NÍNIVE
Estávamos todos sentados nas sala de jantar. Com a lareira acessa e quente, todos conversávam novamente como uma família unida e feliz. Mamãe e papai sentados lado a lado, Livia e Endrem nas duas extremidades da mesa, e eu, sentada frente a frente aos meus pais e no meio dos meus irmãos. Contava como foi o meu dia, assim seguia Endren, o meu irmão do meio, e Lívia, a minha irmã mais velha. Papai e mamãe sempre contavam sobre o dia e faziam algumas piadas. Eles são tão divertidos juntos . Somos tão felizes e...
"Cena perfeito demais, tenho quase certeza de que algo esta errado. Muito errado."
Pensei comigo mesma enquanto ouvia o irritante barulho do despertador. Sempre no mesmo ritmo de "bip,bip" escandalosos e...
- Meu Deus, O DESPERTADOR!!
Sai da cama num pulo, cai de joelhos no tapete. O relógio marcava 7:25.
- Minhas aulas começam 7:30!
Corro até o banheiro e me apronto as pressas: Desodorante, camisa, relógio e tênis calçados. Pego a bolsa e desço as escadas quase que voando. Chaves em mãos prestes a abrir a porta, quando... sinto que falta alguma coisa. Sinto que falta eu me despedir da minha família mas, não estão mais aqui para isso.
- Não vou olhar, não devo...
Sem chances de evitar, meus olhos se viram lentamente da porta para a sala de jantar, sonhada mais cedo. Vazia.
"Não, não! Estamos atrasadas, preciso correr e chegar no limite de espera."
Pensei engasgada com a saudades. Corro o mais rápido que meus pulmões conseguem aguentar, passando pelas mais variadas lojas da cidade pequena.
Campo de Bussolas é uma ilha perfeita para os idosos. Só há sete cidades em nossa ilha, todas com uma variedade imensa de fauna. Mercados diversos, feirinhas de legumes, artigos e bujigangas, a maioria das pessoas são conhecidas e temos muitos guardas na rua. Uma praia limpa o suficiente para se banhar, estradas estradas calçadas de pedra. E o mar. Ah! O mar. Amo o verde e azul que se misturam com as ondas, a espuma do mar que arde nossos olhos.
"Como tenho sorte de morar num lugar desses, é um paraíso."
Penso distraída que, por alguns segundos, esqueço totalmente do atraso.
- Nínive, querida! - olho para a senhora que me chama, solto um guincho ao perceber que um carro vinha em minha direção e pulo para a calçada.
- B-Bom dia, Dona Maria. - Disse arfando a senhorinha.
- Nínive, sua menina levada. Esta matando as primeiras aulas, é?!
- Claro que não Dona Maria, só acordei extremamente atrasada e...
Confiro meu relógio. 7:40.
"Cassilda, cassilda, cassilda."
- Dona Maria, preciso interromper a nossa conversa e correr. Obrigada pelo aviso do carro e até mais tarde. Tchau, se cuida!!
Falei alto o suficiente para a senhorinha ouvir, enquanto prosseguia com o meu maior inimigo. O Exercício físico.
"Não é atoa que estou um pouco além do peso, parei de correr depois que mamãe e papai..."
Estanquei o pensamento antes de finalizar. Sabia que sentiria saudades e chegaria na escola atrasada e de nariz e bochechas vermelhas pelo choro. Mas não tinha culpa, eles haviam me deixado só a algumas semanas atrás novamente. Continuo correndo.
" Meu pancreas dói, e muito. Socorro, realmente acho que vou morrer!!"
Pensava segundos antes de chegar na portão da escola. Aos tropeços da minha corrida torta pelo corredor principal, estava quase alcançando a porta da sala de aula, quando:
- NÍNIVE!??
Viro minha a cabeça com tudo, perdendo completamente a visão do meu destinho.
- Marci...
BLUMM!!
"Ai, ai meu rostinho..."
Não consigo acreditar, eu bati a cara na porta!?
Sentia meu rosto latejar e o gosto do sangue se misturava na boca.
"Essa pancada vai dar uns roxos horriveis. Aí!"
- Nínive!! Você esta louca ou bêbada o suficiente para não enxergar a porta? -Comentou Marcinha, rindo enquanto me ajudava a levantar- Só você mesma...
- Ora essa Marcinha, não é hora de me zoar. Alias, obrigada por me fazer bater na porta. - Disse em um tom apressado- Temos que ir para a sala antes que eu leve outra bronca por atraso e... O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO FORA DA SALA!?
Marcinha faz uma expressão de confusa, e logo explica:
- Nínive, hoje a aula começa as 8:00. E aproveitei para ajeitar umas coisas no clube.- Erguendo a sobrancelha e chegando mais perto com um maldito projeto de riso, completou- Não me diga que você veio correndo igual uma louc novamente, hein?- Marcinha explodiu em algum tipo de gargalhada maldosa- Da ultima vez que você fez isso me perguntaram se minha amiga viu um wendigo ou se só estava muito louca.
- Ae, pare de brincadeiras. Vamos logo a enfermaria que essa topada com a porta está me custando sangue.
Saindo da enfermaria com a companhia da Marcinha, senti meu celular vibrar. O procuro na bolsa ansiosa.
" Sera que é ela, sera que é ela!!?".
Na tela no celular, o contato que me ligava era...
- Alô, mãe!? Tudo bem?? - Falei com um sorriso de orelha a orelha.
- Filha!! Oi meu amor, estou bem sim. Vejo que você também, né?
- Ai mãe, com muitas saudades de você e do papai...
- A minha querida, não precisa. Em alguns meses estamos de volta, talvez não esse ano, mas em abril do ano que vem. Não se preocupe. Podemos passar um feriado ai com você e seu irmão esse ano ainda.
- A Lívia vem também? Posso falar com o papai e com ela??
- Eles estão no laboratório agora querida...
- Ok... Mas então, como vão as pesquisas dos corais?? Ja acharam alguma substancia nova?
-Ainda não. Mas estamos evoluindo muito e eu.....*chiado de um funcionário*.... Querida? Desculpe interromper assim nossa conversa. Precisam do meu suporte como gerente no laboratório13. Preciso desligar. Fica esperta que eu ligo de noite, hein? Até, beijos. Te amo muito.
- Até, mãe... Também te amo...
*PIB...PIB...PIB*
Marcinha me abraçou a me levou até a sala de aula, ela sabia o quanto era ligada a minha família e o quanto detestava ficar assim, longe deles. Mudamos de assunto até o início da aula.
☆☆☆ ☆☆☆
Podíamos ficar dias sem conversar, mas nada mudava, nem mesmo uma única piada. Marcinha era única, sua personalidade atrevida e esperta. Tinha cabelos longos e cacheados, completamente negros, olhos bem acentuados e castanhos. Com lábios grossos, juntamente com seu nariz e pele de descendência afro. "Mãos de atriz", era o que eu chamava suas unhas, sempre com esmaltes chamativod e detalhes bem feitos. Gostava quando Marcinha ia em casa, pois ela sempre pegava o potinho de nescau no armário mais alto, já que ela alcançava quase tudo com seus 1,78 de altura. Ela tinha uma pegada rock misturado com indie, a famosa indecisão do adolescente- por que ter um estilo se posso misturar três logo de uma vez- gostava de roupas pretas e misturava todo tipo de acessórios coloridos. Presilhas de cabelo, onde Marcinha vai, 15 presilhas acompanham ela.
Enquanto eu, gostava mais do natural, cores pastéis, cores terra. Cabelo sempre preso num rabo ou coque. Amava vestidos floridos e calças jeans largas, um musical com batidas leves, o som de um unkulele já me satisfazia. Eu era branquela que só. Bochechas rosadas e olhos mais puxados. Cabelos lisos emoldurado por leves ondulações. Mãos pequenas juntamente com os pés, não que fosse pequena, mas não da para fazer muitas coisas com 1,60 de altura.
Marcinha, minha amiga, minha amiga inseparável. Era muito bom ter alguém de confiança, a melhor sensação do mundo é ser privilegiada de ter um porto seguro, de sentir que no final do dia, terá alguém para te abraçar e falar "vai ficar tudo bem". Essa era nossa amizade, a confiança uma na outra construída desde de crianças. Nada vai nos abalar.
☆☆☆ ☆☆☆
Fim das aulas, hora do clube de vida marinha. Essa hora significa "hora de botar a mão na masssa"
O clube de vida marinha, por mais que seja adminiatrado por nos estudantes, é de grande responsabilidade e trabalho pesado. Precisamos coletar animais marinhos machucados e redirecionar para as autoridades, e quando está ao nosso alcance, tratar deles. Somos responsáveis pela limpeza das praias e praças, qualidade do chafariz da pracinha e entre outras coisas que envolvem água e bichos. Hoje, temos alguns peixes em tratamento e o nosso querido polvo.
- Certo, o que vamos fazer hoje com os participantes do clube? Alguma caça a peixinhos vermelhos? Ou libertar o polvo que já esta curado da bolsa de tinta a tanto tempo que já recebeu um nome e você ainda se recusa a deixar ele ir? - Comentou Marcinha, esperando minha reação dramática.
- O Dirceu nãoo, ele é o nosso mascote, não quero que ele vá embora. - Disse baixinho massageando a bochecha arroxeada.
- É necessário, Nínive. Nós assinamos termos com a diretoria de ser contra o cativeiro permanente de qualquer animal não criado em cativeiro.
Marcinha disse franzindo o cenho
- humm, eu não quero - disse fazendo biquinho - vamos falar com a diretoria se ele não pode ficar só mais um pouco, por favor!
-Eles vão dissolver o clube, teimosa. Vamos logo e soltar o bicho.
Concordei fazendo cara de choro.
Chegando ao clube, dei as orientações de como seria o procedimento da devolução do octópode. Levariamos minha câmera para gravar a partida do nossa querido mascote-quero dizer- nosso querido animal silvestre marinho, um balde cheio d' água e luvas.
Marcinha voltou com o papel da autorização. Tudo pronto.
Caminhamos por mais ou menos vinte minutos, chegando a uma borda da praia próxima a minha casa, tinha uma pequena mata com coqueiros e arbustinhos logo atrás de nós, mais a dentro dos arbustos se encontrava uma escada, que subindo alguns lances- mais exatamente três lances de escada mais torturosos que você já viu na vida- chegava a porta de trás da minha moradia.
Comecei a gravação informando o dia, e o que estava ocorrendo, mostrando as boas condições do animalzinho. Nosso grupo de nove pessoas, todas sentidas com a partida de Dirceu-" Marcinha: na verdade era só a Ninive que está a de chorumelas"- Ainda filmando, observei ele desaparecer na água cristalina.
"Adeus Dirceu, sentirei saudades..."
Logo mais a frente percebi um movimento estranho na água, parecia ser um peixe enorme com uma calda imensa e alaranjada, não conseguia discernir muito bem mas aquilo era:
- han? Um dedo!?
Marcinha estreitou os olhos logo atrás de mim, e disse:
- Horas bolas , mulher. Pare de olhar para o nada.
Me virei e assenti ainda com o rosto enrugado de dúvida. Não sabia por que aquele acontecimento de puro delírio me despertou tanto interesse. Passei o caminho todo de volta a escola pensando naquilo.
"Ótimo, tracei um plano. Voltarei lá sem que ninguém me perturbe, ainda hoje. Eu acho..."
Chegamos dez minutos atrasados para a reunião, informada mais cedo. A supervisora nos lançava um olhar mortal de cima do palco. Engolimos em seco. Após muitos minutos de palestras e concelhos aos jovens fomos liberados. Perfeito, agora só basta me despedir do grupo e correr, mas sabia que Marcinha ia me parar com alguma proposta de andarmos na praia mais tarde, decidi sair escondida e correr direto para aquele pedaço de praia, e ficaria o máximo de tempo possível lá, já que ninguém me esperava em casa mesmo...
Eu morava só, desde os 15 anos, foi difícil me acostumar a fazer as coisas em casa sem os meus pais e irmãos, mas estava dando conta. Bem, na família quem morava na mesma cidade era o meu irmão, já casado com uma das funcionárias locais do laboratórioda minha mãe, não queria morar com eles, a final, que tipo de adolescente não dwseja uma casinha só para você?
Mas ainda assim Endrem me dava bastante atenção indo passar o dia lá em casa ou me convidando para passar uma ou duas noites com ele e minha cunhada. Connie não era flor que se cheirasse, mas nunca foi má comigo, era uma mulher forte e objetiva, a achava incrível pelo modo como dirigia a sua vida com tanta maturidade e responsabilidade.
"Um dia serei igual a ela... Não terei medo de mais nada, vou ser finalmente forte"
Refletia enquanto apertava o passo até as dunas de areia do lugar onde vi o suposto dedo. De longe, já sentia um forte cheiro de peixe, quando cheguei mais perto, quase caí para trás; uma nuvem de odor fortíssima veio ao meu encontro, talvez o que havia gravado era um peixe grande. Estava ali, na praia, com os pés sendo ocasionalmente molhados pelas ondas que ousavam avançar mais que as outras, a folhagem atrás de mim hora ou outra reproduziam o som do vento, passei os olhos atentamente pelos arbustos e árvores mais baixas, sou uma medrosa em potencial, não gosto de fazer esse tipo de coisa arriscada, mas já estava ali só me restava continuar e procurar o que tanto me intrigou. Aquele matagal parecia suspeito.
Respirei fundo e:
"1, 2 e 3!"
Me enfio no mato e começo a procura, uso o flash do meu celular para olhar atrás das grandes pedras e arbustinhos. A sensação de estar ali, sozinha e indefesa é péssima, parece que a qualquer momento pode chegar por trás uma pessoa má. Sinto meus batimentos cardíacos nas pontas dos dedos, meus joelhos tremem um pouco, mas contínuo forte, preciso superar tudo isso.
Pego minha câmera e começo a repassar várias vezes a filmagem do dedo, prestei atenção em cada detalhe, ainda não conseguia acreditar no que via, procurava o lugar do video mais parecido possível com os olhos. Nada ainda. Distraída não percebi na hora os estralos de galhos, se quebrando logo atrás de mim.
"Ew, o cheiro parece cada vez pior"
Pensei, fazendo cara feia.
Me contentei com a ideia de os barulhos serem de algum lagarto ou gato do mato.
Procurei pela água alguma pista do que vi no vídeo, continuei o repassando. Minha cabeça não parava de criar paranoias.
"Mas preciso me manter forte, cale-se cabeça"
Olhando para a outra parte da praia mais a frente, notei uma patrulha de lanterninhas. Achei estranho a essa hora, a praia estar sendo patrulada, ainda eram oito horas. Arregalando os olhos, falei baixinho:
- Meu Deus...
As paranoias e delírios tomaram conta da minha mente:
" Um fugitivo, um assassino... PRECISO GRITSR POR AJUDA!!"
Uma respiração forte sugiu logo atrás de mim, eu não conseguia correr, não conseguia mexer um dedo.
" Corra corpo, CORRA!!"
Estava pronta para gritar, abri a boca e...
Até que o esperado aconteceu, num único bote suas mãos frias e sujas de areia taparam a minha boca enquanto a outra envolvia meu tórax junto com meus braços, fazendo um barulho opáco e abafado ao cairmos no chão, rolando para trás de alguns coqueiros ocultando nossa presença, descobri de onde vinha o forte odor de peixe.
- Você... você fede a peixe!
Tentei dizer enquanto o sujeito tentava abafar minha voz.
Me debatia ao máximo, não conseguia pensar em nada além de fugir. Ao me acostumar com a visão do escuro finalmente enxerquei a minha saída, a escada de madeira logo a frente que dava perto na porta de casa.
" Ótimo, perfeito, ele esta quase cedendo, eu só preciso...só preciso..."
- Por favor, pare de se mexer. Eu sei que esta assustada, mas eles não podem saber que eu estou aqui. Por favor pare... Eu também quero... Eu também quero viver!!
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