Uma hora já se passou e, logo quando você está prestes a se perder em pensamentos, a porta de entrada da taverna abre calmamente com a chegada do Lord carregando uma expressão pensativa.
– Bom dia, Milord.
Thaís o cumprimenta, desconectando-o do que ocupava a sua mente.
– Bonjour.
Ele responde com uma voz cansada, seguindo em direção à mesa a qual o Sigmundo continua sentado e te chama:
– Orion, venha aqui.
Após sentar-se e tirar o seu chapéu, o Lord Édouard prepara-se para dizer algo, mas imediatamente para uma vez que vê a expressão do Sigmundo – ainda fixando o olhar na superfície da mesa –. Thaís, trazendo uma caneca de cerveja, o explica:
– Ele tá tendo outro dos seus… momentos.
– Hmm, o que aconteceu desta vez?
Lord Édouard pergunta mas quando a Thaís está prestes a responder, a porta de entrada abre abruptamente e, carregando uma quantidade abnóxia de lenha, Jorge anuncia o seu retorno:
– Amor~, voltei!
Pelo seu tom apenas, um seria louco em dizer que o Jorge poderia ser um indivíduo mais feliz e entusiasmado do que já é, porém após colocar a pilha de lenha ao lado da lareira ele vê você, o Sigmundo e o Lord Édouard sentados à mesma mesa e então uma expressão quase pueril de entusiasmo ocupa sua face, completamente provando esse argumento falso.
– A, entendi… Merci.
O Lord nota a Thaís logo após ver o Jorge – te fazendo supor que hoje não foi a primeira vez que o Sigmundo entrou em um dos seus “momentos” e que o Jorge, muito provavelmente, tenha sido o culpado pelas últimas vezes também – levantando a caneca enquanto agradece e depois toma um grande gole.
Enquanto a Thaís inventa uma outra tarefa aleatória para o Jorge – não querendo que ele assuste o Sigmundo de novo –, o Lord começa:
– Escute Sigmundo, como eu falei antes, se você não quiser caçar, está bem, arranjamos alguma outra coisa para você fazer…
– N-Não… Está tudo bem, e-eu posso caçar.
Lord Édouard pausa por um momento como se estivesse esperando para o Sigmundo voltar atrás com a sua decisão, mas tudo o que ele faz é evitar os olhos do Lord e os teus. Logo, ele então continua:
– Algum de vocês dois já usou uma arma antes?
Ambos balançam as suas cabeças de um lado para o outro mas – por algum motivo inexplicável – você percebe hesitação vinda do Sigmundo. De qualquer forma, o Lord termina a sua cerveja, levanta-se e dizendo:
– Não se preocupem, vocês serão apenas apoio para quando encontrarmos a besta. Allons y.
Despedindo-se do Jorge e da Thaís enquanto vocês três saem da taverna e depois seguem para os portões principais da vila, você não consegue evitar de perceber que o Sigmundo parece passar por um árduo debate dentro da sua cabeça. Você considera falar alguma coisa mas logo chegam aos portões e, então, o Lord começa a falar com um dos guardas:
– Commandant Lötschental, os seus homens já organizaram o campo como pedi?
– Sim, Milord. Tudo está exatamente como instruído.
Esse mesmo soldado – comandante, aparentemente – veste um casaco azul e fala em um ton esperado de alguém da sua posição, porém também parece ter um sotaque – quase que imperceptível mas ainda assim – relativamente diferente dos outros. Ele entrega ao Lord Édouard um rifle enquanto ainda falam sobre a situação da Besta:
– Já conseguiram localizar a Besta de novo?
– Infelizmente não, Milord. Após a última caça ela parece estar se escondendo.
– Entendo, Abra os portões então. Se não retornarmos em duas horas, no máximo, você sabe o que fazer.
– Si-Sim, Milord!
Seja o que for que o Lord Édouard instruiu o comandante a fazer, provavelmente é algo muito sério dado a sua hesitação ao responder.
Logo que os portões são abertos, vocês três seguem a - até que larga – estrada a frente e procedem fundo dentro da floresta. A apenas cinco metros depois dos portões existem duas – uma em cada lado da estrada – pedras grandes cobertas em runas antigas. Há algo de estranho quanto a elas que você não consegue bem identificar e que causa um dos teus dedos a apontar a uma instintivamente, enquanto os teus lábios abrem passagem para uma pergunta:
– O que são?
Depois de sinalizar alguma coisa para os guardas sobre os muros da vila, Lord Édouard olha para você e depois para a pedra, respondendo:
– Elas foram deixadas aqui pelo antigo povo desta região. Alguns moradores da vila dizem que elas eram supostas a atrair “espíritos malignos” já que esta era uma das estradas mais usadas pelas tropas do Império Da Águia Dourada durante o período da primeira expansão.
Ele então volta a seguir a estrada aparentemente sem mais nada a dizer, tanto você quanto o Sigmundo continuam a seguir mas ao passar entre as pedras, por uma fração de segundo, os teus ouvidos captam o som de sussurros e então calafrios sobem à tua coluna te trazendo a uma pausa imediata, mas antes que os outros dois possam perceber alguma coisa, tudo volta ao normal e você continua andando. Sem saber exatamente o que acabou de acontecer e relembrando o ocorrido de hoje de manhã, uma forte conclusão de que você realmente foi amaldiçoado em algum momento antes de perder as tuas memórias ameaça a gerar pânico dentro da tua mente, porém reconhecendo que este não é um bom lugar ou hora para tal crise, você ignora até qualquer sugestão de pensamentos quanto ao teu passado e continua andando calado.
Ainda visivelmente tenso mas um pouco menos assustado, Sigmundo nota um pequeno caminho ao lado esquerdo da estrada, liderando para ainda mais fundo na floresta, ele então pergunta para o Lord, algo que acaba te ajudando a se distrair dos teus próprios pensamentos:
– Onde esse caminho leva?
– Ao chalet da Maebh.
Lord Édouard responde sem olhar para trás, quase parecendo estar preocupado que a Besta talvez esteja por perto, se não fosse pela maneira como ainda parece estar focado em seus pensamentos como quando chegou na taverna. O seu silêncio causa o Sigmundo a perguntar mais então:
– Hmm, não é perigoso para ela morar fora dos muros da vila? Digo, com a besta solta por aí…
– Depois da morte de mon frère, ela tem recusado viver em qualquer outro lugar.
–… Isso e, ela não é tão indefesa quanto talvez pensem.
Você e o Sigmundo olham um para o outro confusos com essas últimas palavras do Lord mas ele não adiciona nada mais depois, tornando o silêncio ainda mais tenso. Vocês fazem então uma curva à direita seguindo uma parte da estrada que leva aos pés de uma montanha. Por – em torno de – vinte minutos o silêncio é apenas desafiado pelo som da fina camada de neve que cobre o chão sendo esmagada pelos seus pés, finalmente, chegam a um campo aberto ao pé da montanha.
O campo é vasto e coberto por neve; atrás há uma pequena colina rochosa que se estende da montanha e em ambos os lados assim como à frente de você estão cercas – provavelmente para evitar que animais pisem ou comam seja o que for que é plantado aqui costumeiramente –. Enquanto o Lord Édouard abre a porteira, você nota também a presença de grandes alvos redondos e marcados com faixas – ou círculos, mais precisamente – abaixo da colina, juntos de uma trilha de pegadas levemente apagadas entre lá e vocês.
– Está tudo bem Orion?
O Lord te questiona, fazendo-te perceber que a porteira já está aberta e ele e o Sigmundo já estão à alguns passos dentro do campo.
– Hã?… A! Sim sim.
Você responde andando um tanto que aceleradamente até onde estão. Uma vez que vocês três param em torno de vinte, trinta metros dos alvos, Lord Édouard pega o rifle que carregava nas suas costas, remove a sua munição e começa a explicar como funciona. Ainda um pouco disperso você consegue focar em quase tudo sem muito esforço, porém uma crescente sensação de familiaridade torna monótona a explicação quase como, se de alguma forma, você já soubesse como um rifle funciona.
A tua mente questiona se tal familiaridade/conhecimento vem do teu passado oblívio mas a idéia de armas de fogo não ajuda muito com a suspeita de ter sido amaldiçoado, afinal, você consegue se imaginar como do tipo que usaria água santa contra bruxas se bem que, provavelmente seria o mais prudente uma vez que a tua mente sugere que uma bruxa poderia muito bem transformar uma arma em uma cobra venenosa ou algo do tipo… Felizmente, antes que a tua mente possa tentar te convencer sobre a história de você talvez ter sido amaldiçoado, o Lord Édouard começa:
– Bien, agora vocês dois, tomem um passo para trás. Ele fala isso enquanto carregando o rifle e depois mirando em um dos alvos.
– Quando mirando a algo que está à média ou longa distância você quer mirar um pouco mais alto de onde quer que o tiro acerte…
Logo após terminar as suas palavras ele puxa o gatilho e acerta um tiro preciso no meio do alvo. Ele depois entrega o rifle para o Sigmundo mantendo-o apontado para o céu e longe de qualquer um de vocês, dizendo:
– Tua vez.
Verdade que o Lord Édouard não é – necessariamente – um para motivar ou confortar os outros mas a maneira como ele simplesmente entrega o rifle para o Sigmundo, sem nenhuma palavra de motivação ou de instruções adicionas seria um tanto que estranho, porém por mais pálido e relutante que o Sigmundo esteja, a maneira como ele segura o rifle quase que inconscientemente mantendo o seu dedo fora do gatilho e a ponta do barril sempre apontando para longe de vocês te faz suspeitar que ele também, – provavelmente – tenha experiência com armas de fogo.
– “Hmm… Mas ele não parece ser o tipo de pessoa que saberia esses tipo de coisa…”
A tua mente comenta enquanto ele toma mira e atira em direção a um dos alvos de forma despreocupada e erra. Com uma expressão de – quase – alívio, ele está prestes a te entregar a arma mas é parado pelas palavras do Édouard:
– Tente de novo.
Sigmundo pausa por um momento de forma muito similar que um assassino inexperiente pausaria ao ser visto em meio a cometer um assassinato, porém logo volta a mirar para os alvos, mas agora, de forma notavelmente relutante.
Você olha para o Lord Édouard e percebe que ele observa o Sigmundo não apenas como um professor observando os seus estudantes mas também como um investigador escrutinando um suspeito. Com os seus braços firmemente cruzados e os seus olhos seguindo atentamente cada movimento do Sigmundo, não importa o quão minúsculo seja. Seria possível que o Lord também questiona se o Sigmundo está escondendo algo?
– “Espera…”
A tua mente percebe.
– “Qual é a história de Sigmundo mesmo?”
Realmente, por mais tardio que seja, só agora você percebe que não conhece ou se quer ouviu menção do passado do Sigmundo; o que ele é; de onde vem; por onde passou; et cetera et cetera… Tudo isso falta e pela postura do Lord Édouard, parece que ele também não sabe muito mais que você. Porém, antes que possa se afundar mais nessa reflexão, a tua mente é atraída aos alvos uma vez que o Sigmundo atira duas vezes em rápida sucessão e acerta dois dos alvos no meio de forma demasiadamente precisa. Lord Édouard toma nota disso mas não revela a sua preocupação ainda e então, fala:
– Nada mal…
– É a tua vez agora, Orion.
Antes mesmo do Lord terminar as suas palavras, Sigmundo te entrega o rifle apressadamente. Ele parece muito mais aliviado com o fim da sua vez do que ciente da tua surpresa e da escrutina do Lord. De qualquer forma, ao tomar posição e erguer a arma em direção aos alvos, o metal frio do rifle em tuas mãos parece – por algum motivo – “errado”… “Injusto” até, provocando uma familiar sensação de culpa a ameaçar um retorno, mas não querendo – temendo, na verdade – descobrir do que se trata, você rapidamente se desconecta desses pensamentos e atira no primeiro alvo da esquerda para a direita, uma leve dor se propaga dos teus ouvidos mas quase sem pensar você já atira no segundo alvo, mais uma vez os teus ouvidos doem mas – de novo – sem pensar, você atira, agora no último alvo. Estranhamente, a dor nos ouvidos transforma-se em um “zunido” que gradualmente desaparece enquanto os teus olhos embaçam, causando-te rapidamente a devolver o rifle para o Lord Édouard, para esfregá-los.
– Você está bem? – Si-Sim… É que um pouco de pólvora foi nos meus olhos.
Alguns segundos após você responder o Sigmundo, os teus olhos e ouvidos – magicamente – voltam ao normal, como se nada tivesse acontecido. Você está prestes a comentar o quão estranho isso foi mas para ao ver o Lord Édouard olhando para os alvos com uma expressão preocupantemente pensativa.
– Desde a última vez que nos falamos, alguma das tuas memórias já voltou Orion?
O Lord te pergunta, aparentemente de forma aleatória, mas sentido se apresenta uma vez que você olha para os alvos: Todos os teus tiros, sem mesmo uma única exceção, acertaram o meio exato dos alvos…
– Não, nã-.
Você sente um nojento gosto de sangue subir à tua boca enquanto fala, cortando as tuas palavras mas antes que possa fazer algo – ou até pensar no que fazer – ele desaparece subitamente antes mesmo que os outros percebam. Enquanto o Lord Édouard parece pensar um pouco mais por um momento, Sigmundo te olha preocupado, como se – estranhamente – a sua preocupação parece vir de você estar recuperando as tuas memórias do que estar se sentindo mal. Curioso – se não paranoico –, você o confronta:
– Você me conhece?
– O-O quê?!
Ele responde tomando um passo para trás em surpresa.
– Eu não consigo me lembrar de você mas tenho a impressão de que você me conhecia ou ao menos sabe quem eu era…
Com essas palavras você atrai a atenção do Lord Édouard, causando o Sigmundo a estressar:
– E-Eu realmente não te conheço, eu juro!
Parecendo um animal encurralado, Sigmundo ainda não soa como se estivesse falando a verdade, entretanto, vendo o quão nervoso ele está, você decide não o pressionar mais, mas o Lord parece discordar:
– Se você sabe algo sobre o passado do Orion, agora é uma boa hora para fal-.
As suas palavras são inesperadamente cortadas uma vez que o som de neve sendo pisada próximo a vocês ecoa da direção da colina. A face do Sigmundo torna-se mais pálida que a neve enquanto você e o Lord Édouard olham em direção aos alvos assim que um terrível rosnado os alcança antes de uma visão ainda mais preocupante: A menos de dez metros de vocês; de pelagem marrom-avermelhada; com garras visivelmente afiadas afundando profundamente na neve; grandes presas amareladas e – por mais que esteja sobre quatro patas – de altura quase que superior à tua, a Besta que vocês supostamente deveriam caçar aproxima-se.
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