O que outrora era um majestoso palácio agora são apenas ruínas.
As águas revoltas do mar Tropos batiam no penhasco da construção abandonada. Odilon estava calado; pensava se entregar a feiticeira seria a coisa certa a fazer. Não tinha muito tempo para pensar, pois o prazo estava se esgotando.
“Breve estaremos juntos.”, pensou Odilon. “Papai vai te resgatar.” Para ele Sotrel era a única coisa que lhe restava, a única pessoa por quem valia a pena fazer tais esforços.
– Você esta preparado? – Disse Polipedes. – Depois que acionarmos esse portal não terá mais volta.
Odilon suspirou e disse:
– Temos outra escolha?
– Não.
– Então vamos prosseguir.
Polipedes estava acorrentada, a corrente era segurada por Odilon, que a tinha presa como um cachorro na coleira.
A feiticeira, ativou o antigo sistema de sinalização dos gigantes de gelo. Um barulho foi ouvido. Odilon se assustou com o som de trombeta que ecoo pela sala.
Um portal circular formado por diversos tons de azul se formou no meio do salão. Alguns moveis caíram no chão com o tremor que se sucedeu após a saída de um grande homem do portal. “Onde está a menina.”, pensou o príncipe. O lugar ficou mais frio do que era de costume, provocando uma crise alérgica em Polipedes, que começou a tossir.
– Ora, desde quando tem alergia ao frio, Yavel? – O homem aparentava ter trinta anos, porém tinha mais de oitocentos. Suas marcas azuis brilhavam intensamente no escuro salão. – Vejo que realmente perdeu sua essência.
– Não sei de quem tu falas. Onde está a garota? – Polipedes tossia constantemente. Sua respiração começou a ficar comprometida.
– Está em um lugar seguro.
– Entregue-a. – Disse Odilon.
– Cale a boca! – Gritou. – Cale-se, tornou a repetir suavemente. – Você não está em condições de exigir nada.
– De a filha dele. Agora!
– Ainda não é o momento. Ainda não. – Bantar deslizou seus dedos sobre seu antigo trono. Estava empoeirado. Esfregou os dedos, tentando limpar-los. Lançou um olhar duvidoso para Polipedes. – Onde está seu colar?
– Eu… – A feiticeira não soube responder. Tossiu e inventou uma desculpa. – eu perdi.
– Sabe Odilon, lhe ordenei uma tarefa muito simples, mas mesmo assim falhas-te miseravelmente. Agora digam-me onde está Polipedes?
– Estou bem aqui.
– Acham que sou idiota? Você não é Yavel. Ela saberia seu próprio nome e jamais perderia seu colar, tão pouco teria ataques respiratórios devido ao frio. Agora diga-me; onde está a feiticeira?
Ninguém respondeu.
– Muito bem! – Continuou Bantar. – Se não é por bem…
O rei lançou uma esfera de gelo. Polipedes se esquivou, fazendo com a bola acertasse uma das colunas da porta de entrada. A estrutura ruiu, causando um estrondo.
Polipedes se mostrou de fato ser Fiorella, que voltando a sua verdadeira forma tentou distorcer a mente do rei. Odilon, transformando- se em Mikae, virou uma colônia de morcegos e voou na direção de Bantar, que começou a soltar descontroladamente uma nevasca por todo o salão, enquanto cobria seu rosto com a outra mão.
Paredes e colunas ficaram cobertas de neve. Fiorella sentia seu peito pesado, mas não podia deixar sua irmã lutar sozinha. Com um impulso telecinético lançou sobre Bantar toda a prataria que havia sobre a mesa de jantar; tudo em vão. Ao redor dele tinha um campo de força, e tudo era repelido.
Mikaela, passou de morcegos a víbora. O animal roxo rastejou por trás do campo de força, mas na hora de dar o bote foi repelida por um raio.
– Víbora maldita! – Disse Bantar.
Mikaela ficou inconsciente e perdeu sua forma animal. Frella, ao ver sua irmã descordada, desapareceu e novamente apareceu por trás de Bantar, que ao virar de costas viu diversas replicas da bruxa lhe atingirem com um feixe de luz negra. O rei ficou desestabilizado, porém não se deixou intimidar.
Fiorella ainda tentava recompor suas forças quando o gigante de gelo lançou sobre ela um feitiço de paralisação; a jovem estendeu as mãos retornando com o feitiço de volta para Bantar, este se esquivou imediatamente. O feitiço se desfez no ar.
Frella fez um gesto e sombras atacaram o rei dos gigantes de gelo.
– Bruxa, una-se a mim e quando este mundo for meu novamente te darei tudo o que quiser. – As sombras o apertavam seus braços e pernas. – Ahhhh! – Sussurrou. – Não seja tola, garotinha.
– Onde está a filha de Odilon?
– Esta em um lugar seguro. – O aperto continuou. O sangue de suas pernas estava preso. – Aahh! Não seja tola! Posso acabar com você.
– Pode? Então por que não faz? Onde está a menina? – Gritou.
Bantar saiu da escuridão pelas costas de Fiorella. Com as mãos cruzadas acertou aplicou-lhe um golpe. A jovem quicou no chão e bateu a cabeça.
- Aaaaaiiii… - Tente se levantar. - Aaaaahhhh!
– Achou que era a única que sabia fazer truques? Agora quem faz as perguntas sou eu. Onde está Yavel?
– Jamais direi – Disse. Seus dentes estavam manchados com o sangue que escorria da sua boca. – seu fraco.
– Onde ela está? – Bantar pisou no crânio da pequena bruxa.
– Uhhhh! – gemeu baixinho.
– Onde? – Gritou. – Está bem! – Falou calmamente, olhando enojado para suas mãos sujas. – Morrerá por uma briga que não é sua?
Fiorella não respondeu.
Bantar socou as mãos, provocando um enorme tremor e desapareceu no meio do portal azul. Frella recostou sua cabeça no chão, estava com muita dificuldade para respirar.
O local começou a desmoronar.
…
O corredor do palácio era enorme. De um lado, as grandes janelas mostravam um jardim, do outro inúmeras portas de madeira levavam a diferentes salas.
– Que lugar bonito! – Disse Odilon.
– Aat’ar. – Respondeu Polipedes.
Odilon não entendeu o que a feiticeira falou.
– Significa, nascer do sol na língua dos soberanos. – Continuou. – Aqui viviam os gigantes de gelo, antes de serem banidos para Névoa. Sotrel deve estar aqui em algum lugar.
– Sotrel – Odilon ia de porta.
– Papai. – Disse uma voz suave.
A menina estava do outro lado de um portal. Odilon sorriu, pois tudo estava prestes a acabar.
– É uma janela dimensional.
– O que isso significa?
– Que podemos ver, mas não podemos atravessar.
O silencio tomou conta do local.
– Papai, me leva para casa.
– Como tiramos ela daí?
– Não tem como.
– Então nos leva até ela.
– Não podemos.
– Ahhhhhh é só isso que sabe dizer? Não podemos? – Odilon socou a parede.
– Eu sei que é difícil, Odilon. Se formos lá eles conseguem o que querem.
– E quanto ao que eu quero? Será que nunca vou... o que está acontecendo?
– O palácio vai desabar. Temos que sair daqui.
– Mas Sotrel.
– É só um portal, ela não está aqui de verdade. Vamos. Depressa, Odilon! Pare de se iludir, se não, não vamos poder resgata-la de verdade.
…
– O que está acontecendo aqui? – Perguntou Polipedes.
– Viemos tirar satisfações com Andrhel, mas parece que ele não está em casa. – Respondeu o cavaleiro do brasão de Azhard. – Já estamos aqui há duas horas e nenhum sinal dele.
Outros dois guardas olhavam ao redor da casa.
– Era para ele ter ido prestar seu relatório mensal diante do rei.
– E ele não foi?
– Se ele tivesse ido não estaríamos aqui senhora.
– Escura aqui, seu nanico… – A feiticeira foi interrompida.
– O que a minha amiga quer dizer, senhor, é que foi um erro fazer uma pergunta tão idiota quanto esta que o senhor lamentavelmente acabou de ouvir. – Mikaela deu uma olhada ameaçadora para a feiticeira.
– E por que não entram na casa? – Polipedes virou os olhos para Mikaela, num olhar que dizia: se me interromper assim novamente vai se arrepender.
– Não conseguimos. Portas e janelas não abrem e não há nenhuma entrada subterrânea.
– Tem alguma coisa estranha. – Frella se aproximou. Olhava ao redor com receio. – Tem uma energia estranha no local, vindo principalmente de dentro da casa.
– Como sabe? – O guarda cruzou um braços e fitou os olhos em Fiorella. – Por acaso… – Foi interrompido.
– Sim, sou uma bruxa.
– Todas somos. – Complementou Polipedes. – Pode dizer o que há lá dentro, Frella?
– Não ao certo. Precisaria entrar. – A jovem chegou mais perto da porta. Observou cuidadosamente. Deslizou a mão sobre a porta, passando para a parede feita de troncos. Sentiu algo. – Parece estar selada com um feitiço.
“Gigantes de gelo”, pensou Odilon.
– Consegue desfazer? – Mikae se aproximou de Frella. – Se não conseguir não se preocupe, você já se esforçou muito na batalha e ainda não conseguiu melhorar dos seus ataques de asma.
– Eu preciso fazer isso. – Tossiu, sentindo o catarro em seu peito. – Preciso recompensar vocês pela minha falha no palácio.
– Você não teve culpa, Frella.
– Deixe-me ajudar. – Suspirou. – Eu consigo!
– Está bem, mas se eu sentir que tem um mínimo de chance de você se cansar novamente, voltaremos para casa imediatamente.
– Vão ou não vão abrir a porta, bonecas. – A baixinho estava entediado. – Andem logo com isso.
Polipedes olhou com irritação para o guarda atrevido, que vendo a reação deu de ombros.
Mikaela suspendeu as mãos num gesto sutil. O vento começou a soprar mais forte, seus olhos enegreceram. Um plasma preto começou a sair de suas mãos e rodear toda a casa. As rúnas do feitiço começaram a aparecer ao redor do gramado da casa; uma a uma. Iluminarem-se, com uma luz dourada.
O guarda observava atentamente a cena; por mais que tivesse ordens de prender qualquer ser usuário de magia o baixinha era fascinado por tal prática.
– É um feitiço de bloqueio. – Disse Polipedes.
– Nossa, deve ser por isso que nós estamos aqui duas horas sem conseguir nada. – Ironizou o guarda.
– Silêncio! – Disse Frella. – Preciso me concentrar mais. Essas rúnas são muito resistentes. – O plasma se intensificava constantemente, assim como a ventania que balançava a floresta. – Não adianta, vou ter que usar um poder mais forte.
– Não faça isso irmã. Sabe que esse tipo de magia é proibido pelo conselho.
– Não tem outro jeito.
A escuridão sobreveio no local. Odilon ficou assustado com os trovões que se sucederam. O plasma foi cessando e dando lugar ao flash de luz negra, Frella lançava cada vez mais potência para poder desfazer o feitiço, supostamente feito pelos gigantes de gelo. Começou a levitar sobre a casa.
– Ahu! – Gritou Frella.
Raios começaram a destruir as rúnas uma por uma. Um dos raios quase acertou o guarda baixinho, que com medo correu para perto de Odilon, que estava mais afastado do local.
A última rúna se foi e com ela o escudo invisível que cercava a casa. Fiorella aterrissou e se agarrou ao braços de sua irmã, que gentilmente a abraçou.
– Viu, eu disse que conseguiria. – Frella soltou um sorriso. – Ai, preciso descansar um pouco.
– Você sempre consegue irmã. Agora repouse um pouco.
O vento e os barulhos de chuva cessaram, porém o sol continuou escondido.
– O que aconteceu aqui? – Falou o cavaleiro. – Está uma bagunça.
– Parece que Andrhel teve companhia. – Disse Polipedes. – Polipedes, precisa ver isso. Rápido.
A feiticeira se espantou com a cena. Andrhel fora atravessado com uma espada no peito.
– O mau cheiro indica que ele morreu há alguns dias. – Disse Mikaela, enquanto analisava o falecido. Retirou a espada de seu peito, o desencostou da cômoda e o repousou no chão.
– O que fizeram com você, meu amigo? – Perguntava Polipedes.
– Não adianta. – Disse Odilon, confortando a feiticeira. – Não tem mais jeito.
– Uma situação realmente lamentável, – Falou o baixinho. – mas preciso avisar o rei sobre os acontecimentos desse dia.
– Informará apenas a morte de Andrhel, ouviu bem?
– Não posso ocultar informações do soberano de Azhard.
– Você vai relatar apenas a morte de Andrhel. – Mikaela sussurrou algumas palavras e estalou os dedos.
– Eu vou relatar apenas a morte do gigante.
– O que foi? – Perguntou ao perceber que todos olhavam para ela. – Ele ia contar sobre tudo o que viu aqui. Não posso deixar que isso chegue aos ouvidos de Milos. – Ninguém se pronuncio contra. – Agora vá.
– Mas e quanto aos outros dois guardas? – Perguntou Odilon.
– O encanto serve para os três.
– Eu acho que… – O príncipe foi interrompido.
– Não é tempo de bobeiras. – Polipedes estava mais seria que o normal.
– É como Odilon disse, não tem mais jeito. – Falou Mikae.
– Eu posso dar um jeito. – Disse Fiorella do fundo da sala. A jovem descruzou suas mãos, se levantou da cadeira e foi para junto dos outros. – Eu conheço um jeito.
– Não. – Disse Mikaela. – De novo não. Não vou deixar você se esforçar mais uma vez.
– Como seria esse jeito? – Polipedes não parecia se importar com estado de saúde da jovem, nem o esforço que ela seria submetida.
– Posso trazer a alma de Andrhel ao corpo dele por alguns minutos, mas vai demandar muita magia e… – A bruxa foi interrompida.
– Faça. – Polipedes tirou seu cordão e deu para Frella. – Use isto. Ira potencializar seus poderes.
– Isso é necromancia. Quer mesmo se sujeitar as magias tão baixas assim? – Perguntou Odilon. – Primeiro foi a magia negra e agora trazer os mortos para vida.
– Não me lembro de ter se importado com essas coisas quando fomos resgatar sua filha. – Falou Polipedes.
– Mas Odilon está certo, Polipedes. Mexer com essas magias é proibido pelo concelho.
– Dane-se o conselho, Mikae. Eu existo antes do conselho, antes dos humanos serem criados. Não ligo para suas regras.
– Então faça – Retrucou Mikae. – mas não conte comigo.
– Muito menos comigo. – Disse Odilon.
Ambos foram para fora. Polipedes deu de ombros e pediu que Frella começasse o processo.
– E então? O que aconteceu? – Perguntou Mikaela, ao perceber que sua irmã havia saído.
– Achei que era contra ao uso da necromancia. – Disse Polipedes, vindo em seguida.
– E sou. No entanto quero saber o que causou a morte dele.
– Ele mesmo.
– Como assim?
– Ele se matou. Ficou com remorso por não ter nos ajudado em Torac. Depois recebeu uma visita de Adanhael, que disso ter nos matado na batalha e para complementar o nosso querido príncipe despejou uma torrente de bobagens em seu ouvido, antes de irmos embora. Por falar em Odilon, onde está?
– Foi buscar lenha e preparar uma pira para fazermos a cerimônia de Andrhel. Pode não parecer, mais ele também está chateado com a morte dele.
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