ANO: 2010/MÊS: OUTUBRO/DIA: 02
— Marcus, você tem noção do quê está dizendo? A ASOS mentiu para todo o mundo esse tempo todo? — Perguntava José depois da afirmação absurda de Marcus.
— Basicamente José, quando começou a Corrida Espacial, o governo era louco para investir no espaço para superar a União Soviética, mas depois da nossa viagem junto deles para provar nossa união e acabar com aquela rivalidade, tudo desandou, mesmo não havendo planetas a vista, o foco era a Lua, eles queriam chegar a Lua, e quando isso acabou, o que mais iriam explorar no imenso vácuo escuro que o espaço era? Digo, ainda é!
— E para o governo não desativar a ASOS, os responsáveis da época criaram todo o conceito de sistema solar, para manter as pessoas alienadas e eles continuarem sendo financiados, mas... por qual motivo continuarem sendo financiados se não tinha mais o que explorar?
— Você capta as coisas rápido... bem, o meu pai queria a todo custo, provar a teoria de Einstein, pelo menos boa parte da teoria da relatividade, pois ele acreditava ser extremamente importante para o desenvolvimento da humanidade, e quando ele fundou a ASOS para a Corrida Espacial, ele pensou que seria capaz, e quando ela estava prestes a ser desativada ele não podia desistir, vendo que só pressionar dizendo que o governo estava impedindo o avanço da ciência não adiantava, já que o governo da época estava prezando muito mais a corrida para quem ficaria no topo da economia, mas focando em outras áreas, ele resolve forjar provas, meu pai era absurdo, José! — Marcus ria com orgulho falando do pai. — Para a época, simuladores eram muito ruins e meu pai estava no topo em quesito desenvolvimento de software, com o que tinha ele simulou mais oito planetas e a equipe dele trabalhou para que toda a história contada fosse realmente tão absurda que as pessoas não poderiam questionar, bem, questionar com provas suficientes, e claro, com a evolução da tecnologia, meu pai evoluiu junto com as simulações, e deu certo! — Marcus ria incrédulo. — Essa farsa absurda deu certo! Ele conseguiu tempo e dinheiro para explorar mais o espaço e descobriu um buraco de minhoca, José, a droga de um buraco de minhoca, a distorção que aquela anomalia causava no espaço batia com as informações da teoria de Einsten! Meu pai ganhou não só o dia, o ano, talvez a vida inteira, aí então ele se empenhou mais, muito mais, e o plano dele daquele momento em diante, era guiar a humanidade a uma nova parte do universo, guiar para um lugar onde fosse habitável. — Marcus terminava de falar fixando os olhos nos olhos de José.
José arregalva os olhos e engolia seco.
— Seu pai tinha os mesmos ideais que eu, não é?
— Mais vagos, porém sim, ele tinha. E agora imagina, se você com um plano razoável para salvar a humanidade e o planeta ao mesmo tempo não foi levado a sério, imagina meu pai com as hipóteses que ele tinha, já que o estágio de degradação do planeta não estava tão avançado que nem foi de dois mil e oito para cá. Ele tava sozinho, ele sabia disso, então precisava continuar o que começou, mas a velhice estava chegando e seus planos não se concretizando; ele não planejava passar adiante para mim toda essa informação se eu não descobrisse por mim mesmo, por ele eu poderia morrer alienado, pois se eu não fui capaz de sacar não só a farsa dele como também a grandiosidade de seu plano, eu não era digno de assumir o manto, mas um ano antes de morrer, depois de descobrir tudo e jogar na cara dele o quanto eu tava preparado para aquilo, ele me deixou assumir, claro, não virei presidente da ASOS, ele disse que naquele momento mais do que nunca eu precisava estar em sigilo, a Força Nacional estava investigando ele já tinha alguns anos e se descobrissem, tudo iria por água abaixo, iriam barrar, a equipe seria presa, e a chance de visitar aquele buraco de minhoca nunca mais existiria.
— Então o planeta que foi descoberto, é o que seu pai queria descobrir. Mas me diz, o planeta é habitável para nós, mesmo?
— Sim, várias sondas foram enviadas para lá, e uma nos deu informações otimistas ao extremo, o planeta é mais compatível com a gente do que a Terra!
José abria um semblante feliz depois de toda tensão que ele havia passado depois dessa chuva de informações, mas uma coisa o incomodou.
— Marcus, mas se o plano do seu pai está dando certo, e eu era mais uma das pessoas alienadas, por qual motivo me contar toda a história que era um segredo? Se fosse me mandar para lá, era só contar do planeta, mas você fez questão até de me contar que seu pai tinha os mesmos ideais que eu.
Marcus olhava cabisbaixo para a sua mão na mesa.
— Você é muito cético, José, e é por isso que te contei, não só pelos seus ideais nobres como os de meu pai, mas porque você é alguém que busca constantemente a verdade, trabalha com honestidade, e uma hora ou outra você ia dar um jeito de descobrir se eu só te mandasse para lá.
— Então vai mesmo me mandar para esse planeta? — José estava apreensivo.
— Sim, mas não vim aqui apenas para te convencer a isso, eu quero sua opinião sobre algo também.
José ficava pálido, Marcus de todas as pessoas, nunca pediu a opinião dele, ele nunca levou a mal, ele sabia que Marcus era uma pessoa convicta e confiante do que fazia e admirava muito isso, e nesse momento, José ficou mais assustado do que quando entrou na sala, ele percebia que agora, ia vir o mais absurdo, como se não bastasse tudo o que Marcus havia contado até agora.
— Eu acatei os planos de meu pai, vou fazer a vontade dele, eu prometi isso a ele, mas ele tinha uma visão distorcida de humanidade, ele pensava que com o governo certo, viveríamos bem aonde fôssemos, mas a realidade, José, é que a humanidade é podre, não importa o governo, os mais poderosos se alimentam dos fracos, a hipocrisia reina em todo lugar, e quem sofre com isso, são todos e o planeta ainda por cima, pela ganância, não ligaram em degradar o planeta ao extremo, só governo não adianta, e por isso só certas pessoas merecem esse novo mundo, só pessoas como você, que entendem o quanto é essencial o planeta em que vivemos, podem viver nesse novo mundo... diferente de meu pai, eu quero salvar a Terra, José, não só a humanidade como a Terra, e só tem um jeito de fazer isso, eliminando o vírus que a corrói.
José se assustava de vez, o que Marcus acabava de falar era o ápice de toda loucura que ele havia dito até agora.
— Marcus, mas como assim? Você pretende exterminar a humanidade? Você tem noção do quanto isso é absurdo? E como você faria isso? Somos quase sete bilhões!
— José, me diz, como você iria controlar os humanos? Como você guiaria tantas pessoas que pensam diferente de você, que não ligam para um planeta? Não tem nem cabimento, o novo mundo, iria ter o mesmo fim que a Terra, e muito mais rápido pelo nível da nossa evolução, e outra, mesmo que tivesse como, até parece que o governo levaria todas as pessoas para esse novo planeta, como você mesmo disse José, "Até quando se trata de uma viagem entre planetas, a ganância está envolvida e nesse contexto, o dinheiro traria a salvação", os porcos gordos do mundo jamais permitiriam isso, esse novo mundo precisa de pessoas como você!
José estava incrédulo e um pouco revoltado com o que Marcus acabava de dizer, para ele, não tinha cabimento era aquilo que ele havia acabado de ouvir.
— Tá, Marcus, mas mesmo que eu chegue lá com mais pessoas com os mesmos ideais, o que garante que a geração futura não vá se tornar a mesma coisa daqui? E nisso, a vida de milhões de inocentes que você quer sacrificar, teria sido em vão?
— Eu pensei em deixar um plano de governo fascista, mas obviamente não iria funcionar, quanto mais se proíbe algo, mais se tem vontade de fazer, o ideal José, é simples, é ensinar desde cedo, que se deve cuidar do planeta, claro, deve existir leis que punam quem cometa qualquer tipo de ação danosa nesse mundo, mas vocês tem que criar formas de ensino que priorizem a ideia de sustentabilidade, como se fosse uma religião, entende? Essa é uma alienação necessária, e correta no meu ver, para mim é impossível o ser nascer, ser ensinado dessa forma e querer fazer justamente o contrário, eu tenho essa convicção comigo, mas mesmo que queiram, para isso vão existir as leis.
José queria rebater Marcus com todas as forças do seu ser, ele sabia que essa ação extrema era desumana, era um mal muito grande para um bem maior, mas ele entendia, e concordava, a humanidade era assim mesmo, só que ainda assim, José nunca considerou exterminar todo mundo para salvar o planeta, pois ele sabia que não era ele quem julgava, não cabia a ele isso. José abaixava a cabeça a encostando na mesa, ele precisava assimilar aquilo.
— Eu sei José, é absurdo, é desumano, não cabe a mim decidir isso, mas esse mundo precisa de um demônio, e se com um demônio eu posso salvá-lo, um demônio eu vou ser. Pegue, olhe. — Marcus empurrava um tablet a José. — Essas são as naves que levarão você e outras equipes com ideais sustentáveis, também tem as naves que levarão todo o lixo produzido até buracos negros, foram feitas para isso.
— Calma, foi descoberto buracos negros também?! — José levantava a cabeça assustado.
— Sim, a sonda perto do planeta notou anomalia no tecido do espaço a alguns anos luz dali, e aí descobrimos, é perfeito, José, vocês tem como e onde se livrar de todo lixo. Outra, tenho diversos projetos de máquinas para limpeza de atmosfera, da terra e mar, vocês irão fazer isso lá, e vão conseguir perpetuar não só a raça humana mas o planeta numa grande harmonia, durante inúmeros séculos! — Terminava Marcus animado.
Mas ele via o semblante baixo de José.
— Entendo, você me entende e concorda em tudo comigo, exceto... em sacrificar a humanidade, não é?
— É Marcus, eu entendo que não há um pingo de confiança que a humanidade possa dar para fazer você desistir disso, mas eu tenho esperança, eu não consigo concordar em matar bilhões, mesmo eles não entendendo a gravidade de sua ignorância, eu não consigo, Marcus, desculpa!
— Tudo bem, José, eu entendo, e era isso que eu precisava ouvir, mas antes de finalizar, tenho mais uma informação que você precisa saber.
José não aguentava mais tanta informação, ele já sabia demais.
— O espaço é só o vazio do vácuo entre aspas, desde a época que eles viajaram para a Lua, eles viram, viram os detroços do que era para ser aqueles planetas, meu pai não tirou oito planetas do nada, ele estimou que existiram de fato, nessa estimação, acredita-se que os destroços desses planetas possa ter caído na Terra e ter exterminado os dinossauros. Mas a questão não é essa. — Marcus afiava os olhos. — É que parece que foi uma ação externa que causou a destruição desses planetas, é muito provável que não estejamos a sós no universo, José. Então lembre-se, não deixe de evoluir belicamente.
José absorveu a informação mas travou na última frase de Marcus.
— Marcus, eu tava achando estranho, por que você tá falando de mim e dessas equipes com ideais sustentáveis com uma convicção de como se fosse de fato nos mandar para lá, esse tempo todo?
Marcus olhava para José fixamente e sério, por alguns segundos perpetuou um silêncio.
— É porque vou, José.
José não teve nem tempo de reagir, Marcus no mesmo instante que terminou de falar, sacou uma arma de seu palitó.
BANG!
...
Era possível se escutar sons semelhantes a um carro correndo em alta velocidade, mas muito mais graves e longíquos.
José estava sonolento, tentando abrir suas pálpebras, quando conseguiu, foi obrigado a fechar novamente, havia muita luz na onde ele estava. Ele finalmente acorda. Acorda assustado, olha para o lado, somente paredes brancas e luzes fortes, estava bem ofegante. Quando olhou para o outro lado, ele viu Cristina, sua esposa, dormindo tranquilamente. Aquele com toda certeza não era seu quarto. Ele levantou da cama, olhou mais adiante do quarto, viu seus dois filhos dormindo tranquilamente em camas brancas assim como a que ele estava. Ao olhar mais o local, ele nota uma porta, ele corre em direção a ela, ele estava aliviado de ver sua família, e já que estavam bem, ele iria descobrir onde estavam. Ao sair da porta, ele vê um homem passando pelo corredor.
— Ah, doutor Cellib, então acordou, bem, bom dia, eu sou Hércules, faço parte dos que concordam com os ideais sustentáveis! — Dizia animado um homem de óculos, muito alto.
José mesmo desesperado optou por fazer perguntas mais inteligentes, e não deixar o pânico dominar ele.
— Onde estamos?
— Na Ollopa dezoito, em direção a Neo Kosmo, assim como doutor Abraham nos instruiu, venha, ele deixou muitos arquivos especialmente para você, e, ah! Não se preocupe, sua família será bem cuidada, Jorge está no cômodo ao lado.
José caia de joelhos.
— Então no fim, ele não estava querendo me convencer, ele já estava decidido, então agora, provavelmente, bilhões na Terra estão morrendo.
Hércules desviava o olhar de José e abaixava a cabeça.
"Bem, José, se você está vendo esse vídeo, já faz um mês que você partiu na Ollopa dezoito, junto dos companheiros e mais duas naves, a Ollopa dezenove e vinte e logo atrás de vocês, as naves transportadoras de lixo. Antes de tudo, queria me desculpar por ser egoíta, e agradecer que mesmo não concordando, você me entendeu. Com um mês eu provavelmente já consegui exterminar toda a humanidade e vocês faltam no máximo algumas horas para chegar em Neo Kosmo... agora a Terra conseguirá descansar e se recompor, meu trabalho está feito, eu vou agora me juntar a pilha de corpos que eu fiz, bem, não respondi quando você me perguntou mas acho que não é importante você saber como fiz isso, só queria que soubesse, que mesmo você não pedindo, eu deixo a responsabilidade de guiar a nova humanidade para uma vida boa em um novo planeta e todos os cuidados necessários para mantê-lo saudável, todos os projetos das máquinas que citei em nossa reunião estarão na sala de comando da todas as naves, todo o conhecimento da humanidade também, planos de governo, de ensino, de educação, de saúde, recursos, e tudo necessário também estará... José, você foi o único amigo que tive, é pesado esse fardo, mas eu sei que você é capaz, guie essas pessoas, guie Neo Kosmo para sua ascensão!"
O vídeo terminava, Hércules estava sério encostado na parede, José extremamente abalado, mas ele sabia que já estava ali, precisava proteger aquelas pessoas e guiá-las, mesmo que ele não tivesse concordado com o plano de Marcus, pelo menos desta forma ele conseguiria fazer o trabalho que Marcus queria, pois se ele não tivesse discordado e rebatido, talvez a culpa impedisse ele de ser um bom líder.
— Eu devia ter ouvido o Jorge e ter desistido dessa merda toda. — Dizia José rindo com a mão nos olhos. — Olha onde me enfiei.
As naves entram na atmosfera do planeta laranja. Ali, naquele instante, começava um novo mundo.
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