Não consegui voltar para a sala de aula como pretendia. Estava exatamente no lugar onde tinha encontrado Shame no dia anterior, perto da quadra. Parei em frente ao banco de madeira que sempre ficávamos conversando, contudo, não conseguia me sentar. Apenas me apoiava na parede tentando raciocinar. Será que eu estou louca? Não. Loucos nunca pensam que estão ficando loucos. Fiquei imóvel até que Shame apareceu.
— Kat, você está bem? — o garoto perguntou, de forma preocupada. Não vi ele chegando. Honestamente, acho que não vi nada nos últimos minutos.
Perdi o controle. Me joguei nele e nem evitei chorar.
— Por favor, me ajuda! – Implorei. – Só me ajuda. Eu não sei se eu estou acordada ou se tem alguma coisa errada acontecendo comigo.
— Calma Katrin – disse ele, me guiando para sentar no banco. – Você estava bem até agora. O que aconteceu contigo, baixinha ?
— Eu vi... – Não conseguia falar direito. – Eu acho que vi um bruxo.
Ele pareceu assustado. Mas eu conseguia ver que não era a preocupação que eu queria.
— Um bruxo?
— Sim… — Comecei a me desesperar. — Acredita em mim, por favor! É só isso que eu estou te pedindo, Shame. Acredita em mim.
— Kat, eu…
Ele parecia desnorteado e incrédulo. Eu não aguentava mais aquela realidade. Irritada, me levantei e corri dali, sem nem esperar qualquer resposta dele. Não queria ver um rosto que não acreditasse nas minhas palavras.
Minha ideia não foi tão boa assim.
Me deparei com todos os alunos me encarando. Vendo eu chorando e correndo. Parei no meio do pátio, completamente desesperançosa. Todos começaram a se aproximar de mim, para tentar me ajudar de alguma forma. De repente, Vicent chegou por trás, me assustando ao pegar em meu braço. Me afastei rapidamente, como um impulso, mas sabia que ele só queria me ajudar. Me reaproximei. Não demorou para que Rossane também aparecesse do nada, indo para frente do grupo de pessoas que me encarava, e gritasse, grosseiramente:
— Nada pra ver aqui! Vão cuidar da vida de vocês!
— Katrin, o que aconteceu? — indagou Vicent, preocupado.
— Eu vi um bruxo – sussurrei, sem medo de ser julgada. O terror era maior do que isso naquele momento. – Eu tenho certeza desta vez — o encarei.
Infelizmente, um dos alunos também escutou.
— Ai, a Katrin anda vendo o Harry Potter de novo! — gritou. — A louca voltou!
Algumas pessoas riram. O julgamento pela multidão era evidente.
— Parem de ser babacas – exclamavam alguns, me defendendo.
— Vocês são muito idiotas! — Berravam outros, talvez para me defender, talvez para defenderem a si mesmos. Mas, é claro que xingamentos e hormônios não são uma boa combinação. Ainda mais quando se juntam no pátio de um colégio com alunos do ensino médio. Uma roda começou a se formar e as pessoas ficaram agitadas. Algumas entrando em conflito verbal intenso.
— Se afastem dela – gritou Rossane. – Isso daqui não é um show pra vocês.
— Katrin, por favor – disse Shame, se aproximando de mim. – Explica melhor o que você viu, por favor.
Não aguentei.
Corri. Corri de todos eles e não só isso: fugi da escola. Me afastei daquela gaiola, para longe da tempestade esperando um guarda-chuva que parecia que nunca iria chegar.
Passei a manhã no sofá. Meu rosto já tinha sido devidamente hidratado pelas minhas lágrimas e, como forma de consolo, tomei café porque me lembrava o cheiro do meu pai. Ele bebia tanto café que tinha adquirido a fragrância dos grãos. Apesar de ser uma pessoa maravilhosa, ele trabalha demais e quase nunca está em casa.
Não sei como tive coragem de ficar na minha sala. Talvez porque, de certa forma, nada fazia sentido e eu queria provar para mim mesma que tudo isso era apenas um sonho ruim. Caso contrário, só tinha uma explicação possível: paranoia. Mas também não estava ligando para mais nada. De repente, minha porta se abriu. Era Shame todo desesperado. Como sua bicicleta estava no meu quintal desde o café, o garoto deve ter corrido do colégio até aqui. Ele parecia aliviado em me ver. Mesmo assim já era meio tarde. Não demorou muito para que ele se explicasse:
— Desculpa não vir aqui direto. – Ele parecia nervoso. – Eu estava procurando as palavras certas… — Não dei bola. Apenas observei ele fechando a porta e adentrando a sala, um pouco pensativo. — Você precisa saber que eu acredito em você.
Aquilo mexeu comigo.
— Como é?
— Isso que você ouviu! – Ele parecia meio emocionado. – Eu acredito em tudo que você viu e ouviu, baixinha.
— Mesmo? — Alguma coisa me dizia que ele estava mentindo ou, pelo menos, escondendo algum julgamento. Mas não conseguia evitar me deixar levar por aquilo. Não importava porque ele era a melhor pessoa que eu já tinha conhecido nessa cidade.
— Vamos fugir amanhã daquela escola. Dessa casa – sugeriu. – Vamos para um lugar onde essa coisa não te persiga.
— O que você está dizendo, Shame? Como isso pode funcionar? – indaguei.
— Só tem uma forma de descobrirmos, Kat. Vamos sair daqui o quanto antes!
Um “sim, vamos agora” entalou na minha garganta. Não porque eu estava indecisa. Estava muito abalada para ter cabeça para procurar outra solução. Ele havia me oferecido a única coisa que queria: fugir. Mas a resposta não saiu por causa do calafrio que senti, escutando aquela voz maligna, como uma brisa, no meu ouvido:
— Fugir não vai te proteger.
Comecei a tremer. Shame parecia ter escutado também e, antes que fizesse alguma coisa, a porta se abriu. De repente, um braço surgiu e o agarrou pela cabeça, o puxando violentamente para fora. Em seguida, a porta bateu com força enquanto o bruxo surgia na minha frente, com seus olhos vermelhos brilhantes. Senti aquele mesmo calor de antes, contudo, muito mais forte. Uma luz brilhava vinda de trás de mim. Derramava meu café, já gelado, em mim mesma enquanto sentia minha sanidade escapar pelos meus dedos. A criatura se aproximou de mim, contente, me desejando “bons sonhos” da forma mais sádica possível. Eu apaguei dali em diante.
Acordei em desespero e olhei ao meu redor, assustada.
Não demorei muito para começar a chorar.
Chorava perante um novo dia. Chorava vendo minha sala arrumada. Chorava naquela manhã ainda mais fria que o dia anterior sem saber se o que eu vivi era real ou apenas um sonho.
Inquisição é uma obra literária de fantasia científica que constrói um gigantesco universo mágico, tijolo à tijolo, sob a ótica da ciência moderna.Do romance à ação, da comédia à tragédia, “Inquisição: O Teorema Perdido de Fermat” é o primeiro volume da série e narra como uma instituição ousou se colocar entre a humanidade e o fim dos tempos.
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