– É incrível o quanto você melhorou em uma semana!
Lurani engolia por inteiro o peixe que Greneva havia preparado. Apesar dos elogios, Greneva não achava que Lurani diria se estivesse ruim; ela nem mesmo reclamava de comer o que deveria ser almoço como café-da-manhã.
– É fácil melhorar quando eu tenho ingredientes restritos.
– Desculpe.
– Ei, não precisa se desculpar, você não escolheu ser assim. E então, como está?
– Perfeito! - ela sorriu, entregando o prato vazio para a Greneva.
– Tinha muitos espinhos? - sorriu de volta.
– Hã… Eu não prestei atenção.
– Acho que vou ter que descobrir na hora então.
Greneva olhou para o prato, perdida em pensamentos. Ela mal conseguira manter Lurani um segredo por uma semana, e agora seu time inteiro a conhecia. Quando Alseri havia a visto, Greneva pensou que tudo estaria perdido e ambas iriam sofrer as consequências. No entanto, parecia que Alseri havia determinado que ela não era um problema… Pelo menos não por enquanto. E se Alseri pensava isso, Meila também deveria ter sentido-se mais confortável em deixar esse assunto de lado. Greneva também achava que o fato de Gwennylyna ter insistido em todas elas acompanharem-na de volta a sua casa, usando-se da magia de Meila, e elas terem visto sua caverna solitária e escura possa ter amolecido o coração das outras.
Ela perguntava-se se suas outras mentiras também estariam a cair por terra.
E se, talvez, só talvez, daria tudo certo também.
Seus pais eram as pessoas com quem mais havia sentido culpa por esconder a verdade, e vários possíveis cenários de como hoje poderia se desenrolar passavam por sua cabeça. Por mais que tentasse, em nenhum deles ela estaria feliz com a conclusão, mentindo ou não, sendo perdoada ou não.
– Alseri ainda está brava comigo? - a voz de Lurani interrompeu seus pensamentos.
– Alseri? - ah, sim, Lurani havia a hipnotizado e feito-a cair na água segundos após encontrá-la - Não, eu acho. E tudo bem se ela estiver, pensando agora aquilo foi hilário. - Greneva riu.
– Não ria! Eu só espero não ter deixado uma má impressão… - seus olhos perderam-se observando a própria reflexão.
– Por mais que eu mesma mal acredite nisso, parece que não foi nada demais. - deu de ombros - Ela também está focada em outros assuntos.
– Você nunca explicou o que está acontecendo por aí…
– Eu não posso dar detalhes. - começou, mas desistiu ao ver os olhos curiosos de Lurani - Mas já que os outros povos já sabem disso, então posso dizer basicamente que estamos com uns problemas com… algumas populações selvagens na floresta… Mas um vassalo do Reinha parece ter chegado há uns dias então a situação está mais tranquila.
– Quem é Reinha?
– Lembra que eu falei sobre um monstro pacífico que agora é líder? Esse é o nome dele.
– Hm… - ela olhou para o lado, tentando lembrar-se da história, mas logo voltou a olhar para Greneva - Então com o que ela está ocupada?
– Agora que o vassalo chegou, podemos nos focar em uma só missão. - ela falou após uma pausa, navegando em sua mente o que seria seguro contar - Isso significa, hã, trabalho mais extensivo do que intensivo, então quem é mais experiente está trabalhando de noite e de dia. Alseri foi convidada uns quatro dias atrás para acompanhar um outro grupo quando o nosso não tem missões, talvez Gwenny também seja convidada em breve.
– Parece chato. - Lurani espreguiçou-se.
– Elas parecem gostar de trabalho, principalmente Alseri, então acho que é bom para elas.
– É por causa disso que você tem chegado mais tarde?
– Sim, trabalho menos pesado, mas mais longo, não me impressionaria se eu já tivesse trabalhado até umas três da manhã. - ela bocejou, e começou a levantar-se - E, se eu for sincera, não acho que vamos conseguir o nosso objetivo, isso tira totalmente minha motivação.
– Tem como eu ajudar?
– Ah, não, nem se preocupe com isso. - dispensou-a com um gesto das mãos.
– Mas você tem me alimentado todos esses dias, preciso retribuir.
Greneva apenas balançou a cabeça, apesar da face amuada de Lurani.
– Eu preciso ir indo para dar tempo de cozinhar para os meus pais. Até mais, te vejo em breve!
– Espere! - Lurani exclamou alto o suficiente para fazer Greneva pular, e então mergulhou.
Greneva perguntava-se o que era tão importante que a faria gritar desse jeito. Quando ela reapareceu, Greneva percebeu que seu rosto estava corado, enfatizando uma urgência em suas ações. Lurani pôs o que parecia ser um caderno em cima das rochas, e falou:
– Eu, hã, terminei meu diário. Não tem mais onde escrever. Q-quer dizer, as folhas livres acabaram. Então… Eu gostaria que você comprasse outro para mim, se não for te dar trabalho? Eu não tenho dinheiro humano, afinal de contas.
– Diário? Eu posso ver, mas achar algum a prova d’água pode ser difícil.
Greneva já virava-se de costas para retornar quando foi interrompida novamente:
– Espere! A-além disso, eu não tenho mais uso para esse diário. Então, hã, você pode ficar com ele. E ler. Se você quiser. E se você tiver tempo! V-vocês parecem ocupados.
– Eu?! Eu não poderia invadir sua privacidade assim—
– Você não gosta do oceano? - interrompeu - É sua chance de saber de primeira mão como as coisas são! Não só o que humanos acham! E-eu insisto! - ela então empurrou o diário em direção a outra.
Greneva hesitou por alguns momentos, olhando entre o diário e Lurani. Com a mente dividida entre argumentar mais e voltar logo, convenceu-se de que seria mais rápido simplesmente aceitar por agora. Pegou o diário e disparou em direção à construção principal.
– Ooh, o qu’está cozinhando dessa vez?
Greneva estava começando a afogar-se em dúvidas e inseguranças, sentada em uma cadeira com sua cabeça entre mãos apoiadas na mesa, após colocar o peixe no forno quando ouviu Gwenny atrás de si.
– É cardam ao nham. - respondeu, levantando-se para olhar Gwenny e percebendo que Meila estava logo atrás, ambas com um olhar confuso - Ah, um prato de peixe com umas ervas. - explicou.
Greneva às vezes esquecia que elas não eram da região.
“Parece arriscado,” Meila escreveu, “mas boa sorte.” ela fez menção de continuar andando, mas Gwenny permaneceu parada e perguntou:
– P’ra Lurani?
– Não, meus pais vêm hoje. - os olhos de Greneva acenderam-se a perceber a oportunidade diante de si - Falando nisso, você não tem vários irmãos, Gwenny? Deve saber uma coisa ou outra de como recebê-los, estou começando a perceber que talvez precise de dicas…
– Hã… - ela deu um passo para trás - Eles não tem co’me visitar, só me comunico pelo Gerson com eles faz um tempo.
– Gerson? Ah, seu pombo correio. - ela sorriu, palavras jorrando de sua boca antes que pudesse pensar nelas - Ele é útil e adorável, mas você deve sentir falta da sua família, não? Ainda mais porque você entrou aqui só para sustentar eles… A vida é injusta com você, não?
– Eu…
Meila riu enquanto escrevia “Gwenny me disse que Geoff falou a mesma coisa quando enviou sua primeira carta. Vocês são mesmo gêmeos.”
– Sério? Espera, uma carta? Usando o Gerson? Para quem?
– Eu não sei. - Gwenny disse, cruzando os braços - Ele nunca te contou? Ele usava bastant’o Gerson.
Greneva lembrava-se de vários amigos de infância que haviam se mudado para outros reinos, mas não achava que nenhum deles era particularmente próximo o suficiente para trocar mensagens frequentes com seu irmão. Ela já havia o visto escrevendo, e ele admitira que queria reatar laços com alguns colegas, mas nesses casos ele usava o correio normal.
Ele estava escondendo algo.
– Você deve saber para onde, certo?
– Não sei s’eu devia falar…
– Gwenny, ele está sumido sem dar notícias há meses! - Greneva suplicou.
Gwenny olhou por um momento para Meila, a qual escreveu “Eu entendo a preocupação dela.”
– Er’um reino não muito longe daqui. Peata.
Peata? Greneva lembrava-se de Geoff mencionando um amigo por correspondência da região uma ou duas vezes, sem dar muita atenção ou detalhes. Ela não imaginava que eles se aproximariam tanto.
– A gente precisa ir… Treinar. Bom almoço!
Gwenny e Meila despediram-se e partiram em um passo apertado. Antes que Greneva pudesse começar a mergulhar-se em questões sobre o paradeiro de seu irmão, o cheiro de sua comida chegou às suas narinas, fazendo-a concentrar-se no agora.
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