O ar está gélido e a leve neve em contato com a tua pele apenas aumenta o seu efeito. Mantendo-se nas sombras, você vê guardas em frente de todas as casa e prédios avisando as pessoas sobre a situação e para não saírem. Em adição à sensação de algo chamando por você um outro sentimento, mais alarmante e primitivo, faz todos os pelos na tua nuca a se levantarem assim que você se aproxima da mansão. Como se tudo isso já não fosse o bastante, um problema a mais se apresenta: Há guardas em frente à entrada principal tentando – ou criando a coragem para – entrar, você poderia oferecer ajuda mas vendo o olhar na face do Comandante Löschental você decide continuar nas sombras e seguir em direção à parede de trás da mansão, com muito cuidado para não ser visto.
Lá, pressionando o teu ouvido contra a parede e tentando ouvir alguma coisa, um barulho do lado de fora rouba a tua atenção: Vidro quebrando, mais precisamente, cacos de vidro quebrando sob a tua bota. A princípio parece estranho que haveria vidro em qualquer lugar até relativamente próximo daqui – entre a parte de trás da mansão e uma parte dos muros da vila – mas assim que você olha para cima, cortinas puxadas para fora de uma janela quebrada no primeiro andar se revelam, a janela em si estando de frente e para cima do muro.
A tua primeira análise dita que seria impossível alcançá-la mas após uma observação mais cautelosa, o espaço entre a parede e o muro é curto o bastante para você escalar. Fazendo exatamente isto então, ao alcançar o ponto médio da distância a dor nos teus músculos e ossos atinge um nível quase que insuportável, porém antes que você possa considerar desistir e ir contar sobre a tua descoberta para os guardas, um som extremamente peculiar ecoa de além da janela a menos de um metro de você e, antes que perceba, tua curiosidade sobrepõem-se à dor e você continua a tua escalada.
Mais cacos de vidro quebram sob as tuas botas, anunciando a tua chegada por toda a mansão, você não poderia se importar menos com isso pois uma dor excruciante alastra-se pelo teu corpo e cada pedaço de tua mente é necessário para que não desmaie. Respirando fundo, não por exaustão mas pela dor, a tua origem continua desconhecida até que aleatórias lembranças do pesadelo piscam em tua mente e então você – querendo escapar da tua assombração – começa a procura por alguma coisa para te distrair: Exceto pelos sons dos guardas lá fora há apenas um silêncio sinistro no ar; a luz da lua fracamente sangra pelas janelas atrás e à frente de você – no final do corredor – iluminando uma trilha de espirros de lama; os moveis encontram-se quebrados e espalhados de forma caótica quase como se um animal assustado tivesse passado por aqui, uma proposta que – dado os acontecimentos mais recentes – não cai bem com você nem um pouco. Felizmente e infelizmente, ao avistar algumas cartas velhas sob uma mesinha quebrada, curiosidade suprime a dor paralisante – assim como qualquer noção de cuidado – e te compele a pegar uma delas.
Continuando a ignorar o perigo iminente e o próprio propósito de ter vindo aqui, você levanta uma das cartas para próximo da luz e começa a ler:
"18 de Março, (????)
Caro Lord Cœur D'Argent, Devido à nossa relação de rivalidade, eu seria um tolo em esperar ser convidado para uma das feiras de aniversário da sua vila e, não se confunda, mesmo se eu fosso convidado eu nem mesmo consideraria ir. Porém, devo admitir que se eu soubesse anteriormente o que estava para acontecer, eu teria feito uma exceção esse ano.
Entenda, rumores demasiadamente interessantes alcançaram os meus ouvidos no outro dia, rumores de como a feira acabou mais cedo por causa de, vamos dizer, um pequeno acidente causado, digo, envolvendo aquele marido bêbado da sua filha.
Verdade seja dita, a princípio, soa muito em linha com o que eu espero da sua gente mas o que me contaram em seguida realmente atiçou o meu interesse. No momento em que estou escrevendo essa carta já se passou uma quinzena desde a feira e, onde estão os ciganos e o nobre? Você talvez seja um ex-chevalier de La Guerre Sainte, bem familiar com as estradas conhecidas e desconhecidas que conectam as vilas... Mas você nunca ajudaria alguém a fugir dos seus crimes e, aquele bêbado é muito infamo e estúpido para simplesmente desaparecer por conta própria. Porém, isso não é tudo, algo mais está faltando… Existem aqueles que também dizem que a caravana de ciganos partiu com tanta pressa que os seus números estavam subtraídos por dois… Ou devo dizer três? Hahaha!
Não preciso dizer que a esse ponto eu estava completamente investido nas fofocas, quase implorando por mais, para ser honesto. Mas oh, o que eu aprendi em seguida era muito bom para ser verdade.
Há um bebê nessa história! Ontem mesmo eu espiei duas das minhas criadas falando sobre uma carta que uma delas recebeu de uma prima, uma prima que serve a sua família devo adicionar, a carta em sí comentava sobre a sua filha estranhamente passando muito mais tempo na mansão e até sendo vista uma vez segurando um bebê em seus braços, um bebê de cor diferente dela e do bêbado. Com apenas isso eu já até consigo adivinhar a história: Dois escondidos, mas ainda sim honráveis, funerais – afinal estamos falando de você –, um tolo ou morto ou apodrecendo em uma velha masmorra, assim como uma alma inocente recebendo uma surreal e generosa vida que, em qualquer outra situação, até mesmo com o seu envolvimento, jamais seria concedida a alguém de tal gente.
Típico de você, Cœur D'Argent! Hahahahaha! No entanto, essa última parte, por mais que esteja em linha com a “nobreza” do seu coração, não foi escolha sua, foi? Oh douce Marie, você a cresceu bem Cœur D'Argent, mas se apenas ela fosse tão nobre só de palavras invés de coração também o meu interesse nela teria sido por mais do que só a vila, Hahaha.
De qualquer forma, basta do passado. Vocês Cœurs D'Argents estão em merda profunda o bastante que eu honestamente não espero que vocês e o seu “Morceau du Ciel” se recuperem algum dia. Não apenas isso, mas uma palavra minha sobre essa situação para le Roi e tudo isso se transformará em um pesadelo ainda maior.... Se. Eu disser algo para ele, Hahaha
Mas eu não direi nada, nem irei – oficialmente – reconhecer qualquer rumor como legítimo... Porque eu sei, que não importa o que aconteça ou o que eu faça, nada nunca te machucará tanto quanto ter presenciado algo tão sujo acontecer no seu “paraíso” e não ter sido capaz de fazer qualquer coisa para evitar. Você não é um Lord e não importa o quão santo aja, alguém do seu berço sempre estará na lama. E oh! Eu quase ia me esquecendo, diga a Marie que eu mal posso esperar para ver como ela vai cuidar daquela criança cigana. Se eu a conheço bem, envolverá muitas mentiras para “protegê-lo da dor”, hahaha! De qualquer forma, o momento em que ele descobrir tudo será muito divertido… E, aposte, eu estarei lá para assistir.
Sinceramente, Lord (?????)."
– “Urgh… Porque a Besta não ataca quem escreveu essa carta invés daqui!...”
Frustração e injustiça borbulham à tua garganta, enquanto a tua mente deseja fortemente que a Besta estivesse atormentando o remetente dessa carta invés dos Cœurs D'Argents e o povo desta vila, rapidamente tendo mais perguntas se expressando dentre esses sentimentos.
– “… E por que a Marie guardou essa carta?”
– “... O que ela significa?”
Confuso pelo que você acabou de ler, a sensação de que deveria fazer alguma outra coisa é sufocada pelas incessantes perguntas que começam a desovar na tua mente, assim como o choque e hiperatividade que você experiência tentando fazer sentido do conteúdo da carta: O papel está muito velho e a tinha quase que completamente apagada para você decifrar o nome do remetente, mas dado pelo texto em si, parece vir de um Lord de alguma vila vizinha. Será que essa rivalidade se estende até os dias de hoje, então?
Mais perguntas ameaçam a se formar mas a tua atenção se dispersa mais uma vez, agora, capturado pela vista de uma outra carta sob um pequeno cofre de documentos, quebrado sob os pedaços da mezinha. Você a pega com cuidado para não fazer muito barulho e depois começa a ler em busca de uma melhor explicação:
“21 de Maio, (????).
Ma petite Marie,
Há tanto que desejo dizer mas cada palavra que penso torna ainda mais difícil escrever. Logo, serei infelizmente breve.
Eu falhei com a vila, eu falhei com os moradores, eu falhei… Com você.
Quando retornei de La Guerre Sainte, ta mère e eu decidimos construir esta vila como um lugar onde as pessoas poderiam morar longe de toda a dor e ódio que praguejam este mundo. No começo, a vila era linda: A construção foi sem complicações; as pessoas que vieram, compartilhavam dos nossos valores; as vilas vizinhas não nos incomodavam e o seu nascer me trouxe a maior felicidade de toda a minha vida. Mas o Deus Sem Nome está sempre nos testando, nos preparando para os tempos turbulentos e então, duas noites após a sua concepção ta mère partiu para o reino dele.
No começo, eu chorei e caí em desespero, como eu poderia continuar com o nosso sonho sozinho? Mas assim que escutei a sua risada, doce e inocente como a de qualquer outra criança, a chama do meu coração reacendeu. Ainda hoje me lembro de te segurar nos meus braços e prometer:
- “Eu continuarei seguindo em frente, eu prometo”.
E isso eu fiz, enquanto você crescia a vila fazia o mesmo, eu levei os meus deveres como un père e um Lord com o máximo de respeito: Nenhum esforço foi poupado, nenhuma responsabilidade deixada de lado. Os anos passaram, desgastando a cor dos meus cabelos e a força de meus músculos, mas a minha alma apenas se fortaleceu, vendo a mulher que você estava se tornando e as vidas que os moradores estavam tendo.
Olhando para trás agora, esse foi talvez o meu primeiro e maior erro. Cego por ele eu ignorei o sabor amargo que estávamos deixando nas bocas dos Lords das vilas vizinhas e depois prometer a sua mão a aquele snob bêbado da capital foi tão ruim quanto aceitar a proposta daquele cochon ganancioso da vila (?????). Mas pior que tudo isso, é que outros foram punidos em vez de mim, estranhos inocentes que tinham/têm um futuro longo pela frente, uma família a qual o único erro foi estar no lugar errado e na hora errada. Eu deveria ter prestado atenção a mais do que só aquilo que acontecia dentre os muros da vila, eu deveria ter te consultado quanto a quem oferecer a sua mão, eu deveria ter recusado as suas palavras e te poupado de mais sofrimento reunindo a criança com os seus pais.
Durante La Guerre Sainte eu costumava a me considerar diferente daqueles “corruptos” que me rodeavam, porém agora, escrevendo estas últimas palavras eu reconheço que somos todos iguais. Tudo o que eu queria era proteger a vila, prevenir que boatos se espalhassem e que atenções indesejáveis fossem atraídas, mas a forma como prossegui foi estúpido e inconsequente, resultando em grande tragédia até para aqueles que não mereciam sofrer ainda mais.
Eu não tenho opção a não ser pagar pelo que fiz. Le Commandant já sabe da situação e ele jurou priorizar a segurança sua e do Édouard, ele também me informou que você tinha algo que precisava falar comigo, mas estou escrevendo esta carta exatamente porque uma conversa com você me convenceria de voltar atrás com a minha decisão e, infelizmente, não posso permitir que isso aconteça.
Mesmo com o que estou a prestes a fazer, quero que saiba que palavras não são o bastante para expressar o quanto eu te amo e o quão orgulhoso estou por ter sido son père. Ma petite Marie, você não é mais petite, boa sor-”
A tua leitura é abruptamente interrompida uma vez que a porta de entrada no andar inferior explode ecoando uma onda de sons mais aterrorizantes que quaisquer outros que você já escutou, causando-te a soltar a carta e travar em medo por um instante.
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