– Então, tipo, a gente luta pelo reino, mas tem que comprar as nossas próprias melhorias se quisermos armas decentes? Hmm não me parece certo.
Melhorar seus relacionamentos, se focar no básico, e trabalhar a partir daí, esse era seu novo objetivo. E qual a melhor forma de se aproximar das pessoas se não reclamar? Esse era seu pensamento ao que andavam em uma das vias semi-desertas que ligava o campo de treinamento à praça principal da cidade. Entretanto, o olhar de desaprovação de Alseri começava a convencer-lhe do contrário.
– Especialmente em público, não fale mal do reino. - Alseri disse brevemente.
– Mas ela’stá certa. - Gwenny acrescentou, falando baixo.
“Sim. Nem todo mundo pode comprar o próprio equipamento e isso afeta o desempenho. É injusto.”, Meila opinou, em letras pequenas.
– Ei, não tem ninguém aqui, por que toda a preocupação? E letras pequenas não vão esconder nada! - Greneva replicou.
– Exatamente! - Alseri começou a justificar - Não tem ninguém aqui. É uma cidade pequena, nós nos viramos como podemos. Nunca precisamos nos preocupar com muitos ataques, afinal de contas.
A ideia de a cidade ser privilegiada por não estar propensa a ataques havia sido repetida diversas vezes para Greneva, de conversas casuais com outros cidadãos até aulas sobre políticas e estratégias no colégio.
Embora vaga, uma das primeiras memórias que ela tinha desse tipo de conversa era de quando ela tinha por volta de uns quatros anos, enquanto seus pais conversavam com algum viajante. Ela lembrava-se dele comentando o quanto a cidade era pacífica sem a presença de uma torre e como eles eram sortudos.
Para Greneva, enquanto criança, essa sorte era apenas um grande tédio. Ela sempre havia se interessado em ver uma torre, tão alta que ela teria que curvar-se para cima para conseguir observá-la por completo, tão imponente que sua presença, mesmo se apenas um objeto distante no horizonte, seria o suficiente para que a população estivesse sempre em alerta e procurassem melhorar a cidade mais e mais. Entretanto ela nunca teve a oportunidade de sentir uma emoção tão genuína e pura, a qual era o motivo de medo, mas também um grande motivador, de diversos viajantes de férias que visitavam seus pais quando eles haviam encomendado algum equipamento. E ela não mais teria, pois poucos anos depois o novo líder dos monstros havia tomado o poder e todas as torres, exceto pela principal de onde o líder pode controlar as demais, tinham sido desfeitas em um movimento de paz.
Agora, olhando bem… Nada realmente havia mudado.
Antigamente, pessoas tentavam mudar-se para a cidade quando estavam cansadas de viver aterrorizadas e procuravam paz, ou simplesmente passavam algum tempo de férias por lá. Porém, quem nasce em cidade grande não se acostuma com cidade pequena; logo voltavam para as cidades assombradas pelas torres, buscando um sentimento de ser parte de algo maior, um movimento realmente importante para a humanidade em sua luta.
Greneva perguntava-se o que essas pessoas estariam fazendo agora.
Espera, se há paz nas outras cidades isso não significa que o valor de Agnao como um último bastião de paz e tranquilidade para férias diminuiu ainda mais com a nova liderança dos monstros? Quanto mais ela pensa no assunto, mais inútil qualquer atividade diante da grande monotonia em que a cidade parecia destinada a sempre estar, como se ela existisse fora ciclo em que o resto do mundo gira.
– Parece que demos sorte! - Gwenny sorriu e deu um tapinha nas costas de Meila e Greneva.
A praça principal entrou em suas visões. Ela estava mais vibrante do que o normal, o tagarelar confuso da feira conseguido ser ouvido até da distância em que o grupo estava, e conseguiam reconhecer algumas barracas itinerantes. Aproximando-se mais, sentiam o cheiro de alimentos frescos e quentes começando a alcançá-las.
“Então seis meses é o suficiente para deixarem de esconder as verdadeiras intenções?” Meila escreveu distraidamente.
Alseri passou a olhar para as construções ao seu lado, enquanto Greneva cruzava os braços e Gwenny colocava uma mão em sua própria nuca, um sorriso envergonhado em seu rosto.
Não era a primeira vez que viajantes e comerciantes haviam visto uma oportunidade para vendas durante a crise. Entretanto, por causa das mortes na mina, eles estavam receosos de se mostrarem no início e apenas chegavam esporadicamente até o momento.
“Desculpe!”, Meila escreveu rapidamente ao perceber o silêncio constrangedor e olhar para os lados, “Eu não”, “É que”, “Eu quis dizer” formavam-se e reformavam-se em frente a elas até que a magia começava a desfazer-se e a linha tornava-se ilegível. Meila buscou o olhar de Alseri, a qual respondeu-lhe assentindo brevemente com sua cabeça. “Apesar disso, é bom ver a cidade viva,” escreveu por fim.
– Tudo bem. Eu entendo o que você quer dizer… - Greneva disse.
Os toldos das barracas balançavam ao vento, uma multidão bloqueando uma considerável parte da vista dos produtos das novas lojas. Vendedores exclamavam seus produtos e preços, entretanto à distância em que estavam os sons juntavam-se em uma só cacofonia. Procurando por um guia, seus olhos passavam por letreiros e espiavam frestas na multidão.
– Vamos à loja dos Scortera primeiro, já que tem contrato com a academia. - Alseri argumentou e as demais assentiram.
– Bom dia! O desconto especial de ho— ah, é a filha dos Scortera. - o tom amigável do homem que as recebia na entrada rapidamente tornou-se amargo ao vê-la.
– Ah, é o Ricardo aqui hoje. - Greneva disse e revirou os olhos.
– Urgh. Então, jovens guerreiras, hoje nosso item especial é essa bandana… - ele levantou uma bandana vermelha com uma pedra amarela - com uma pedra fixada.
– Oh! Pedra fixada! - Gwenny interviu - Eu quero olhar! - e logo apressou-se para a frente do homem.
“Pedra fixada,” Greneva pensava. Seus pais eram especializados em fazer armaduras e armas; o básico, e tudo, que Agnao precisava na época em que começaram a trabalhar. Armaduras têm valor por si só, servindo como uma forma física de proteção, assim como armas conseguem fisicamente ser usadas para atacar. Portanto, as suas habilidades de ferreiros eram focadas em fazer objetos melhor construídos fisicamente. Eles haviam aprendido apenas o básico de magia de transferência de atributos mágicos. Alguns objetos naturalmente mágicos, em particular pedras, podem melhorar quem os carrega de diferentes formas e ferreiros, costureiros ou outros profissionais que fazem acessórios para aventureiros ou militares especializam-se em magia de transferência para mover tais “atributos” de pedras para acessórios, que são mais facilmente usados e mais dificilmente perdidos.
Alternativamente, eles podem simplesmente colocar uma pedra em um objeto e fixá-la; uma magia menos complicada do que transferência, por vezes sequer necessitavam de mágica. Muito comum em acessórios fracos e baratos, mas também quando a pedra é rara ou frágil para arriscar manipulações.
Quando percebeu, Gwenny já havia colocado a bandana em sua cabeça e virou-se para o grupo. A bandana vermelha com a pedra discreta segurava pouco de seu cabelo encaracolado já curto. O acessório enfeitava-o e definia seu rosto.
“Ficou muito bom!”, Meila escreveu sorrindo antes que os olhares fixos de suas colegas começassem a incomodar Gwenny.
Alseri brevemente concordou ao que Greneva disse em um impulso:
– Sim, combinou com você, principalmente seu cabelo!
Escapou de sua boca antes que ela percebesse. Quando suas próprias palavras terminaram de ser processadas, Greneva resistiu ao impulso de levar uma mão à boca, entretanto não deixou de sentir sua pele esquentando levemente.
– Vocês acham? S’é assim vou levar, senhor Ricardo! Cara, ainda bem qu’a gente tem refeitório gratuito… - admitiu, conferindo seus troco.
Greneva se sentiu relaxar com essa resposta. Elas voltaram a caminhar pelas barracas da loja principais enquanto continuavam a conversa.
“Você já caiu fora das compras então?”
– É… Sim. - Gwenny confessou, rindo.
“Tudo bem! Você pode me ajudar a escolher ainda.”, e sinalizou com um dedão positivo.
– Nananão, Mei-mei. Você tem que escolher você mesma. - respondeu.
O sinal rapidamente desfez-se em uma mão aberta sobre o próprio peito e um pequeno “urgh” escapou de seus lábios.
– Você também, Ne. - Alseri começou antes que ela sequer pensasse em rir - Não pode ficar dependendo do que seus pais acham que é o melhor. Essa é a oportunidade ideal para treinar seu olho.
– É uma situação diferente, eles são especialistas! - soou ofendida - Mesmo se eu quisesse treinar não é como se tivesse nada muito melhor. Ei, vou até provar isso agora. - ela andou até Ricardo, que segurava a bandana, apanhou sua lança e estendeu-a em direção a Ricardo - Tem algo melhor do que isso por aqui?
– Isso de novo? - suspirou - Se você tem tempo sobrando, por que não faz propaganda da loja? Todos estão tão focados nos viajantes que ninguém vêm, e eu não posso deixar a loja sozinha, anuncie nossos descontos ou algo assim. Agora, - sua voz tornou-se animada novamente ao que virou-se para as outras - se as jovens estiverem interessadas nós também temos—
– Ei, só me responda. - deu mais um passo em direção a Ricardo e balançou a lança em ênfase.
– Ne— Greneva, tudo bem, já entendi. - Alseri, rosto avermelhando-se, tentou interrompê-la.
Pensando em livrar-se logo desse empecilho, Ricardo apenas fez um sinal para que Alseri esperasse. Levantou seus óculos e brevemente olhou por debaixo dele para a lança. Então, arrumando os óculos de volta à posição original, analisou Greneva.
– Para você, ainda não. E, de novo, se tivesse eles já teriam te dado. - empurrou a lança para o fora de seu caminho, passando por Greneva e aproximando-se do resto de seu grupo, sorriso amigável formando-se em seu rosto enquanto ajustava sua postura - Mas para jovens guerrei—
– Viu, totalmente diferente, Al! – Greneva reclamou, guardando seu partisan.
– … Jovens guerreiras como vocês estamos com descontos em uma seleção de armaduras e escudos. - completou, após respirar fundo.
– Ei, isso é só o normal, minhas amigas não merecem desconto especial, não?
– Conhecendo você, você ia fazer amizade com metade da cidade em troca de alguma coisa idiota qualquer para se aproveitar disso.
– Você dava desconto quando era o Geoff!
– Ele pagou pela lança que os pais deram em um ano de serviço! - finalmente virou-se para Greneva - Além disso sempre lutava contra descontos para amigos porque achava esse privilégio errado. Eu não sei como vocês são gêmeos.
– Você ainda me vê como criança, hã?
Ele trocou apenas um olhar fuzilante com Greneva antes de virar-se novamente para suas clientes com um sorriso no rosto. Alseri, já acostumada com tais trocas de palavras mesmo antes de Greneva entrar para a academia, embora não menos envergonhada por elas, esperava pacientemente para comunicar-lhe:
– Eu estou precisando de uma armadura nova.
“E… Eu também”, Meila escreveu incerta, sentindo-se atordoada.
– Rea me dá uns descontos…
Greneva foi ignorada enquanto Ricardo as levava para a seção de armaduras da loja. Contrariada, seguiu-as. Passando em frente aos escudos, Gwenny parou para observá-los e Greneva parou também, recordando-se de sua infância e como havia doído ter um desses derrubado em seu pé.
Sim, não havia sido a primeira vez que ela havia corrido na loja e batido nas paredes quando suas ações causaram a queda do escudo, mas Ricardo deveria ter conseguido parar uma simples criança. Pelo menos era o que ela pensava, e após o acidente e quase uma hora de choro descontrolado por sua parte ela parecia ter convencido-o de seu ponto de vista. Ela então aproveitou-se do seu sentimento de culpa e vontade de se redimir para ser mimada… Até que tempo o suficiente passara para que ele percebesse que ela estava se usando da situação e começasse a tratá-la como a trata hoje. Demorou alguns anos.
Em sua defesa, Greneva sabia que podia ser controlada. Sua tia, também vendedora na loja, Rea, a mimava, mas também tinha uma força em sua voz que a fazia parar imediatamente o que quer que estivesse fazendo de errado — e ela sabia exatamente o que estava fazendo de errado. Espera, isso não exatamente a defende…
Sendo mais justa em sua comparação… Sua tia ocasionalmente ajudava a cuidar dela e de seu irmão desde sempre. Greneva desconhecia os detalhes, entretanto sabia que em uma certa época eles começaram a deixar ela e Geoff na loja mesmo quando era Ricardo quem estava lá. Provavelmente foi na época em que seu avô adoeceu e eventualmente faleceu e seus pais não tinham quem pudesse cuidar deles enquanto resolviam assuntos legais complexos. É provável que Ricardo nunca tenha pedido para cuidar de crianças em seu emprego, especialmente quando uma delas era uma peste.
– Então vai ser uma bandana de Yil para Gwenny, uma armadura HW 5 para Alseri Pean e botas MW 3 para Meila Mannah apenas? - Ricardo confirmou.
– Talvez elas comprassem mais com desconto… - Greneva tentou.
“Não se preocupe conosco, Ne.” Meila escreveu.
Ver que Meila pensava tão bem dela enquanto ela apenas estava tentando irritá-lo fez Greneva sentir-se culpada.
– Se vocês querem saber informações privilegiadas… - ele começou a revelar, um pouco hesitante, ao que andava para trás do balcão e abria uma gaveta- Então eu altamente recomendo comprar as pedras elementais - pôs uma a uma pedras de diferentes cores em cima da superfície.
– Por quê? - Gwenny perguntou.
Ele não respondeu, apenas sorriu e olhou para Greneva, esperando-a. Sentindo-se desafiada, pôs-se a pensar.
Comments (0)
See all