A floresta está preocupantemente quieta, até os teus passos pesados assim como o som da tua respiração são, de alguma forma, abafados. Ao alcançar um ponto em que os rastros são iluminados pela pouca luz das estrelas que consegue passar por entre os galhos das árvores, esta mesma luz reflete de algo e em direção aos teus olhos.
– “… Antes que você vá, escute bem estas palavras, Orion: Não importa que adversário você enfrente, não importa o que ele tenha tomado de você, sempre lute com honra. Pois, tornar-se um monstro da tua própria criação talvez te trague a vitória mas também, eventualmente, te trará tragédia.”
Um… conselho, passa pela tua mente ao observar o sigilo de um dragão gravado na espada que você segura. Hipnotizado por ele, a tua percepção é quase oblívia à calma mudança ao teu redor até que uma voz grita um nome, trazendo-te a uma clareira:
– Erwin!
Uma mulher, no outro lado do espaço aberto, dispara o seu rifle com raiva em direção a uma fera meio humana e meio animal, que acabou de – literalmente – rasgar um homem ao meio. Os teus pés anseiam por correr mas você hesita por um momento longo o bastante para manter a tua presença escondida da Fera enquanto ela avança em direção à mulher, porém vindo de lugar nenhum, um outro homem a intercepta no meio-caminho, levantando o que parece ser um machado de guerra, prestes a decapitar a Fera com um golpe habilidoso mas ela, por vez, demonstra-se mais rápida, desviando do ataque sem grandes esforços e depois esmagando o crânio do homem entre as suas garras.
O corpo dele cai mole no chão enquanto a Fera – que agora está de pés como um humano – vira em direção à mulher e começa a avançar de forma ameaçadora, completamente ignorando os tiros que voam em sua direção. Quando o som explosivos transforma-se no clicar de uma arma vazia, a mulher corre apontando a baioneta da sua arma em direção ao coração da Fera e começa a gritar bravamente, mas sem muitas esperanças pois assim que entra em alcance, a Fera defleta a lâmina para o lado e ferozmente corre as suas garras pelo pescoço da mulher causando sangue a jorrar ao ar e o seu corpo a voar para trás.
Um ódio preexistente – do qual você não conhecia – agora eleva para um nível incontrolável causando-te a correr em direção à Fera, gritando o nome da mulher enquanto erguendo a tua espada para um ataque avassalador:
– DIANAAA!
A Fera tenta desviar mas um raso corte é feito em suas costas causando garras afiadas a voarem à tua direção em resposta, mas você rapidamente as defleta, possibilitando uma abertura para cravar a tua espada no peito dela. Um alto e furioso rugido explode da sua boca mas assim que você toma um passo para trás –tendo perdido posse da tua arma – a Fera arranca a espada do seu peito e a finca brutalmente entre o teu ombro direito e o teu pescoço de forma que a ponta da lâmina acaba saindo por entre as tuas costelas esquerdas mais baixas. Sangue é violentamente expelido pela tua boca enquanto você tomba para trás atordoado mas nenhum segundo de descanso é dado pois em seguida a Fera te chuta com suficiente força para lançar o teu corpo colina a baixo.
Galhos e troncos de árvores te acertam por todos os lados enquanto você desliza pelo ar até ser bruscamente parado pelo solo em uma explosão de dor. A tua visão está borrada, os teus membros – exceto pelo teu braço esquerdo – se recusam a funcionar e os teus pulmões espasmam descontroladamente, falhando em funcionar como deviam… Tudo parece final mas, com as estrelas no céu entrando em foco e o som alto de água corrente alcançando os teus ouvidos, instintos de sobrevivência gritam mais alto que a dor e – usando o teu único membro não quebrado – você rapidamente alcança pelo punho da espada, mas apenas para se deparar com um problema ainda maior: Tateando entre o teu ombro e pescoço, entre sangue, tecido, carne e folhas, você não encontra nada que remotamente lembre a madeira e o aço frio de uma espada, a tua mão encontra-se apenas com as tuas feridas, piorando a situação ainda mais.
O chão começa a tremer anunciando o retorno de outro, grande, problema. Os galhos das árvores na direção oposta a você chacoalham levemente e, das sombras entre os troncos abaixo, a Fera toma um passo para frente permitindo que a luz das estrelas revelem detalhadamente a sua aparência: Carne queimada com apenas alguns tufos intocados de pelagem negra como carvão cobrem toda a superfície do seu corpo; os seus olhos amarelos como âmbar miram em tua direção apresentando um olhar borbulhando com ódio e, pior ainda, a sua boca espumante e repleta de dentes cobertos por sangue ecoa um rosnado cru que chega a ser nem humano nem animal, não… Um rosnado demoníaco, composto de puro ódio e agressão.
Medo transforma-se em pânico e pânico toma posse de você quando a Fera crava as suas garras no chão e rosna altamente, anunciando o ataque por vir. Desesperadamente procurando por uma rota de fuga você vê que o barulho de água vêm de uma corredeira à apenas dois passos atrás de você. A Fera começa a mover-se sem sair do lugar, preparando-se para pular, você não consegue levantar-se então alcança pela beirada do penhasco usando o teu braço esquerdo e começa a se puxar; a Fera começa a rosnar mais ferozmente; a dor é insuportável mas você ainda está muito longe de se jogar; a Fera salta, soltando um rosnado ainda mais amedrontador.
– AAAAAAAAAAAHHHHH!!!
Com todas as forças restantes no teu corpo você se puxa para além da beirada do penhasco e, em uma fração de segundos, o chão abaixo e o ar acima são substituídos por águas turbulentas. Pedras tentam bloquear a tua passagem mas devido à forte correnteza, elas apenas acabam por machucar o teu – já arruinado – corpo até que uma súbita dor explode atrás da tua cabeça te chutando para fora do teu pesadelo.
Sufocando desesperadamente como se os teus pulmões estivessem preenchidos de água, você respira de forma irregular buscando por ar, gradualmente percebendo que foi apenas um pesadelo enquanto corre as tuas mãos da parte de trás da tua cabeça para o teu rosto, um momento de calma se instala, relaxando todos os músculos do teu corpo e esvaziando a tua mente… Apenas para que a loucura ataque mais uma vez:
– Bru-Brutus… -D-Diana… Erwin…
– Esses… Esses eram os seus nomes…?
– Co-Como?!
Imagens – ou melhor, memórias – piscam em frente dos teus olhos: Vocês quatro em um acampamento; Depois, em frente aos portões de outra vila; Você em uma fazenda, conversando com a Diana; Depois… Depois… Depois em uma vila, você com a mulher dos outros pesadelos, correndo… correndo da-
– NÃO!!! – NÃO! NÃO! NÃO! NÃAAAAAAO!!!
Você pula fora da cama e imediatamente começa a bater a tua cabeça na parede, chorando enquanto grita:
– Eu nã-não os conheço! ELES NÃO SÃO REAIS!
– Eles não são reais! Eles não são reais! Eles nã-não estão… MORTOS!
– E-eles… eles…
Por um momento, palavras escapam da tua mente até que o mais pesado sentimento de perda se instale e traduz-se em palavras quase mudas:
– Ela… E-Ela não… não está.. Mor-morta…?!
Lágrimas escorrem da tua face em abundância enquanto você se enrola no meio do chão do teu quarto, momentos antes que uma voz – vinda do corredor – grite:
– Orion…? ORION?!
A porta então abre com a Thaís entrando no cômodo, confusa pelo que encontra:
– Orion?! O que aconteceu? Você tá bem???
Mas você não responde, apenas continua enrolado no chão chorando, causando-a a chamar por ajuda:
– Jorge, socorro! Alguma coisa aconteceu com o Orion!
Você sente as mãos da Thaís virarem o teu rosto para ela como se buscasse o ferimento responsável pelo sangue escorrendo nele; Você sente os passos apressados do Jorge tremerem o piso sob a carcaça sem vida a qual você foi reduzido mas mesmo estando tão ciente dos teus arredores, você não sente mais o teu coração… Apenas um infinito vazio onde ele deveria estar.
Comments (0)
See all