— Meus parabéns, Elsa! Você resolveu o novo enigma da sala mais rápido que meus colegas!
— Professor Ronan?
Ronan surgiu no alto da estante, coberto por uma capa. Quando ele tirou, não havia qualquer pingo de Seiva em suas roupas e corpo. Ele também acendeu uma pequena tocha:
— Sinto um pouco de vergonha por uma criança ter conseguido o que eu não conseguia há anos. Sorte a minha que o último que tentou invadir este lugar foi pego anteontem, o que não deu tempo de criarem um caminho mais difícil e com mais armadilhas! E ser baixinha deu-lhe mais vantagem ainda!
— Mas… mas… como conseguiu passar? O que quer aqui?
— Ora, eu modifiquei o túnel! Fiz alguns desenhos de restruturação e consegui passar seguindo seu rastejo. Agora, temos acesso ao maior acervo de magia proibida do Véu Cintilante, onde encontrarei o que mais preciso!
— Eu não entendo. Você disse que era errado!
— Claro que disse! Que criança não se sente tentada ao ouvir um “não pode”? Ainda mais quando está com medo de perder um parente ou alguém importante? A poção que eu te dei não era para te acalmar, era para te encher de pesadelos! Eu queria que seu medo de perder a Kin se sobrepujasse ao medo de ser presa, e consegui! Claro, isso não teria dado certo se você não fosse rebelde por natureza!
— Você… você me envenenou! Me usou para chegar aqui! Achei que estava sendo gentil… que era meu amigo!
— Bem-vinda a vida adulta, Elsa! – Ronan então pulou para o chão sobre os papéis. Como estava limpo, nenhuma armadilha foi ativada. Ele também colocou a tocha sobre um aparador de tochas na parede perto de nós. — Sinto muito pela Kin, mas não irá encontrar aqui nada que a cure! Nossos antepassados não queriam curar doenças ou fortalecer nossa saúde… eles queriam poder! Pois o poder é o que nos dá liberdade!
A máscara do professou gentil ou afetuoso se desfez, exibindo uma risada terrível, como nunca tinha ouvido. Seu olhar pareceu congelar meu peito. Então, ele puxou alguns livros e os leu:
— “Maldições de morte”, “Invocação de demônios Gattaianos”, “Habilidades animais”… isso, era isso que precisava!
Olhando o livro, passando as folhas com sua risada sinistra e olhos arregalados, ele parou em uma página, puxou um pincel do bolso, já dourado pela Seiva e por mais alguma outra substância que não identifiquei, falando:
— Eu menti quando disse que me curaram. Até hoje eu sinto dor! Não posso levantar peso, não posso construir as coisas grandes que quero, estou limitado e, por isso, virei professor ao invés de um grande Pintor… não me deixaram graduar no que eu mais amava porque não sou rápido ou preciso o bastante, não com esse braço ferido… mas agora, agora irei mostrar para eles que não preciso de aprovação de ninguém! E NINGUÉM VAI ME PARAR!
Ele começou a pintar algo em seu braço com a mão esquerda, tremendo e rindo. Pulei para trás e quase acertei a armadilha de escorpião, apavorada. No mesmo instante, o braço dele brilhou e ele gritou. Senti cheiro de sangue, de repente, o braço dele transformou-se: ganhou escamas verdes e garras. Estava maior e musculoso, como se fosse de um dragão dos livros. Aquilo cortou parte de sua pele e ele parecia sentir prazer ao invés de dor:
— Sem dor… sem dor e grande, poderoso! O braço que sempre quis! Ah, Obrigado, Elsa! Você merecia ser recompensada, mas não posso deixar que descubram meus planos!
Pulei em uma das prateleiras para tentar escapar escalando, mas ele me agarrou pela túnica e me jogou no chão. Rolei sobre ladrilhos de pedra e senti gosto de sangue na boca. Vi ele erguer as garras e desviei um segundo antes de ser destroçada por elas. Ergui-me, mas escorreguei e esbarrei na prateleira. Meu lampião caiu da estante e o vidro quebrou, começando a incendiar as armadilhas e a prateleira. Ronan correu atrás de mim, mas consegui desviar de suas garras. Antes do próximo golpe, me virei e o chutei entre as pernas, fazendo-o gritar e se atrapalhar
— Não vai escapar, pirralha! – gritou entre os dentes, desviando das folhas, e jogou na minha direção uma das armadilhas.
Assim que ele tocou em meu braço, o papel brilhou e correntes enormes prenderam minhas pernas, me fazendo cair. Ronan ainda se aproximou e chutou meu estômago e minha cabeça. Gritei e vi pontos coloridos pelo impacto.
— Eu devia te matar agora, mas preciso salvar o que é mais importante! – ouvi-o dizer enquanto pegava sua bolsa para colocar alguns livros. Haviam poucos ali e ele correu para outra prateleira, rindo sem parar.
As chamas estavam próximas e me queimariam a qualquer momento. Não conseguia sair, mesmo me sacudindo, e senti meu rosto queimar, querendo chorar. Fui enganada, traída, não poderei salvar a Kin e ainda morreria queimada e sozinha!
— Soluçando? A pirralha braba vai morrer como um bebê chorão? Que patético!
Suas palavras me causaram mais raiva do que medo. Me arrastei, tentando ficar longe das chamas e meu rosto encostou em meus pincéis e papéis esparramados. O vidro da Seiva Escarlate quebrou e a tinta se espalhava pelo chão.
Era minha única chance. Com um dos dedos, tateei as algemas em busca de alguma abertura. Não havia fechadura, mas as correntes estavam podres. A magia não foi bem conjurada, então rastejei como minhoca, agarrei o pincel com minha mão direita, morrendo de dor pelas algemas e apoiei meu ombro dolorido, deslizando o pincel sobre a Seiva. Rastejei com o pincel na boca e achei meu estojo aberto e as pastilhas expostas. Então esfreguei o máximo que pude o meu pincel na pastilha marrom. Dobrei-me sobre meu corpo sentindo as algemas cortarem minhas pernas, mas conseguindo desenhar um martelo.
Não sei se foi meu desespero ou habilidade, mas o papel brilhou e o martelo ficou enorme. Peguei-o com a mão esquerda, bati ele com toda minha força sobre as algemas, me cortando, mas na quinta pancada elas quebraram e consegui libertar minhas pernas feridas, começando a sangrar. O fogo já subia pela minha calça e a bati, quase me queimando. Levantei-me quase mancando para escapar e escalar as prateleiras da estante velha, até que ouvi um berro.
Quando cheguei no topo da estante, vi Ronan ser cercado por dezenas de escorpiões pega-luz, ao lado da última prateleira a quase quinze metros de distância. Um dos pega-luz picou seu pé e ele gritou de dor, caindo no chão, e tremendo:
— Socorro! Socorro! Alguém, eu imploro!
Outra picada e ele berrou, agora chorando. Se nada fosse feito, ele teria a morte mais horrível do nosso mundo. Os sapatos dele devem ter se sujado com a Seiva nas minhas roupas e ativado a armadilha.
Mas ele me traiu, tentou me matar… eu deveria deixá-lo morrer?
Ronan gritou mais, talvez por outra picada. Kin sempre ajudava qualquer um, até as chatas das Dorotir… ela não o deixaria morrer!
Respirei fundo e desci as prateleiras pelo lado sem fogo, peguei as correntes podres e pesadas e corri até o outro lado do salão. Se eu me aproximasse demais eles me atacariam, então respirei fundo e joguei com toda minha força as correntes na direção deles, quase acertando Ronan que estava vomitando sangue e tremendo dos pés à cabeça. Esmaguei alguns escorpiões e corri de volta à prateleira em chamas. Nela, peguei um dos livros em chamas, mas acabei deixando-o cair ao queimar minha mão.
Ronan ainda gritava, eu não tinha conseguido matar todos com as correntes, então arranquei minha túnica, ficando apenas de calça e uma blusa de algodão, envolvi o livro em chamas com minhas mãos protegidas pela túnica, corri de volta e joguei para longe de nós. Foi no último instante que ainda haviam uns quatro escorpiões subindo nele, mas ao verem a luz do fogo, saíram correndo até o livro em chamas.
Eu não teria força para carregá-lo, então voltei mancando, subi a prateleira tremendo pela dor nas pernas e quase fui queimada pelas chamas que começavam a se espalhar pelos livros. Consegui pular e alcançar o buraco de entrada que estava maior pela magia de Ronan, que tinha alargado e modificado o caminho para entrar. Com a bússola que resistiu no bolso da calça, consegui correr sem me abaixar e cheguei na biblioteca gritando por ajuda.
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