[Continuação da Parte 1]
Ivan ajustou seus óculos, certo de que sua vista o enganava.
— Se você não consegue ver como esse tipo de comportamento incentiva a irresponsabilidade nos outros alunos, eu nem sei por que é que você está nesta escola — respondeu Grigori rispidamente, em tom professoral. — A primeira lição dessa academia é que a magia tem um preço e aquilo ali — continuou, apontando para a arena novamente, onde Morena tinha acabado de chegar nas pedras —, não vai sair de graça. Eu tolerei demais as extravagâncias desta prova, mas não tolerarei esse absurdo.
— Eu aprecio a preocupação — falou Nadiya num tom firme, mas que indicava o contrário. Tinha as mãos nos quadris, numa postura beligerante. — Mas da minha aluna, cuido eu. Nem tudo são as suas fórmulas matemáticas e seus gráficos insossos. Se Morena está fazendo aquilo, é porque ela consegue, e está ciente de seu limite.
— É por isso que nenhum de vocês chega ao aniversário de 50 anos! — esbravejou Grigori, e Nadiya suspirou audivelmente. Ivan tinha quase certeza que conseguia ouvir o revirar de olhos no suspiro. — Nenhuma Entropia passa disso. Vocês são que nem fogo de artifício, bonitos por dois segundos, e apenas para desaparecer de vista.
— Melhor morrer como uma estrela do que virar morto-vivo como você, não acha? — debochou a orientadora de Morena. — Volte para o seu lugar e pare de tumultuar nosso exame. Eu não entro na sua sala berrando como é errado usar a quantidade de tinta que vocês usam para fazer seja lá o que vocês fazem, então não venha na minha prova reclamar sobre a capacidade dos meus alunos.
O orientador dele bufou, e olhou para Ivan novamente.
— Eu não vou conseguir convencer aquela mulher insana, mas você, Ivan? Você sabe muito bem dos riscos, você não vai querer perder sua esposa por causa de uma bobagem como essa prova.
Ivan piscou algumas vezes enquanto os dois professores seguiam rumos diferentes. Ele acompanhou Grigori com o olhar até o seu orientador se acomodar ao lado do homem que trajava um casaco do Exército, gesticulando sem parar. Não havia dúvidas: era Yakov ali, ao lado do seu orientador, fingindo muito bem que se importava com o que o professor idoso falava. Estava sentado bem no meio de um grupo dos seus professores, como se fizesse parte deles. Ivan sentiu um calafrio e Yakov levantou o rosto para encará-lo ao longe, acenando de forma debochada.
Yakov tinha dito alguma coisa sobre um convite do Imperador, não tinha? O que ele estava tramando, tão próximo dos seus professores e tão amistoso assim? Havia algo de errado ali, e Ivan precisava descobrir o que era.
Por enquanto, porém, voltou o olhar para onde Morena movimentava a penúltima pedra, o controle sobre toda a magia ainda impecável. Mesmo com todo o risco que corria, ela era formidável. Eram poucas as pessoas que conseguiriam fazer aquilo, mesmo dentre o corpo docente. Talvez Aleksey, se estivesse num dia bom; talvez a própria Nadya, a orientadora de Morena. Ivan mexeu em um de seus anéis, o que ficava acima da aliança. Talvez ele também conseguisse, se tivesse tomado decisões diferentes alguns anos atrás, se sua magia não tivesse se transformado em anéis com feitiços entalhados, círculos alquímicos, feitiços costurados e equações. No entanto, poder fazer algo não significa que você deveria fazer.
O que a magia dá, a magia tira.
— Você acha que ele está certo? — perguntou Tamara com uma vozinha minúscula, lembrando demais a menininha que ele conhecera uma década atrás.
Ivan suspirou. Tamara e Morena sabiam melhor do que ninguém o preço a pagar por ser uma Alquimista. A mãe das duas vivera os últimos dias na Casa de Recuperação em Vodorod, lutando para conservar suas memórias, lutando para preservar o mínimo de lucidez, até o dia em que tudo pareceu demais para ela aguentar. Ela não tinha nem 45 anos, Tamara mal tinha completado seus 7 anos de idade. Daria Aleksandrovna também fora brilhante, assim como as duas filhas. Ela também havia sido Extraordinária – não só em título, mas em feitos.
E ela havia queimado como uma estrela, exatamente como as chamas que sua filha mais velha controlava tão bem.
— Não — mentiu ele, abraçando Tamara contra si, tentando controlar o turbilhão de sentimentos que pressionava seu peito. — Não, ele não está. Sua irmã sabe o que está fazendo.
Tamara resmungou e se aninhou contra ele como fazia quando era pequena, e Ivan sentiu uma onda de afeição gigantesca. Tamara era como a irmãzinha que ele nunca tivera, e sempre se surpreendia com a confiança que ela tinha nele, como ela o procurava para conversar e para perguntar coisas que provavelmente nunca perguntaria à irmã. Ele a vira crescer e se tornar uma adolescente brilhante, com um futuro fenomenal pela frente. Ela era uma das poucas pessoas que ele amava no mundo e ele não deixaria nada magoá-la.
E, no entanto, lá no fundo do seu peito, Ivan sabia que era provável que veria Tamara morrer antes dele. Assim como Aleksey. Assim como Morena. Ele veria a magia levar tudo o que ele amava sem poder fazer nada para impedir.
— Não se preocupe, eu não vou deixar nada de ruim acontecer com sua irmã — prometeu ele, abafando a constatação repentina que tivera, apoiando o queixo na cabeça da menina. — Nada mesmo.
— Promete?
— Sim, eu prometo.
Porque se havia algo que Ivan tinha certeza, é que faria qualquer coisa no mundo para garantir que Morena seria feliz. Nem que precisasse morrer para isso.
Continua...
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Marina Orli e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Lavínia Rocha
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
Ilustração: Júpiter Figueiredo
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