Ishtar apenas acenou com a cabeça, confusa:
- Mas precisamos ir para outro lugar.- o outro gentilmente pegou a mão de Ishtar.
Ela perguntou o porquê, mas ele não respondeu, apenas a guiou para fora de casa. Os dois passaram pela estrada de terra que atravessava o vilarejo, andaram pelo grande pasto onde os irmãos de Ishtar, Malko e Yadgar, pastoreavam cabras e bodes.
O Sol ainda se encontrava no céu quando os dois se afastaram do vilarejo, Ishtar olhou para trás e viu as casas ficando cada vez menores à medida em que subiram um morro:
- Samyaza, aonde estamos indo exatamente? - ela segurou firme em seu lenço na cabeça assim que o vento começou a soprar mais forte.
- Estamos quase lá. - disse sem se cansar.
Ishtar começou a se irritar com a situação, o que Samyaza queria com aquilo? Seria algo tão importante a ponto de que ninguém poderia ver ou ouvir?
O vento soprou forte e fez o lenço de Ishtar voar de sua cabeça e ir para os ares:
- Meu lenço! - a mulher exclamou enquanto tentava recuperá-lo. Era curioso que ela já havia passado por essa mesma situação, que foi quando ela conheceu Samyaza.
Ishtar ergueu seu braço o mais alto que podia e agarrou o pedaço de pano. Vitoriosa, ela se virou para continuar seu caminho:
- Samyaza? - olhou para os lados e não o encontrou. Ele sumiu.
Ela olhava para todas as direções, mas não conseguia encontrá-lo, gritou seu nome o mais alto que podia e nenhuma resposta.
Desacreditada, Ishtar sentou-se em uma pedra e esperou enquanto o vento bagunçava seu cabelo, tentando roubar seu lenço novamente:
- Vento maldito! - ela xingou e segurou seu lenço com mais força ainda; se arrependendo profundamente de ter seguido Samyaza, pelo menos ela sabia o caminho de volta.
Ishtar olhou a paisagem diante dela, as planícies cobertas de arbustos e os morros que se erguiam em sua volta, e não muito longe dali era possível ver o Rio Eufrates. Lá estava sua cidade, Ishtar morou sua vida inteira lá; só o fato de que ela nunca teria oportunidade de conhecer outros lugares fez ela suspirar de melancolia.
Estava tudo em silêncio até então, quando Ishtar ouviu sussurros, os mesmos sussurros que assombravam seus sonhos, mas dessa vez pareciam chamar por ela. Ishtar andou contra o vento até o topo do morro na esperança de encontrar Samyaza.
As nuvens cobriram o Sol, e tudo ficou escuro por um momento, o vento havia parado:
- Ishtar… - uma voz distante chamou.
- Aqui estou eu. - ela respondeu, tentando encontrar a origem da voz.
Os sussurros continuaram, o que parecia muito com os sonhos de Ishtar.
Quando as nuvens finalmente saíram da frente do Sol, uma luz intensa iluminou o topo do morro e Ishtar cobriu os olhos. Quando ela olhou para frente, viu aquela mesma criatura de seus sonhos descer dos céus:
- Por favor, não tema! - disse, o que não adiantou, pois Ishtar estava aterrorizada.
A criatura possuía a forma de um humano, porém com dois pares de asas saindo de suas costas, e uma luz intensa emitindo de sua cabeça, como uma estrela. Aquela voz era estranhamente semelhante à de Samyaza:
- O que quer de mim? O que fez com Samyaza? - Ishtar exclamou.
- Ishtar, sou eu. - o ente alado se aproximou da mulher, revelando seu rosto, o que fez Ishtar paralisar.
Era Samyaza, seus cabelos balançavam com o vento e seus olhos brilhavam assim como sua auréola. Ele vestia uma túnica branca e um manto rosa escuro. Aquela visão era simplesmente inexplicável.
Ishtar se questionou se estava sonhando, ou se estava enlouquecendo, ela sentiu sua mente se revirar e o mundo em sua volta girava e tremia:
- Samyaza? - ela disse com lágrimas nos olhos.
- Não havia outra maneira de te explicar isso, a não ser te mostrando. - ele estendeu a mão.
Ishtar segurou a mão dele, que era fogo, mas ela não se queimou. Era um toque gentil e acolhedor, de certa forma ela conseguia identificar Samyaza:
- Quem é você? - ela soluçou.
Samyaza se aproximou mais, ele segurou o rosto de Ishtar e beijou sua testa. E foi então que ela viu, em um choque de realidade ela viu tudo acontecer diante dela.
Viu as folhas das árvores balançarem com o vento e as águas do rio, viu os pássaros levantando voo e as cabras no pasto, viu as pessoas conversando e vivendo suas vidas. Ishtar viu cidades se erguerem e caírem, viu o céu se estender diante dela, a lua, o Sol e a imensidão de estrelas espalhadas pelo universo.
Ela admirou tudo aquilo sem dizer uma palavra:
- Eu venho de outro lugar no universo. Um lugar cheio de beleza e maravilhas. - o anjo então mostrou sua casa.
Ishtar visualizou um lugar cheio de plantas e animais que ela nunca viu antes, a água era cristalina e com pedras preciosas de todas as cores sendo levadas pela correnteza. Ela via aquelas mesmas criaturas de seus sonhos voando pelo céu, mas desta vez elas não traziam medo:
- Eu sou um anjo, um mensageiro de Yahweh, e assim como eu, existem muitos outros espalhados por aí. - Samyaza apontou para outras figuras humanas aladas com luz em suas cabeças.
Que lugar era aquele? Quem era Yahweh? Para que serviam os anjos? Essas eram perguntas que rondavam a mente de Ishtar:
- Eu não entendo. - a mulher disse após ter aquela visão.
- Não precisa entender, apenas sentir. - o outro disse.
Ishtar deixou o abraço de Samyaza e se virou, refletindo no que acabou de presenciar:
- Eu devo estar enlouquecendo, estou alucinando. - ela disse enquanto passava as mãos pelo cabelo.
Ela voltou para Samyaza e levou suas mãos até o rosto dele, sentindo o calor que ele emitia:
- É real, você está realmente aqui. - ela suspirou e apenas sentou-se no chão, precisava de tempo para processar toda aquela informação.
Samyaza entendeu a situação e apenas a deixou. Se passaram horas até que Ishtar finalmente descesse do topo do morro até sua cidade. Quando chegou em casa, o Sol já estava se pondo no horizonte.
Quando se preparou para dormir, deitou-se e fechou os olhos; e daquela vez não teve pesadelo algum, apenas sentiu o gentil abraço da noite e o sono veio sem perturbá-la.
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