– Hã… Posições J48 e G52? - Greneva tentava recordar-se, dobrando suas pernas ao ver que a brasa da fogueira começava a aquecer demasiadamente seus pés.
– Sim, e? - Alseri encorajava, olhando um mapa e escrevendo os resultados em um papel a parte.
“J60, K35, K40, N34.” Meila escreveu com fogo, sorriso confiante.
– Perfeito. Agora, onde estão as novas tocas? E, Gwenny, você precisa participar mais ou vai ter que entrar para o reforço.
– O quê?! Iss’é injusto, com’eu vou lembrar disso! Só pegamos o mapa hoje de tarde! Impossível! - Gwenny reclamou, levantando as mãos em desistência, até que um brilho surgiu em seus olhos - Qual a próxima categoria?
– Essa é a última. - Alseri afirmou, após conferir novamente o formulário.
Seu grupo estava envolvido em mais uma missão noturna na floresta. Seguir os mesmos objetivos dos dias anteriores, assim como o fato de Alseri e Gwenny agora estarem também participando das missões diurnas, fazia com que o sentimento de perigo tivesse se esvaído após semanas sem acidentes durante essas patrulhas. Similarmente, os líderes aparentavam não estar preocupados e um teste de memória havia sido passado.
– Argh! Mei-mei, voc’é a melhor, mas ficou respondendo as fáceis! Olha minha situação agora!
“Desculpe”, Meila escreveu.
– Ei, não peça desculpas! - Greneva interferiu - Ela esperou para falar até o final!
– Ah, você’sta certa, Ne… Ahn… J23?
– … J24… Mas eu acho que posso considerar certo.
– Al! - Gwenny moveu-se para abraçá-la, entretanto Alseri parou-a, escondendo o mapa de sua linha de visão.
– O que derreteu seu coração gélido? - Greneva soava surpreendida.
– Eu não— - ela começou, e então desistiu da discussão, admitindo simplesmente: - Ela ainda precisa acertar mais 3.
– É?! Impossível! Hã, hã, K35?
– Não, Meila acabou de falar isso.
– Uhn… P42?
– Essa nem é nossa área.
– Hã… Então—
CRACK! O claro barulho de um galho quebrando-se levou-as a levantarem-se instantaneamente, posicionando-se como treinado: Gwenny prontificando-se na dianteira e Meila na traseira, pedras em seu cajado emitindo uma luz fraca.
– Esperem! - uma voz clara masculina pediu - Não ataquem! Eu estou com o rei! Enviado por Reinha.
– Isso não significa nada. - Alseri anunciou, tanto para as outras como para a criatura - Apresente-se.
Meila iluminou a direção de onde a voz vinha. Alguns passos foram ouvidos, até que a figura surgiu, braços levantados em postura de boa fé. O monstro era um felino que aparentava uma pelúcia inúmeras vezes remendada. Diferentes pelagens espalhadas de forma desigual pelo seu corpo: por vezes uma pelagem lisa de cor laranja escura ou marrom clara, por vezes listras pretas por cima de uma cor laranja, ou pintas pretas decorando pêlos claros, quase brancos, ou amarelos claros. O que aparentava ser uma juba crescia apenas no lado inferior de sua face. Uma de suas orelhas, no topo de sua face, era arredondada, enquanto a outra possuía um formato triangular; ambas estavam abaixadas. Seus olhos, um cor âmbar e o outro cinza, estavam dilatados. Elas podiam ver um movimento atrás dele - possivelmente sua cauda.
– Eu tenho a tatuagem do Reinha, vejam.
Ao tentar abaixar uma mão para levantar sua manga esquerda, as guerreiras ameaçaram avançar e ele novamente ergueu as mãos. Percebendo o impasse, ele virou-se para a direita e uma luz roxa começava a brilhar sobre a parte de seu braço que ele havia conseguido expor. Uma figura reptiliana formava-se, a parte superior escondida sob a manga, entretanto o começo das asas estavam visíveis.
As mulheres olharam para Alseri, a qual assentiu com a cabeça, fazendo com que elas abaixassem as armas.
– Quem é você? - Alseri inquiriu.
– Eu pensei que os superiores tinham avisado… Desculpe pelo susto. - ele arrumou de volta sua manga - Sou Naon, braço esquerdo de Reinha.
– “Esquerdo”? Ah, entendi, é uma piada: el’é canhoto! - Gwenny riu.
– … Não. O “braço direito” é a Haizel. - ele disse.
– Huh?! Por que você admitiria ser menos importante assim? Só di— - uma dor espalhando-se a partir da cintura de Greneva silenciou-a.
– Não, - Alseri começou, retraindo seu braço após acotovelar Greneva, aproximando-se de Naon - não recebemos nenhum aviso.
– Estranho… Bem, não é nada demais, é só uma discussão sobre estratégias. - gesticulou em direção à fogueira - Podem sentar novamente.
Greneva começou a retornar à fogueira, entretanto parou ao perceber que as outras não haviam se movido. Tornando-se novamente, as três olhavam para Naon e haviam aberto um corredor para que passasse, mãos treinadas em suas armas. Greneva deu alguns passos para trás, abrindo o caminho, no entanto, observava Alseri. A cauda de Naon abaixou alguns centímetros por alguns segundos, levantando-se novamente quando ele começou a andar entre as guerreiras. Sentou-se, pernas cruzadas, em frente à fogueira.
Alseri, então, assentiu com a cabeça e Gwenny seguiu para a fogueira, seguida por Greneva, Alseri e Meila. Sentaram-se de frente para o monstro, o qual perceberam que estava com os olhos fixados no cajado de Meila. Em reflexo, ela puxou-o mais para perto de si, o que fez o olhar de Naon mudar-se para Meila.
– Desculpe fitar, mas esse é o Semaf, não é? Você é de Icem?
O Semaf de Meila começou a brilhar, porém rapidamente apagou-se novamente, ao que os olhos de Meila arregalaram-se e ela balançou os braços de forma apologética em frente a seu corpo, rosto avermelhando-se.
– Desculpe, senhor! - Alseri imediatamente interviu.
– Ela está acostumada a falar com magia, ela não pretende te atacar! - Gwenny exclamou, ao mesmo tempo.
Greneva vacilou às reações. Uma sobrancelha levantada, observou o contraste entre a face assustada de suas colegas e o monstro amigável à sua frente. Talvez fosse por seus problemas com autoridades, mas ela achava que as outras estavam exagerando.
– Eu— - ele começou, suspirando e tornando a olhar para o chão - Hã, não me chame de “senhor”, é estranho. E vocês não precisam ficar tão preocupadas assim, eu não vou… - ele deixou a frase esvair-se, pensando, olhos iluminando-se por um momento ao que voltou a olhar para Meila e começou a fazer sinais com a mão enquanto falava - Você deve saber língua de sinais de Icem, certo? Eu estou meio enferrujado, mas ainda dá para entender?
Meila parou seus movimentos, incrédula. Em seguida, um sorriso espalhou-se por seu rosto, o qual voltava a sua cor natural, ao que ela começou a fazer movimentos similares com suas mãos, terminando com um dedão positivo. Naon sorriu de volta, sua cauda levantada, voltando a gesticular em silêncio.
Greneva e Alseri olharam entre si, tornando-se para Gwenny, a qual estava com olhos espremidos fixados nas mãos. Após algumas trocas, ela intercedeu:
– Espera, eu entend’isso direito? O Semaf dói quand’ele te bate? Fisicamente?
– Sim, - ele afirmou - quando eu ainda morava na torre de Icem um senhor entrava com esse Semaf e batia em quase todos nós algumas vezes até ele fugir pulando da janela e flutuando em gelo ou terra. A gente renascia graças à torre, claro, mas destruía nossa… nossos estoques.
– O quê? - Alseri e Greneva falaram, uníssono, em seguida olhando-se espantadas pela improvável sintonia.
“Meu tio-avô era excêntrico.”, Meila escreveu com o fogo, balançando a cabeça.
– “Tio-avô”? - Greneva repetiu, virando-se para Naon - Quão velho voc— Ai!
– Greneva! - repreendeu, acotovelando-a novamente no mesmo lugar - Desculpe, ainda não nos apresentamos. Eu sou Alseri Pean, essa é Greneva Scortera, essa é Meila Mannah e aquela é Gwennylyna Cobre.
– Pod’me chamar de Gwenny. - sorriu com um aceno.
– “Mannah”… - momentaneamente, suas orelhas abaixaram-se assim como sua cauda, a qual oscilava - Prazer em conhecê-las. Nós não temos sobrenome, então é só Naon mesmo.
– Isso n— - Greneva começou, porém interrompeu-se ao perceber o olhar fuzilante de Alseri, o qual fazia a dor em sua cintura pulsar novamente.
– Ah, - ele riu - se alguém tem o mesmo nome costumamos usar características ou subdivisão.
– Naon “o gato”?
Dessa vez uma acotovelada mais forte atingiu-lhe do outro lado. Greneva decidiu que talvez fosse melhor ela permanecer em silêncio se ela quisesse sobreviver a noite.
– N’é legal comparar pessoas a animais. - Gwenny proferiu.
– Ahn, sim, mas eu não espero que todos já saibam disso, então vocês não precisam bater na sua amiga… - prosseguiu limpando a garganta e ajeitando suas costas, tirando do bolso alguns papéis dobrados parcialmente amassados - Vamos ao assunto principal: a pedra astral.
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