Nós duas nos sentamos em uma roda de alunos que, juntos, faziam dez pares de olhos atentos ao professor — com exceção de mim, a décima primeira, com minha cara de sono. Admito que não estava muito empolgada para estudar. Queria mesmo era estar nas florestas perto de casa pintando o que eu gostava, e não o que os professores mandavam.
Enquanto eu continha um bocejo, nosso professor, um homem baixo e gordo, com uma longa barba branca e uma tiara dourada sobre a testa enrugada, repetia nossos deveres enquanto colocava pequeninos cristais coloridos em um grande pilão de barro. Seu nome era Sh-Rorin, e seus movimentos eram precisos, pois mesmo com sua luva de couro, os cristais poderiam cortar seus dedos.
— É nosso dever como Pintores expandir e nutrir os mundos do Véu Cintilante! Com nossos pincéis, podemos criar criaturas que irão nutrir os homens da Terra, ou fazer nascer mais dragões-morcegos para os vales de Gattai ou tecer mais rios para saciar a sede dos homens e mulheres de Mirandr! — dizia com um sorriso alegre, fazendo com que todos nós sorríssemos (sim, até eu mesma), recordando-nos de como eram os novos mundos através das ilustrações dos livros de histórias.
— Também cabe a nós proteger e cuidar dos frutos e dos animais que serão transformados em energia para nós e para a terra que envolverá seus corpos – continuava o professor Sh-Rorin, com sua voz até baixa, talvez pela idade ou pelo jeito humilde. Era diferente dos outros professores dos quais me lembrava. — Cabe a nós não nos esquecer de ajudar o pequeno bode-cor-de-rosa pintando um terreno mais macio para que ele não se machuque em suas primeiras quedas, enquanto aprende a usar suas perninhas. Ou pintar mais flores para que as abelhas transportem seu pólen para fertilizar outras flores e plantas que nos alimentarão no futuro. Somos nós, àqueles responsáveis por criar e cuidar de todas as formas de vida dentro do Véu Cintilante!
Em seguida, ele usou o pilão para triturar os cristais aos poucos. Sentou-se e nos mostrou como, lentamente, foi quebrando tudo em pedacinhos, até formar uma espécie de massa cinzenta.
— Por hora, vocês só podem pintar o reino terrestre. Parece pouco, mas na verdade, é um mundo quase infinito! Com um olhar mais atento, verão entre a grama a terra vermelha que nutre a raízes das plantas e legumes. Podem sentir a terra úmida, cavá-la e encontrar um multiverso de minerais, de pedras, até restos de alguns pequenos animais! Precisarão ter cuidado ao tecer o caminho dos mananciais até as plantações, e não destruir as tocas dos pequenos animais…
Era aí que chegava minha parte preferida. Na empolgação, acabei cochichando com Kin ao meu lado:
— Como os ninhos dos insetos cavadores, que ajudam a transportar os nutrientes das plantas!
— Muito bem lembrado, senhorita Elsa! – ouvir meu nome me deu um pequeno susto, mas o sorriso do professor era gentil demais para me intimidar. — Na hora de cuidarmos da terra, precisamos ter em mente o que pode interferir na nutrição e manutenção do reino animal. Quando chegar a maioridade dos dezesseis, saberá qual área irá se especializar?
Cocei a cabeça refletindo sobre sua pergunta. Pude ouvir as risadas das irmãs Dorotir atrás de mim:
— Feiosa do jeito que é, deve querer o reino dos insetos! – riram. Virei-me com os olhos faiscando e os dedos coçando para dar-lhes bons tapas.
— O reino dos insetos não tem nada de feioso! – intrometeu-se o professor Sh-Rorin, sempre sorrindo. Era o primeiro dia de aula e ele já estava me ganhando. — É um reino complexo, pois há uma variedade infinita de criaturas, que diferem-se especialmente no mundo de Mirandr!
— É o reino com os maiores insetos! E é o lar das Libélulas-estrela, que alimentam os peixes dos rios com suas larvas! – Acabei me empolgado demais e até me encolhi, temendo que o professor me censurasse por interrompê-lo como alguns dos rabugentos do ano passado.
— Acho que a senhorita já tem sua escolha! – Sorriu Sh-Rorin e acabei soltando o ar de alívio. — É preciso muito estudo e cuidado, pois o equilíbrio de suas espécies é sútil. O número de uma população interfere em todas as outras. Mas, quanto mais paixão um pintor tiver, mais belas serão suas criações! E é começando a aprender sobre as pequenas coisas…
O professor colheu um pouco do pó com o mortar, colocando-o dentro de um pequeno caldeirão. Ele também encheu-o com um pouco de água de orvalho, acendeu uma pequena chama entre as pedras do chão e começou a mexer a mistura com uma colher de pau.
—… que aprenderemos a criar coisas ainda maiores!
Um brilho suave emanou da mistura. Nos apertamos para ver como estava a textura do líquido e vi Kin e outros colegas já fazendo suas anotações. Eu não queria parar de olhar para escrever, mesmo que isso me trouxesse problemas com as provas depois. Ansiava para ver o que aquele professor iria pintar com sua Seiva Escarlate, feita ali, na nossa frente.
Admito que a lentidão de seus movimentos agitava minha impaciência, mas não podia negar sua beleza, especialmente de sua mesa sob as sombras das árvores pela luz suave da manhã. Sh-Rorin tirou de uma de suas gavetas um estojo enorme, como nunca tinha visto e parecia desproporcional com professor que o manuseava com suas mãos pequenas e enrugadas. Para minha surpresa e a dos meus colegas, ele estava bem sujo e marcado, havia algumas pastilhas até manchadas como as minhas e, curiosamente, vários espaços de pastilhas vazios. Foi quando o professor fez algo que eu nunca tinha visto: ele cavou um pouco o chão com uma pequena pá e tirou um pequeno punhado de terra. Então, ele pegou uma barra diferente, de tom avermelhado e quebrou um pedacinho, depositando em um dos espaços vazios de seu estojo.
Então, ele pegou um pouco da solução luminosa e fervilhante e completou o pequeno espaço do estojo, misturando as substâncias com uma espátula de metal minúscula. Nosso professor estava criando um pigmento de vida novo e na nossa frente, algo que jamais esperaria do segundo ano de nossa escola.
Por fim, ele tomou de sua mesa um pincel diferente, de cabo reto de bambu com uma pequena cordinha na outra ponta, enquanto as cerdas eram de cor cinzenta. Pisquei abismada com aquele pincel diferente e me perguntei para que servia aquela cordinha.
— É um pincel do Oriente da Terra! Nunca tinha visto um de verdade, só nos livros! – exclamou Kin, maravilhada. Quando viu minha surpresa, comentou comigo: — Ele tem aquela cordinha para que seja pendurado no fim do trabalho. Assim ele seca mais rápido do que os pincéis comuns que costumamos deixar as cerdas viradas para cima para secar. E os orientais da Terra também fazem suportes para pendurar mais de um pincel, alguns com adornos lindos!
— Você é a primeira aluna a identificar meus pincéis favoritos e logo no primeiro dia de aula! Como bonificação por sua pesquisa, vou te deixar escolher que criatura irei criar hoje!
Céus! Nunca senti tanta inveja da minha melhor amiga em toda a minha vida. Era a primeira vez que eu tinha um professor que falasse alguma coisa sobre insetos sem que eu implorasse. Vê-la segurar o queixo pensando me deixou mais ansiosa e acabei apertando a outra mão dela sem querer. Ela então se virou para mim com um sorriso travesso e respondeu ao professor:
— Quero uma Libélula-estrela de cor vermelha!
— É para já!
Quase pulei no ombro da Kin, dando-lhe um abraço corrido porque queria voltar a ver o que o professor faria, quase roendo as unhas. Dane-se as risadas daqueles colegas chatos ou dos lamentos de quem queria ver coisas comuns, como um cãozinho ou um beija-flor. Para mim, uma Cigarra de Gattai era muito mais legal do que um pônei da Terra! Ignorá-los se tornou necessário para não perder nem um segundo daquele momento.
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