Todos na sala ficaram sem reação. O conteúdo da gravação foi difícil de digerir. Ronald, em especial, ruminava sobre uma parte específica do relato da garota; de repente, veio à sua mente a imagem de sua esposa encarando-o no dia de sua morte. Lembrou-se em seguida do pesadelo que vinha tendo há alguns dias.
– Aqueles olhos... – sussurrou.
Larry pareceu notar o comentário do colega.
– Pois é... foi tanta coisa estranha que nem sei por onde começar.
– É muita coisa para pensar... – comentou Rudy.
– De qualquer forma, comentaremos com mais detalhes, ao final de tudo. Há uma coisa sobre esse caso em específico que gostaria de mostrá-los, depois que ouvirmos a próxima gravação. Se ninguém tiver mais nada importante para acrescentar... – contudo, ninguém respondeu. – Certo, então vamos lá. A próxima gravação é do caso de Benjamin Brian, um homem de 40 anos. O relato veio de sua esposa. – ao terminar de falar, Larry tocou a gravação.
“– Senhora Brian, certo? Como era o seu marido? Você imaginava que ele pudesse fazer algo do tipo?” A voz era de Mary, a mulher ruiva que estava na equipe.
“– De jeito nenhum! Benjamin não era a pessoa mais bem humorada do mundo, mas era tranquilo. Eu raramente o via triste e irritado. Era um homem apegado à vida e adorava sair de casa, tanto que havíamos passado, em uma pousada, o fim de semana anterior à fatalidade.”
“– Entendo. Pode me contar mais sobre como ele estava um pouco antes do ocorrido?”
“– Bom, ele só começou a agir de modo estranho um dia antes. Eu havia acabado de chegar do trabalho e, como de costume, fui avisá-lo; mas não ouvi resposta alguma. Fui até a sala para ver onde ele estava e o que estava fazendo; vi-o sentado na poltrona, em frente à televisão; quando fui dizer-lhe que tinha chegado, ouvi-o falando algo estranho...”
“– Se a senhora puder, gostaria que detalhasse as coisas estranhas que ele falou”
“– Bem, ele disse algo como ‘O mundo acabou’. Não entendi o que quis dizer e pedi para repetir, e então ele começou a falar coisas como ‘Eu vejo... Ele me mostrou... ’; pensei que ele estivesse bêbado. Fui até a frente da poltrona para ver como ele estava e... bem… vi uma cena perturbadora...” – A voz da mulher deixou escapar traços de medo.
“– Ele estava com uma cara horrível. Era uma expressão difícil de descrever... Era como se... ele tivesse visto algo extremamente macabro...” – sua voz tornou-se trêmula nas últimas palavras.
“–Depois ele começou a repetir umas coisas estranhas, uma espécie de cantiga; não sei ao certo.”
“– Ah, sim. A senhora lembra-se dessa cantiga? Consegue repeti-la?”
“– Ele repetiu-a tantas vezes, que a acabei gravando quase inteira. Ela dizia algo como...” A mulher começou a repetir o poema.
Todos naquela sala ficaram perplexos. Parecia algo ilógico e ao mesmo tempo macabro; contudo, atentaram-se a algumas palavras e frases citadas no poema, tais como “Ele sabe toda a verdade”; “A ferida no mundo jamais se curará”; “O cenário do fim” e, finalmente, o nome “Apodítico”.
Após a mulher terminar de recitar o poema, seguiu-se, na gravação, um silêncio de aproximadamente 10 segundos.
“– Não julgo a senhora por ter se assustado com isso. De todo modo, só mais uma coisa: a senhora viu-o, nos últimos dias, em contato com alguém que você não conhece?
“– Não. Ninguém.”
“– Entendi. Muito obrigada pelo relato. Prometo que faremos o possível para resolver o caso.”
A gravação terminou.
Novamente a quietude pairou no local, por um momento.
– Se já acharam sinistro agora, imaginem eu, que tive que receber esse relato pessoalmente – Comentou Mary.
– Eu nem sei o que dizer. As pessoas que entrevistei também disseram coisas estranhas, mas nada nesse nível – Edmund, uma das pessoas ali presente, declarou.
– Antes de prosseguirmos com o restante das fitas, o que eu disse antes... – enquanto dizia aquilo, Larry levantou-se de sua cadeira e foi até uma pequena estante encostada na parede da sala e retirou um caderno dela; voltou ao seu assento em seguida, abriu o caderno e começou a procurar alguma coisa. – Vejamos... Achei. Deem uma olhada nisso – Ao dizê-lo, passou o caderno para Rudolf, que estava ao pé de si. O caderno foi passado de um a um, para que todos o lessem. Larry retornou, e eles ficaram confusos a princípio.
– Esse é o texto estranho que o senhor Brian recitou antes de morrer, certo? O que tem nisso? – indagou Rudolf.
– Acontece, meu caro Rudolf, que apesar dos pais de Hebert Nelson não terem aceitado a entrevista, permitiram que eu vasculhasse seu quarto em busca de alguma coisa que nos ajudasse no caso; foi lá que encontrei isso. É apenas o caderno que Hebert usava na escola. Fiz algumas pesquisas para o caso e tentei pesquisar sobre esse texto, mas não encontrei nada. Pensei que poderia ter sido um dos dois quem o escreveu; mas, como não havia relação alguma entre eles, a chance disso é praticamente nula.
– De onde será que veio esse texto? – Rudy fez uma pergunta retórica.
– Também gostaria de saber. Bom, essa é mais uma prova irrefutável de que ambos os casos estão conectados. Alguém quer falar mais alguma coisa? – todos permaneceram em silêncio. – Certo, vamos para a próxima gravação.
As outras gravações foram pouco surpreendentes, comparadas às duas primeiras. Os relatos assemelhavam-se: pessoas falando coisas estranhas que se pareciam com as que Hebert e Brian disseram. Uma das vítimas também mencionou um pequeno trecho do misterioso texto, mas nada que acrescentasse muito ao caso. Ao final de tudo, muitas dúvidas permaneceram.
– Bom, terminamos. – disse Larry ao fim da última gravação. – Perdoem-me pelo que vou dizer, mas, por enquanto, tudo isso está uma palhaçada. – declarou.
– É muito difícil de engolir! Em todos os meus anos de carreira, nunca vi nada parecido! – comentou Rudy, ainda incrédulo pelo que acabara de ouvir.
– Parece coisa de outro mundo – acrescentou Jorge, o último do grupo.
– Esse não é o pior. Dentre todas as pesquisas que fiz, não consigo achar nada. Não há uma única informação útil sobre esse tal Apodítico, na internet. Sequer consigo traçar um padrão em suas vítimas; com algumas poucas exceções, nenhuma delas tinha algum relacionamento com outra. Não há padrões de sexo, idade, raça, religião, parentesco, nada. A maior parte das vítimas é jovem, mas também há pessoas mais velhas. Antes do ocorrido, nenhum deles parecia ter tido contato com algum estranho. Também tentamos procurar nas redes sociais, mas não achamos nenhum sinal de como sequer contataram esse tal Apodítico. – Larry confessou com frustração.
– Céus! Não podemos ter certeza de nada! – comentou Ronald com indignação.
– Por enquanto, só podemos ter uma certeza – Larry pausou por alguns segundos e prosseguiu, exalando aflição – Ninguém está seguro dessa coisa.
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