Já é noite quando enfim terminamos de organizar todas as coisas que vieram no caminhão de mudança. Meus dedos estão doloridos e minha garganta está incrivelmente seca depois de horas descolando caixas.
— Uri, como é estar de volta? — eu e meu pai estamos no jardim encarando nossa nova casa. Seus olhos estão levemente marejados.
— Estou bem, acho que vai levar um tempo até me acostumar, mas só isso. — chego perto e o abraço. — Queria que ela estivesse aqui.
— Também, meu garoto. Também. — seus dedos batem duas vezes no meu ombro esquerdo. — Continuaremos pela Lilá, sua mãe gostaria de ter voltado.
Minha mãe morreu em um acidente de carro seis meses atrás, as lembranças dela ainda doem tanto que me deixam sem ar.
Meu pai achou que seria melhor voltarmos para nossa cidade natal. Porque, como ele trabalha bastante, por ser um médico, teremos apoio de ambos meus avós e uma infinidade de tios enquanto estivermos aqui. Assim não ficarei sozinho muito tempo como em nossa antiga casa. Ele se preocupa que eu fique depressivo ou algo assim e saber que ele teve todo esse esforço para cuidar de mim me deixa feliz.
— Vamos comer fora hoje, estou cansado demais para cozinhar. — gentilmente ele se afasta de mim.
— Tudo bem. Respondo.
Vamos de carro até um restaurante no Grande Largo, a trinta e cinco minutos de nossa casa. É um restaurante novo, ficamos apenas três anos fora, mas muitas coisas mudaram.
— Boa noite! — um garoto que deve ter aproximadamente minha idade, 16 anos, vem nos atender. — Esse é o restaurante da minha família, me chamo Hugo, e atenderei vocês hoje. Aqui está o cardápio. — O fato do restaurante ser da família dele esclarece porque alguém tão jovem está trabalhando aqui. Meu pai pega o cardápio de suas mãos enquanto meus olhos percorrem todo o corpo do garoto.
— Duas refeições comuns com bifes. — papai devolve o cardápio nas mãos do jovem garçom.
O jantar não dura muito tempo e permanecemos em silêncio. Observo o menino, Hugo, ir de mesa em mesa com um sorriso incrivelmente grande e sincero no rosto. É estranho pensar que alguém ainda possa sorrir dessa maneira. Estranho pensar que eu sorria da mesma forma há tão pouco tempo.
Terminamos a refeição, nos levantamos, pagamos a conta e estamos na porta para sair quando acontece.
— Esperem! Senhores? — Hugo, que atendeu nossa mesa, está correndo em nossa direção com algo nas mãos. — Aqui. — ele estende o braço e me oferece uma rosa vermelha. — Acho que é a primeira vez de vocês dois aqui. Então, por favor, aceitem nossas boas vindas e nosso desejo pelo seu retorno.
Ergo meu braço para apanhar a rosa de sua mão e nossos dedos roçam suavemente, acabo olhando para o garoto enquanto um calafrio ameno deixa todos os meus pelos em pé. Algo nele é tão magnético que me pego revisando cada detalhe que observei durante a refeição.
Ele está usando um cabelo recém aparado baixo, seu queixo é comum, mas suas bochechas são como as de uma criança, muito cheias. Covinhas aparecem em seu rosto negro quando ele sorri, em contrapartida com perfeitos dentes brancos alinhados. Olho o caule da rosa, onde há um adesivo com os dizeres "Volte Sempre" colado.
— Me desculpem pelo transtorno. — ele recua sua mão e nosso toque acaba. — Obrigado por virem. — então ele abre outro dos muitos sorrisos que usou naquela noite e que sempre deve ter usado.
Algo dentro de mim parece destoante enquanto as luzes bruxuleantes batem sobre a pele do menino gentil. E, pela primeira vez em seis meses, meu sorriso é completamente frouxo e livre.
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