Não muito tempo se passou desde que a Thaís e o Jorge partiram, mas o silêncio já se tornou tenso. tanto você quanto o Sigmundo já terminaram de comer e agora aguardam quietos pela chegada da Maebh, por mais que estejam fazendo nada – e, verdade seja dita, estejam muito tediados – Sigmundo evita olhar para você, impedindo que qualquer conversa se forme. Porém a maneira como ele faz isso, te passa a impressão dele estar em um estado de alerta ou preocupação, resultante da tua presença.
Você começa a se perguntar se já se conheciam ou se ele sabe quem você é, ou até mesmo se há algo a se preocupar com o fato dele não ter dito nada até agora… Como se todas essas perguntas já não fossem o bastante para te enlouquecer, o – ainda presente – cheiro do café da manhã provoca a tua fome a voltar. Logo, motivado pela tua inquietação, você sugere:
– Hmm… Que tal esperarmos pela Maebh lá fora?
Por um momento ele apresenta uma expressão de confusão, como se questionasse o porquê – ainda evitando te olhar nos olhos – mas invariavelmente, aceita:
– … Hmm, ok.
Você dois se levantam e seguem em direção para a saída mas logo quando Sigmundo alcança pela maçaneta para abrir a porta, ela abre e ele se encontra frente a frente com a Maebh. Ela o cumprimenta de forma gentil, enquanto entra:
– Bom dia Sigmundo, how’s she cuttin’?
– A! Bo-Bom di-dia! Maebh… Hmm, e-eu estou bem… E-E você?
Há uma nítida dificuldade na voz do Sigmundo, quase como se o seu cérebro ainda não decidiu se expressa susto ou alegria. Enquanto colocando a sua capa no cabideiro ao lado da porta, a Maebh responde de forma natural, como se já estivesse acostumada com o jeito dele:
– Que bom! Eu tam-
Mas ao te ver, a sua postura torna-se muito mais fria e – quase que imperceptivelmente – esconde uma expressão de preocupação sob um leve sorriso falso, te cumprimentando em seguida:
– Orion.
Você, distraído, se preguntando porque ela age de tal forma com você enquanto simplesmente responde balançando a tua mão. Com a Maebh já começando a organizar as cadeiras e mesas mais próximas, Sigmundo te chama:
– Éh… Vamos?
E assim, sem desperdiçar mais um segundo se quer, vocês saem da taverna e começam o tour pela vila. O seu layout não é nada fora do comum ou, ao menos, remete uma forte sensação de familiaridade. Existem os portões principais; altos muros cercando todo o perímetro da vila; um mercado; uma pequena igreja; et cetera et cetera. Sigmundo está falando tanto que chega a ser contraditório com a impressão que você tinha dele até agora, porém por mais informativo que ele está sendo, a tua menta encontra-se nublada demais com pensamentos e perguntas sobre tudo e nada para poder prestar muita atenção. Mesmo assim, ao passarem em frente de uma casa – que aparentemente pegou fogo – e ele não dizer nada, você sente a necessidade de falar, apontando para ela:
– O que aconteceu aqui?
Ele olha para você e depois para a casa apresentando uma expressão de hesitação mas no final acaba escolhendo contar:
– Hmm… Eu não sei muito, têm um povo que diz que uma bruxa vivia aí e que um acidente aconteceu um dia, queimando-a junto da casa…
Ele parece omitir algo mas a sua maneira de falar e o jeito como, em momento nenhum durante toda a explicação, olhou para os teus olhos – verdade seja dita, nem mesmo para a tua direção – torna difícil decifrar se esse é o caso. De qualquer forma, um curto momento depois, ele retorna a andar – provavelmente intencionado em continuar o tour –.
Observando as paredes carbonizadas e as janelas quebradas, por um breve segundo, raiva te acerta, quase como se o teu “instinto de correr ou lutar” foi ativado, mas antes mesmo que possa se questionar sobre ela, os teus batimentos cardíacos voltam ao normal. Impulsivamente, você o pergunta mais:
– Você acha que é possível a bruxa ter sobrevivido o incêndio?
Mais uma vez, Sigmundo te lança uma expressão de confusão e, responde – de forma cômica até – em curtas palavras:
– Se ela sobreviveu, então partirei daqui amanhã de manhã, hahaha.
Procedendo para o outro lado da vila, vocês dois passam em frente à Mansão Cœur D'Argent, onde uma velha senhora observa da varanda às pessoas andarem pelas ruas entre o distrito habitacional e o mercado. A princípio, o Sigmundo permanece quieto e segue em direção oposta à linha de visão dela, mas:
– Bonjour, Sigmundo! Vocês já voltaram da caça? Acharam alguma pista?
Ele permanece quieto e imóvel por uma fração de segundo, ponderando responder ou não mas eventualmente diz:
– Milady… N-Na verdade eu não fui caçar hoje, haha… A Thaís foi invés de mim.
– Aha!… Então mon fils finalmente parou de ser cabeça dura e deixou a moça entrar no grupo, hein?
Ela pergunta de forma descontraída enquanto vocês param aos pés dos degraus da varanda. Sigmundo olha para você quase como se te pedisse para falar ao invés dele mas você permanece quieto ainda tentando decifrar quem é essa senhora, logo ele – relutantemente – responde:
– É... Foi mais o menos isso…
Escutando a resposta do garoto, ela rí levemente consigo mesma e, olhando para você, diz:
– Mon fils é um homem bom, ele só precisa ser menos teimoso de vez em quando, hehe.
Você balança a tua cabeça concordando sem saber exatamente como responder, o que faz o Sigmundo a notar que você ainda não percebeu, apresentando-a:
– A! É… Orion, esta é a Lady Marie Cœur D'Argent.
– Milady, este é o Orion, o homem que encontramos desmaiado na estrada no outro dia.
– A, oui oui... Prazer em te conhecer, Orion. Você teve muita sorte em ter sido encontrado por mon fils e os outros naquela noite, imagino que já te contaram sobre a Besta, non?
– Si-Sim, Milady.
Você responde ao cumprimentá-la. Logo em seguida, ela volta para o Sigmundo e o pergunta:
– Diga, você está mostrando a vila para o Orion, pas vrai?
– Sim…
Ela então se direciona a vocês dois:
– Vocês já sabem da história da nossa vila?
– É... Não, não....
Mais uma vez, você e o Sigmundo respondem em unanimidade, causando-a a considerar algo por um momento e depois – enquanto entrando na mansão – dizer:
– Sigam-me.
Sigmundo percebe a maneira inquisitiva na qual você o olha e então responde simplesmente com um balanço de ombros, depois – percebendo que a Lady Cœur D'Argent continua andando para dentro da mansão – vocês fazem como instruído.
A grandiosidade do interior da mansão é imediatamente notável assim que a tua visão se adapta a mudança de ambiente, mas em um reflexo do quão disperso você está, perguntas borbulham na tua mente e fazem-se ouvidas:
– Uh… Mas então, a quanto tempo vocês vem caçando a Besta?
– Lord Édouard vem caçando-a desde que os ataques começaram a dois meses atrás…
– ... Mas faz apenas duas semanas que eu e o Jorge entramos nessa, tudo por que ele ficou persistindo tanto em ajudar…
Há um forte ton de ressentimento na resposta do Sigmundo mas a tua atenção está novamente dispersa, agora no luxo da mansão: Finos tapetes com complexas estampas cobrem o chão de madeira desta primeira área em que se encontram; as peças de móveis possuem ricos detalhes impecavelmente entalhados; acima de alguns, sentam sumptuosas esculturas e artefatos – aparentemente vindos de todo o mundo – que compartilham do mesmo fator “impressionante” que os das pinturas penduradas nas paredes à cima.
Sigmundo carrega a mesma expressão de surpresa que você enquanto segue a Lady Marie, quem começa a explicar – parando uma hora ou outra para apontar a algo – a história da sua família:
– Durante a última guerra santa, mon père recebeu uma oportunidade que poucos podiam até sonhar com, ele foi recrutado por um lord para servir como o seu escudeiro…
Ela move para perto de uma caixa de exposição cheia de medalhas e depois continua:
– Pelas várias batalhas, ele subiu entre os ranques devido sua proeza em combate e logo atingiu fama no campo de batalha, mas como não possuía sangue nobre e muitos não conheciam o seu nome, alguns companheiros do seu lord passaram a chamá-lo de Cœur D'Argent... Argumentando que mon père estava apenas interessado no dinheiro e era oblívio a qualquer noção de valor ou honra…Tels hypocrytes. Porém, para sua surpresa, o Lord de mon père e muitos dos outros soldados aderiram a esse título mas com significado diferente...
- Argumentavam que ele era Cœur D'Argent pois a maneira como defendia a fé do Sem Nome e a honra com a qual lutava refletiam a pureza do seu coração, argumentavam que o seu coração era tão nobre quanto a prata.
Ela faz uma breve pausa sacudindo a sua cabeça – pensativa – e então continua:
– Após o término da guerra ele voltou para ma mère e eu como um homem diferente. Ele não ria tanto quanto antes, ele não falava ou sorria como costumava. A guerra o mudou. Sim ele teve sucesso em “defender” a veneração do seu deus mas ao custo da sua própria fé...
- Mesmo assim, nem tudo estava perdido, ele então teve a ideia de usar a fortuna que fez na guerra para construir esta vila: Um lugar onde as pessoas pudessem viver felizes e longe dos problemas que afetam o resto do mundo… Ou ao menos, esse era o plano.
Olhando para você e o Sigmundo, ela parece descontente com o ton em que a sua explicação terminou, logo adiciona:
– Depois que a vila foi construída e as pessoas passaram a mudar para cá, muitas coisas aconteceram, incluindo a morte de ma mère. Mas ele continuou fazendo o seu melhor para ser um bom líder, chegando até a receber título de lord pela sua Majestade, Le Roi. Porém, como todo homem, algumas décadas atrás ele morreu e desde então a até o começo deste ano quando a minha saúde começou a cair, eu tenho sido a responsável pela vila....
Ela perde noção dos seus arredores observando uma velha pintura do – supostamente – seu pai e apenas alguns instantes depois, quando percebe ter se desconectado, procede em tom descontraído:
– Alors, eu falei tanto que provavelmente estou começando a entediá-los, non? Haha. Há alguma pergunta que desejam fazer?
Sigmundo e você olham um para o outro perdidos quanto ao que dizer, porém olhando para um retrato no outro lado da sala, você pergunta instintivamente:
– E o seu filho, o Lord Édouard, qual é a história dele?
Ela move em direção ao retrato, falando:
– Édouard, mon fils Édouard.... Eu lembro que quando ele era pequeno, ele e o Jacques, mon fils cadet, eram inseparáveis, sempre brincando e falando que quando crescessem seriam guardiões da vila. Até mesmo quando aprontando trocadilhos com os moradores sempre eram gentis e se desculpavam depois…
– ... No começo da sua idade adulta, ele serviu no Exército Mercenário e até tomou parte na guerra do Conquistador. Porém, desde que retornou, ele vem se comportando bem parecido com mon père…
Uma expressão de epifania e dor brevemente ocupam a sua face.
– Eu gostaria que ele falasse mais comigo, com qualquer um, na verdade… Perder mon père para a guerra já foi duro demais. Eu só espero que Édouard não siga o mesmo caminho, ele merece uma vida melhor...
Hesitante em perguntar algo que vá resultar na Lady Marie afundar ainda mais em morbidez, você tenta pensar em algo mais alegre para falar mas nada vem à tua mente. Então você começa a procurar pelo ambiente por algo, qualquer coisa. Percebendo que no retrato há apenas ela em uma versão mais jovem, o seu pai e dois garotos – os quais você presume serem o Lord Édouard e o Lord Jacques – mas sem sinal algum do marido, você pergunta, sem muito pensar:
– E quanto ao pai do Lord Édouard e do Lord Jacques? Por que ele não está no retrato?
Sigmundo imediatamente olha para o lado fingindo não ter se assustado com a tua pergunta, quase como se soubesse de algo que te é oblívioso. Você sente mais curiosidade quanto a isso, mas o breve silêncio da Lady Marie – quase como se estivesse pensando sobre um assunto delicado – te faz esperar antes de lançar mais perguntas. Um pequeno momento depois e ela responde:
– Oh, De Dieu de Dieu! Vejam a hora, mon fils e os outros já devem estar voltando. Talvez seja melhor vocês os esperarem na taverna, pas vrais?
Percebendo como as palavras da lady soam mais como uma sugestão para saírem do que qualquer outra coisa, você e o Sigmundo dizem adeus e seguem rumo à taverna. No meio do caminho – mas já fora e longe da mansão Cœur D'Argent – você pergunta:
– Eu falei algo de errado?
Olhando à distância e balançando os seus ombros, Sigmundo responde:
– Hmm… Não sei, por que se importar também?
A falta de interesse do Sigmundo não te alarma – verdade seja dita, é algo que já espera dele – mas a forma como tentou soar indiferente provoca a tua curiosidade, ainda mais pela maneira como continua a evitar de te olhar nos olhos. Realmente, durante todo o dia você não o viu olhar alguém nos olhos nem uma vez, nem mesmo a Lady Marie... A maior autoridade da vila! Algo que você notou é que ele, na maioria das vezes, olha para sobre um dos ombros das pessoa, quase como se olhasse para trás delas – ou, mais precisamente, para “algo” atrás delas –.
Quando finalmente decide perguntá-lo o porquê, você percebe que ele continuou andando depois de te responder, enquanto você permaneceu parado.
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