Seu irmão mais novo jogando uma boa parte de sua comida no chão fez Greneva se questionar se ela realmente deveria ter se esforçado tanto.
– Neva, por que você não está com o uniforme? Te ver com ele me encheria de orgulho! - seu pai, Parlo, questionou, e então gesticulou em direção a garota sentada ao seu lado - E eu também quero começar a incentivar sua irmã!
– Eu quero matar uns monstros maus! - a menina fez caretas enquanto imitava chifres com seus indicadores, rindo bem-humorada.
Greneva levemente riu. Sua mãe, Joana, franziu os cenhos, cutucando seu marido com um cotovelo. Tornando-se para Greneva, pôs uma mão sobre o ombro de sua filha e falou, olhando diretamente em seus olhos:
– Neva. Nós soubemos do que aconteceu. Estamos felizes em ver que você está bem, até mesmo fez um almoço para a gente. Continue tendo cuidado.
– Sim. - seu pai complementou, deixando seu prato de lado - Se você precisar de qualquer apoio ou coisa, pode nos visitar, enviar uma carta ou algo assim. Nós esperamos e avisamos antes de vir para te dar espaço, mas você sempre é bem-vinda.
Helan… Parecia que muito tempo havia passado desde seu falecimento, e os eventos da última semana a haviam distraído do assunto. Porém, ao ver a expressão de seus pais, sentiu seu coração apertar-se e as memórias, o cheiro daquele dia, a fazerem querer vomitar.
– Eu sinto que foi minha culpa. - proferiu abruptamente.
– Você mal entrou para o colégio, Neva, e só teve algumas aulas de lança quando era jovem. - Joana tentou a consolar.
Greneva balançou a cabeça, desviando o olhar.
– Por quê? - seu pai perguntou.
Sua mãe sempre tentava interpretar as entrelinhas, porém seu pai perguntava as questões, por mais básicas ou óbvias que as respostas fossem. Normalmente sua mãe teria que puxar-lhe a orelha, avisando que eram perguntas indevidas, ou isso o faria incrível em cuidar de crianças, sem senso comum, mas agora mesmo era algo que Greneva temia. Considerou suas opções. Mentira ou verdade. Cruzou os braços e respondeu:
– Nosso grupo era de 6 pessoas… Um deles… Me tocou indevidamente e eu denunciei. Ele foi expulso imediatamente. – forçou-se a falar – Mas ele lutava bem. Talvez ele pudesse ter impedido que Helan… - ela parou, sentindo que uma única palavra a mais faria lágrimas transbordarem.
– Você não fez nada de errado. Você foi corajosa em denunciar. - seu pai disse-lhe.
– Você pode ter impedido outra pessoa de ser machucada. - sua mãe complementou.
Greneva deu-lhes um sorriso fraco, o qual eles retornaram. Sua mãe começou a embalar seu irmão, enquanto seu pai retornou a comer o peixe:
– “Cardam” estaria orgulhoso de você.
Uma risada escapou dos lábios de Greneva. “Cardam” é conhecido por ser um peixe facilmente iludido com iscas e fácil de capturar, então obviamente ela apelidou seu irmão de “cardam” quando ele começou a se apaixonar por uma pessoa por semana no início de sua adolescência.
– Falando nisso, vocês sabem com quem ele estava falando por cartas? - inquiriu.
– Cartas? Ele estava falando com alguém por cartas? - sua mãe perguntou.
– Hã… - Greneva tentou recordar-se se ele havia pedido que ela guardasse segredo sobre o assunto - Sim… Aparentemente alguém de Peata.
– Peata? - sua mãe ponderou, levando uma mão ao rosto - Não consigo pensar em ninguém. - ela olhou para Parlo, mas ele apenas balançou a cabeça – Por que, você recebeu uma carta? Ele está lá?
– Eu não sei.
– Ai, Greneva… - Joana suspirou - Vocês dois só me dão dor de cabeça. Você se metendo em encrenca, enquanto seu irmão decide aparecer com ideias doidas!
– Ele volta em breve e explica tudo. - Parlo tentou tranquiliza-la - Ele disse que voltava em, no máximo, um ano, não se preocupe.
– Ele simplesmente disse que tinha “assuntos para resolver” e sumiu! Sem dizer para onde! Como é para eu não ficar preocupada?
– Querida, é o Gê. Ele é responsável. Agora se tivesse sido a Neva falando isso…
– Ei! Desnecessário! O problema é a falta de informação, não de quem, certo? - tentou confirmar sua teoria com sua mãe, porém decepcionou-se com sua recusa em respondê-la.
– Neva, vamos falar do que é realmente importante agora. Você está gostando do colégio? – sua mãe a perguntou.
– Um pouco, eu acho. - deu de ombros.
– Você não precisa ficar no colégio. Eu sei que seu irmão pediu para você ficar no lugar dele, mas você tem que fazer o que realmente quer.
Sair do colégio?
Greneva não tinha pensado sobre essa opção. Ela sabia que ficaria no colégio até seu irmão voltar, e então… Ela não havia realmente pensado no “e então”. Ela nunca havia considerado o “depois”, mesmo antes de tudo ter acontecido ela apenas saía com seus amigos e lia sobre o oceano por diversão às vezes. O que ela realmente queria? Pôs-se a pensar. O mais importante agora era que a crise dos conens passasse. Ela queria ajudar a resolver isso, mesmo que isso fosse apenas seu sentimento de culpa falando por ela.
– Não, eu acho que vou ficar. - respondeu, ainda pensativa.
– Você quer seguir uma carreira militar então? - seu pai sorriu para ela.
– E-eu…
Uma carreira militar? Ela queria resolver o problema dos conens, sim, mas ela queria realmente um futuro defendendo um reino? Patrulhando uma muralha obsoleta, agora que o continente estava em paz, sem um real objetivo novamente? Ou pior, teria ela que pegar em armas contra pessoas como Lurani, ver Alseri cair ao seu lado, se tudo desse errado? Estar na linha de frente quando a violência retornar? Mais sangue?
– Neva. - sua mãe interviu, o gentil toque de sua mão sobre o ombro de Greneva trazendo sua filha de volta à realidade - Você não precisa pensar nisso por enquanto.
– Ah. - seu cérebro começou a registrar a dor em sua mão, que estava segurando apertadamente o banco em que sentavam - Sim. Ok. - relaxou-se.
Espera, “pessoas como Lurani”? Bem, ela era meio-sereia, mas monstros não eram “pessoas.” Ela não teve muito tempo para ponderar porque ela havia pensado daquela maneira quando ouviu:
– É ótimo te visitar, mas está ficando tarde e você sabe que o Nel precisa dormir cedo para crescer. - sua mãe levantou-se, acariciando o cabelo curto da criança já adormecida.
– Eu acompanho vocês. - Greneva levantou-se após seu pai e sua irmã.
– Tem certeza? - ele perguntou - É uma boa caminhada.
– Sim, eu preciso me exercitar mesmo. - sorriu.
No caminho, atravessaram a praça onde a cidade era mais vívida. Ao que se afastavam do centro, passavam por algumas estátuas e um museu que pareciam ter sido abandonados, em contraste com casas bem-cuidadas. Sua irmã, Gema, eventualmente insistiu em voltar de mãos dadas com Greneva ao que aproximavam-se de seu destino. A vista de uma casa mais afastada, com uma extensão ao ar livre com uma forja e outros objetos dos quais Greneva lembrava-se apenas vagamente de seus nomes, encheu-a de nostalgia.
– Obrigada por vir até aqui, querida. - sua mãe beijou-lhe a testa, seguida por seu pai.
Greneva apenas viu as costas de sua família afastando-se dela. Eles viraram-se e gesticularam um “tchau” com as mãos. Ao que a porta começou a abrir-se, Greneva pediu:
– Esperem.
Eles tornaram a olha-la. Ao perceber o vermelho subindo ao seu rosto e as mãos trêmulas, sua mãe entregou seu irmão à Gema enquanto seu pai gesticulava pedindo-lhe para que entrasse na casa e esperasse.
– É tudo bem simplesmente querer uma vida simples? - a pergunta jorrou de seus lábios.
– Sim, - respondeu sua mãe, aproximando-se junto com seu pai - sim, você pode voltar quando quiser.
– Não, não é isso! - retrucou - Eu quero dizer, quando o problema dos conens acabarem e tudo estiver em paz, eu posso mesmo?
– Por que não poderia? - seu pai perguntou-lhe.
– Porque… - ela suspirou, hesitante - Eu não tenho sido sincera. Eu preciso contar algo para vocês.
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