Greneva tentou olhar por cima, levantando um caderno ou outro, sem padrão. Desistindo, porém ainda com receio de parecer suspeita, perguntou cuidadosamente:
– Você teria cadernos… Resistentes à água?
– Ah, aqui temos uma escritora nata, não?! - o sorriso da vendedora abriu-se ainda mais - Os momentos em que mais se têm inspiração é obviamente quando estamos na banheira. Você entende! Nunca mais perca uma ideia com a nossa linha de produtos resistentes! Você poderia escrever até mesmo debaixo d’água se quisesse! - ela apontou para três colunas de cadernos.
– Ahn… Sim, sim, obrigada.
Embora Greneva tenha escapado do julgamento da vendedora, ela percebeu que suas amigas pararam de olhar para os diversos itens e agora observavam-na. Elas acompanhavam-na com os olhos enquanto olhava pelas opções limitadas, ao que ela levantava opção por opção procurando por outros modelos. O que Lurani gostaria? E por que ela estava tão incomodada de suas amigas estarem acompanhando seu presente— não, o favor que ela estava fazendo pela sereia?
O grupo estava tão focado nos cadernos que não percebiam que, quanto mais para baixo da pilha procuravam, mais o sorriso da vendedora começava a desaparecer.
– Não—
A vendedora tentou impedi-la, mas Greneva, recusando-se a olhar nos olhos de suas companheiras, continuou movendo o caderno, revelando a estampa do caderno seguinte.
A figura central parecia um dragão de chifres com presas afiadas a mostra, num sorriso, entretanto estilizado com bochechas vermelhas e corações desenhados em volta. Uma de suas garras dianteiras aparentavam fazer um símbolo de paz, logo abaixo a frase “Monstros Meigos” escrita com letras bem arredondadas caprichada, entretanto os “M”s estavam desenhados como que uma garra, enquanto o traço do “t” eram chifres.
Os olhares das quatro caíram pesadamente sobre a vendedora, que começou a explicar:
– Isso é… Bem… - começava a dar um passo para trás, no entanto parou-se e continuou, voz séria - Com a paz, está na moda em outros reinos coisas com monstros fofinhos; essa é a nossa linha especial, “Monstros Meigos”. Eu entendo a situação atual desse reino, e que tais artes são indevidas, por isso tentei escondê-las.
Alguns segundos de silêncio passaram em que o grupo ponderava uma resposta. Greneva pegou o caderno em mãos e analisou-o com mais detalhes.
– Eu ia totalmente pedir um desconto, mas isso parece ser exatamente o que eu procuro.
Greneva olhou por mais alguns livros da coleção até achar um quase perfeito. Uma naga, também estilizada, com sua mandíbula deslocada, sorrindo, fazendo um formato impossível de coração com sua cauda ao que ela abraça a si mesma com suas garras. Escamas, presas, mandíbula móvel, meiga e, o mais importante, a marca não estava escrita em letras grandes nesse caderno, portanto Lurani não acharia que ela estava chamando-a de monstra.
– Esses todos são à prova d’água? - Greneva confirmou, organizando de volta os demais cadernos e checando o caderno de naga.
– … Sim. - a vendedora hesitou em responder.
– Vou querer levar. Quanto é?
– Hã… - ela olhou entre o caderno e a guerreira algumas vezes, então deu de ombros - 30 pratas.
– Divide comigo. - Gwenny pediu, procurando pelas moedas que restavam-lhe.
– Hã?! Eu não posso aceitar is—
Greneva havia começado, porém parou ao ouvir o barulho de moedas mexendo e percebeu que Meila também estava separando dinheiro. Antes que pudesse intervir, ouviu um suspiro de Alseri ao que ela também começava a contar suas moedas:
– Acho que eu também vou dividir.
Antes que Greneva conseguisse pensar em como recusar, as três já haviam estendido suas mãos para a vendedora, a qual já coletava as pratas. Ainda inquieta, restou-lhe apenas separar suas próprias moedas enquanto resmungava “por quê? Eu não entendo…”
– Muito obrigada! - a vendedora agradeceu após coletar as moedas de Greneva - Voltem sempre! - sorriu, então velozmente voltou a tentar atrair outros para sua barraca.
Enquanto continuavam seguindo o caminho, Greneva percebeu algo importante.
– Al, - ela começou, apelido e tom já fazendo Alseri levantar sua guarda - por que você ajudou a comprar? - diminuiu o volume em sua voz, sorrindo - Pensei que você estivesse apenas monitorando-a?
– E-eu… - olhou para o lado, então admitiu - O que você esperava? Olhando a situação… Eu não sou um mons— Ahn, uma pessoa má.
Greneva parou de andar por alguns segundos, encarando Alseri, entretanto logo retornou a acompanhar as demais, passos irregulares fechando a distância criada. Ela não esperava uma resposta sincera. A situação de Lurani… Talvez tenha sido porque Lurani constantemente dizia-lhe para ela não se preocupar, ou porque ela recebeu os detalhes aos poucos, mas ela não havia se chocado como suas amigas. Uma parte de sua mente dizia-lhe que era por causa de seu egoísmo…
Egoísmo… Espere, o diário. Recordações de conversas cortadas e as cicatrizes de Lurani pipocaram em sua mente. Uma epifania. Talvez aquela era a forma da outra dizer-lhe sobre si indiretamente? Greneva precisava lê-lo em breve.
O cheiro forte de pães e doces retornou seus pensamentos ao presente. Virando-se com um sorriso para a fonte, marrom e bege dominaram sua visão. Por trás da barraca, faixas brancas familiares chamaram-lhe a atenção, cobertas por um vestido azul, sua visão subindo até que seu olhar cruzou-se com o da dona da loja: Berta.
Ligeiramente, Greneva desviou o olhar, sorriso sumindo e vergonha tingindo sua face de vermelho. Seu passo acelerou, esperando guiar seu grupo para longe da loja, porém percebeu de canto de olho que Gwenny aproximava-se da barraca. Greneva seguiu-a, mantendo uma distância e olhando para o chão.
– Gwennylyna, - a voz rouca de Berta chamou - bom te ver! E você trouxe amigas. - ela olhou sorrindo para Meila e Alseri - Eu tenho uma nova receita, estava esperando que você pudesse me dizer se gostou. Sintam-se à vontade para provar.
Berta pegou um pão com uma cobertura vermelha e cortou-o em quatro partes iguais. Colocou cada um em um pedaço de papel e entregou-os na mão de Gwenny, Alseri e Meila. Repousou um último pedaço em cima da barraca e olhou, expectante, para as três. Meila observou o pedaço sozinho, observando então Berta por alguns segundos e virando-se para Greneva com um olhar inquisitivo. Greneva discretamente balançou uma mão, apenas. Meila virou-se para Alseri e Gwenny, procurando por respostas, mas ambas já estavam focadas em comer o doce.
– Hm! É bom! - os olhos de Gwenny brilhavam - Desculpe, Bê, mas eu já gastei tudo q’eu podia hoje! - deu um sorriso apologético.
– Não peça desculpas. Eu queria opiniões apenas.
– Está muito bom, senhora. Obrigada. - Alseri disse.
– Espero ser o suficiente para eu conseguir me destacar no meio de todas essas novas barracas. - ela olhou em volta, olhar preocupado - Faz uns dias que eu só recebo meus fregueses regulares…
– Com esse doce? Tranquilo!
Meila sorria, porém olhava de relance para Greneva.
Greneva aproximou-se mais da barraca e cautelosamente pegou o doce. Ela sabia que nem todos seriam como Gwenny. Apesar de saber que merecia, o tratamento ainda doía. Especialmente quando esse pão era tão bom. Meila não sabia sobre seu histórico, e, apesar de sentir que deveria pelo menos mencionar algo, não sabia como começar a contar tal história. Afinal, essa era uma mancha que nunca seria esquecida por ninguém da cidade. “Ei, Meila, eu era uma merda no passado e agora estou tentando ser menos merda, então não se preocupe se algumas pessoas parecem me odiar: é só que elas me odeiam.”
Berta, conhecida mais como “velha Berta”. Uma moradora de rua desde que seus pais, talvez até mesmo seus avós, eram crianças. Ela afirmava que as faixas eram para cobrir um acidente de quando era jovem que deixou-a desfigurada, pois não queria assustar as crianças.
Em todas essas décadas, Berta parecia estar na mesma situação. Recentemente ela abrira sua venda, mesmo que nada tivesse, essencialmente, mudado em Agnao.
Com o gosto doce permanecendo em sua língua, Greneva perguntava-se o que poderia ter mudado para Berta.
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