça nenhuma vez no caminho.
Meila corava e fazia um gesto com as mãos na frente de si simbolizando “não é nada impressionante”, mas Greneva apenas continuou:
– E-eu acho que vou me arrependar disso, na verdade já consigo sentir a futura eu arrependida mas, urgh. Você… Me ensinaria? Magia de água, claro.
Meila parou os movimentos ao ouvir o pedido. Com um olhar de preocupação, escreveu apenas “Talvez.”
Ao que Meila finalmente conseguia dirigir-se à porta, Gwennylyna retornou.
– Uma casa humana éé… Bem menor do que eu imaginava! - Lurani comentou, virando-se na banheira pequena demais para ela e espalhando mais água pelo chão.
– Iss’é só um dormitório. - Gwenny explicou - Vocês duas, fiquem sentadas e bebam água. Avisem s’estiverem passando mal.
Gwenny e Meila ainda estavam secando o chão do banheiro quando ouviram alguém batendo na porta. Fazendo um sinal para que Lurani permanecesse em silêncio, Gwenny atendeu a porta, apenas abrindo-a parcialmente. Na sua frente, Alseri, que segurava uma mochila em suas mãos, perguntou-lhe:
– Oi, Gwenny. Ouvi uma comoção no andar de baixo, vocês encontraram a Greneva?
– Al-al! - disse - Sim. - continuou, cuidadosamente - Mas el’está dormindo agora, bebeu demais, não consegui carregar ela p’ro segundo andar.
– Bebeu demais. - repetiu e balançou a cabeça - Bem, era de se esperar, mas eu tenho algo urgente para falar com ela.
– É? Pode me falar e eu digo pr’ela quando ela acordar.
– Desculpe, eu não posse te dizer. É sobre uma amiga que ela tem, - Alseri levantou a mão que segurava a mochila - estava consertando a mochila dessa amiga, quando percebi que havia um diário co—
– Não leia! - Lurani gritou.
– Gwenny, quem está aí dentro?! - Alseri começou a empurrar a porta.
– E-ei, você vai acord—
– Gwenny, é a Alseri? - Greneva interrompeu - Deixa ela entrar, se não ela não vai calar a boca.
– M-Mas—
– Não seja tão desrespeitosa! - Alseri interrompeu Gwenny, que acabou por abrir a porta e deixando-a entrar.
Alseri rapidamente tirou os sapatos ao entrar e viu Greneva sentada-meio-deitada em uma cadeira, olhando-a com um olhar entediado. Levou as mãos à cintura, preparando-se para dar-lhe uma bronca quando viu pelo canto de seu olho Meila acenando. Sentindo-se envergonhada por ignorá-la, virou-se para responder o aceno quando percebeu que ela segurava um pano encharcado. Olhando para o chão, percebeu que o banheiro estava molhado. Meila começou a balançar os braços em frente de si, pedindo-a para não se aproximar, quando Alseri começou a andar em direção a ela. Seu passo acelerou quando ela viu a cauda exposta, Meila dando um passo para o lado para deixar-la passar, até que ela pôde ver Lurani por completo dentro da banheira. O rosto da sereia estava corado, e quando seus olhares se cruzaram a outra imediatamente desviou o olhar, ficando mais vermelha. Nenhuma das outras mulheres movia um único músculo. Alseri estava colocando um pé para trás e virando-se para a porta quando ouviu:
– V-vocêê… Não leeu, né? - Lurani escondeu o rosto sob suas garras.
Alseri então virou-se novamente e começou dar passos certeiros em direção à sereia. Quando estava a centímetros da banheira, estendeu o braço que segurava a mochila em sua direção.
– Tome, está consertado.
– Ah… Sério? - Lurani pegou a mochila e observou os reparos, um sorriso abrindo-se em sua face - Obrigaada! Muito obrigada! Hahahahah!
Quando a consciência de Alseri retornou, ela estava dentro da banheira, sobre Lurani, que segurava sua cabeça acima do nível da água, e suas roupas estavam encharcadas. Ao seu lado, Meila havia conseguido apenas colocar um pé na banheira.
– Ugh, Lurani! Sua idiota! Eu não te disse para não rir?! - Greneva reclamou.
– Desculpe, desculpe mesmo! - Lurani tentava ajudar as duas a saírem da banheira.
Alseri, espremendo suas mangas molhadas, apenas balançou a cabeça, pensando: “É claro que uma idiota como a Greneva só ia ter uma amiga idiota.”
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