Quanto antes passassem por aquela seção da prova, mais rápido Aleksey iria poder voltar a repousar também. Merda, ela era uma idiota, se apoiando em Aleksey daquela forma. Ela se afastou um pouco e diminuiu o peso que fazia contra ele.
— Como você está?
Todo o humor sumiu do rosto de Aleksey quando percebeu o olhar discreto que ela lançara na direção de sua perna. Ele a largou e respondeu rispidamente:
— Está excelente.
Morena se afastou, cruzando os braços novamente, e os dois pareceram se lembrar de que nos momentos antes de entrarem na prova, estavam irritados um com o outro. Ficaram em um silêncio desconfortável por alguns instantes e se fosse para um deles falar, teria que ser Aleksey, que era o responsável pelo desconforto. Morena não fizera absolutamente nada de errado em se preocupar com ele, e não deixaria as coisas mais fáceis só porque ele estava de birra.
— E Nara? — Ele finalmente quebrou o silêncio, mas sequer estava olhando em sua direção.
— O que tem ela?
— O que tem ela, Morena? — Aleksey devolveu a pergunta. — Ela não consegue fazer um Golem, nem tem mais uma pessoa para atravessar a prova com ela.
— Ah, é só ela chamar uma rusalka.
— É o quê? — Ele se virou para Morena com os olhos arregalados e ela gargalhou.
— É brincadeira.
— Ha, ha. Muito engraçado.
— Rusalki nem pode ficar longe da água, Lyosha, deixa de ser bobo.
— Isso quer dizer que ela consegue invocar rusalki?
— Não importa. — Ela fez um gesto com a mão e a expressão dele se empertigou. — O que importa é isso: se fosse você e ela aqui, vocês iriam esperar por mim?
— Claro que não — respondeu ele sem nem titubear, cruzando os braços. — Ia ser até bom para te dar uma lição e fazer você deixar de ser convencida.
Morena sorriu.
— E se Nara tivesse chegado antes de você, você acha que eu esperaria por você?
Ele deu uma gargalhada.
— Óbvio que não.
— Então por que temos que esperar por ela?
— Algumas pessoas diriam que é o moralmente correto a se fazer.
Foi a vez de Morena gargalhar.
— Moralmente correto? — zombou, em tom de deboche. — Você começou a frequentar os sermões da Irmã Anastasia agora para me vir com essa? Qual vai ser a próxima desculpa, “estou tentando evitar ir para o Inferno, Morena”?
— Eu só quero me garantir de que você está ciente de que se a gente não esperar, ela vai ficar presa e não vai chegar na última etapa da prova — Aleksey bufou, frustrado.
Morena se aproximou dele novamente.
— Se for para esperar, nós nunca chegaríamos na última etapa. Essa é a última seção dela — explicou, apontando em direção ao centro da arena. — E ela vai demorar bastante para passar da seção do fogo. Tanto ela quanto Hadassa.
— É por isso que ninguém gosta de você — resmungou ele, suspirando pesadamente.
— Todo mundo gosta de mim, Aleksey — ela retrucou, com um sorriso preguiçoso. — Você só está irritado porque eu sou uma das únicas pessoas que não compra sua atuação de bom moço que se preocupa com os outros. Você sabe que comigo não precisa fingir ser nada que você não é.
— Ei, eu me preocupo com os outros. Às vezes. Se a pessoa merece. — Ele se defendeu, e esticou uma mão na direção de Morena. — Vamos começar logo essa prova ou você quer ficar discutindo enquanto elas passam na nossa frente?
Morena segurou a mão de Aleksey e ele a rodopiou num gesto largo de dança, fazendo-a parar ao seu lado. Ela não precisava explicar o padrão das notas porque era um velho conhecido dos dois – uma das músicas que era moda na corte há alguns verões, uma polka, que tinham ensaiado à exaustão nos bailes que frequentaram quando eram dois adolescentes entusiasmados. Ivan não tinha nem interesse nem coordenação motora para nenhuma dança que não fosse uma valsa, e só dançava a mais fácil delas para parecer elegante e não ser mal-educado. Para Morena, no entanto, a única coisa que tornava os bailes que participavam toleráveis era a possibilidade de gastar alguns minutos rodopiando num salão ao som de boa música. Aleksey compartilhava parcialmente de sua opinião – porque, para ele, tudo de um baile era tolerável. Era onde ele brilhava, onde fazia o que sabia fazer melhor, navegando entre os nobres fofoqueiros e guardando as informações que lhe serviriam muito bem no futuro.
Os dois sempre acabavam dançando juntos, ao ponto de praticamente conseguirem adivinhar o próximo movimento um do outro. Ivan nunca se importara em dividi-la com Aleksey, e não seria em algo que ele odiava fazer que iria começar. Ivan, inclusive, tinha dito mais de uma vez que preferia assistir aos dois cruzando o salão unidos do que tomar parte.
— Você acha que a gente precisa fazer a dança inteira? — ela perguntou, se posicionando no centro, ao lado de Aleksey. Os dois estavam olhando para a frente, no rumo onde a espiral se iniciava.
— Como assim a dança inteira? O tempo precisa ser certo, ou não vai funcionar.
— Sim, claro, mas não precisa de salto.
Aleksey olhou para ela, seus olhos parecendo pretos na penumbra.
— O quê?
— Faz um tempo que a gente não dança, e é complicado fazer as coisas mais elaboradas sem treino. A gente sempre exagera quando está dançando, podemos dançar como as pessoas normais dessa vez… — Morena começou, se atrapalhando um pouco com a intensidade do olhar do seu parceiro. — E tem a sua perna…
— Pode deixar que da minha perna cuido eu — respondeu Aleksey, sua expressão séria, desviando o olhar.
Morena ficou desconcertada mais uma vez, olhou para baixo e umedeceu os lábios. Ela não devia ficar tão irritada com a relutância dele em aceitar sua ajuda e sua preocupação, mas lá estava o sentimento novamente, e ela não sabia o que fazer com ele. Aleksey apertou a mão dela, como se percebendo seu desconforto e, quando Morena levantou os olhos novamente, perguntou com um sorriso:
— Para que passar por toda essa prova se não for da forma mais extravagante possível, Masha?
Morena balançou a cabeça, com um sorriso, e voltou a olhar para a frente. Sem precisar de uma palavra, os dois começaram a se mover, com uma mesura, antes de começarem devagar com os passos largos, um ao lado do outro, Aleksey segurando sua mão direita à frente, enquanto ela se apoiava com a esquerda no ombro dele. Com os dois juntos, a música parecia fluir perfeitamente, uma nota se encaixando na outra, e o caminho acompanhava a coreografia – logo estavam girando e saltitando, as portas se abrindo pelo caminho do túnel e se mantendo abertas para passarem. Morena se lembrou como amava aquela dança. Fazia-a se lembrar de dias quentes e de gargalhadas, da textura aveludada das mangas de Veramar e do amargo das limonadas. Era impossível não rir enquanto a dançava, e a magia parecia fluir dos passos de forma natural.
— Você acha — Aleksey perguntou em algum momento perto da metade do caminho, numa das partes menos animadas da dança, o fôlego curto e ofegante —, que Hadassa e o Golem fizeram tudo isso?
Morena gargalhou antes de Aleksey a levantar no ar novamente, a perna dele tremendo visivelmente com o esforço. Ela se segurou a ele, mordendo os lábios para não comentar nada mais uma vez, para não estragar aquele momento tão bom. Aleksey posicionou sua mão nas costas de Morena para apoiá-la para mais um passo, e ela fechou os olhos um segundo, tentando se concentrar na imagem de um gigante de pedra e de sua amiga fazendo aqueles passos, em vez do calor que irradiava em todos os lugares onde Aleksey a tinha tocado. Foi a vez dela servir de apoio para Aleksey se levantar, num dos pulos que ele se divertia tanto em fazer e, quando ele pousou novamente ao seu lado, prendeu a respiração, a dor visível em seu rosto. Ela morreria se não pudesse falar nada, mas continuou quieta, a natureza circular da dança levando-os de volta para o centro, cada vez mais perto do fim.
— Lyosha — sussurrou quando voltaram a dançar juntos, a mão do rapaz na cintura, sua mão em seus ombros, seus corpos a centímetros de distância, unidos apenas pelo mais breve dos toques. — A gente vai acabar bem no meio, onde começamos.
— Sim, eu percebi — respondeu ele, franzindo a testa. — Qual o problema?
— A gente não sabe quanto tempo as portas ficam abertas depois do fim da música, então vamos ter que correr.
Aleksey ficou pálido e tenso, mas mesmo assim não desacelerou nem errou nenhum passo da dança.
Ele era bom demais naquilo. Ninguém deveria ser assim tão bom.
— Está tudo sob controle — ele tentou reassegurá-la, sem muito sucesso. — Eu consigo dar uma corridinha.
— Lyosha…
— Que foi? Eu não estou mentindo.
— Não é isso — falou ela, olhando por cima do ombro do rapaz, para onde a última porta estava se abrindo. — Só lembra de escutar seu coração.
Morena conseguia ver a confusão em seu rosto, mas não tinha tempo para explicar: as últimas notas soavam e os últimos passos os levaram de volta para o centro, onde dois caminhos opostos se abriam, uma reta atravessando toda a espiral. Os dois encontraram seus olhares uma última vez com um agradecimento silencioso antes de se soltarem e correrem cada um para um lado para seguir a prova.
Agora, era cada um por si.
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Marina Orli e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Lavínia Rocha
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
Ilustração: Júpiter Figueiredo
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