Louise não conseguia pensar, seu corpo tremia de forma incontrolável. Uma onda de adrenalina foi liberada em sua corrente sanguínea ao ponto de seu coração bater tão forte que parecia que sairia do peito. Recuperando os movimentos das pernas e movida pelo instinto, Louise correu para fora de seu quarto.
O ambiente já havia recuperado sua temperatura original. A casa parecia completamente ordinária novamente.
Louise correu diretamente para o quarto de sua irmã Mariana (sendo este o mais próximo do seu), imaginando que ela, também, poderia ter visto ou, pelo menos, sentido algo.
Sem nenhuma cerimônia, abriu a porta. O quarto estava com todas as luzes apagadas, com exceção do abajur próximo à cama da irmã. Encontrou Mariana deitada na cama, de olhos fechados e com os fones do iPod nos ouvidos.
- M-mari – disse Louise, fechando a porta atrás dela no mesmo momento. A irmã não ouvira.
Louise, então, pressionou o interruptor para acender as luzes. O quarto não era muito grande, todavia era bem decorado: cada uma das quatro paredes era pintada de uma tonalidade de violeta diferente, sendo que, a que comportava a cama – de madeira clara, móvel planejado – tinha um desenho de um pássaro preto, com penas caindo, voando em direção ao teto - este pintado de branco, com outros pássaros pretos, todos pintados à mão por Mariana.
Na parede ao lado da cama havia uma janela e uma escrivaninha conectada a uma estante, também de madeira clara planejada, estrategicamente posicionada para ter uma vista da cidade. Lá, Mariana colocava seu notebook, seus livros e uma planta “Bonsai” (que chamava de Georgeles). Além disso, havia um grande armário de roupas bem antigo – que antes pertencia a seu avô paterno Antônio - na parede pintada com tonalidade de violeta mais escura. Apesar da idade, era muito bem conservado (parecia novo!), bonito e tinha um acabamento bem refinado.
Louise correu em direção à cama da irmã.
- MARI!
- QUE FOI? Tá ficando doida, menina? Olha que horas são! – Mariana faz um gesto apontando pra tela do iPod, mostrando que o relógio deste marcava 3:30 da manhã. – Quer me matar de susto?
Louise não se conteve e desabou em prantos.
- M-meu pai, M-mari. MEU PAI!
- Como assim? Você teve um pesadelo, é isso? – Mariana puxa Louise para cima de sua cama e a abraça próximo dela. – Também sinto muitas saudades dele, maninha.
-N-não! Eu vi ele! EU VI MARI, EU VI! V-você não viu nada?
- Meu amor, você teve um sonho bem real e acordou achando que tinha visto o papai. Tenta se acalmar um pouco.
Louise então respirou fundo para controlar o choro e a tremedeira e começou a contar o que tinha visto, desde a sua ida à cozinha.
Quando Louise terminou de contar, ambas ficaram em silêncio por alguns segundos. Mariana tinha os olhos marejados e a mão direita encobrindo a boca. Após esse período de reflexão silenciosa, Mariana disse:
- Tudo bem, mas se isso não foi um sonho ou algum delí...
-NÃO FOI! Eu tenho certeza do que vi.
- O.K., mas então, você tem certeza de que realmente foi o papai?
- Só pode ter sido ele! Mas ele tava diferente, não sei como explicar...
- Bom, o lugar pra onde ele foi é diferente do nosso, então eu não ficaria surpresa se ele estivesse diferente... Essa é a única justificativa que consigo imaginar.
- Então você acredita nisso de “fantasma”, mana?
- Nunca desacreditei, Lou. E também não acho que mentiria pra mim... pelo menos, não uma hora dessas.
Ambas esboçaram um sorriso.
- Mas de qualquer forma, não conte isso pra mamãe. Acho que ela surtaria.
- Sim. Até pensei em ir lá primeiro antes de vir aqui, mas a mamãe tá tão cansada...
- Você é bem observadora, Lou.
Louise sorriu, depois olhou para a porta do quarto e sentiu um arrepio.
- Posso ficar aqui? Por favor, Mari, eu não vou conseguir ficar sozinha no meu quarto.
- Pode sim, até eu teria dificuldade em dormir sozinha depois disso
...
- Você é minha.
TRIMMMMMM!
- Ahn? Ai, eu odeio segunda-feira.
Louise pegou seu iPhone e desligou o despertador. O quarto ainda estava escuro, porém os raios de Sol começavam a penetrar as frestas da cortina. Eram 6:20 da manhã de um dia ensolarado de fim de Setembro e estava próximo de completar cinco anos desde a morte e o encontro de Louise com o espectro de seu pai.
- Bom dia, Bolinho.
Bolinho era o gato de Louise. Tinha muita personalidade em seus pelos longos de cor cinza e em seus grandes olhos extremamente amarelos.
- Meow!
- Já sei, é hora do papazinho.
Ao ouvir essa palavra, as pupilas dos olhos do Bolinho se dilataram e ela foi correndo para a cozinha.
O quarto de Louise estava bem desorganizado. Agora dormia no antigo quarto de Mariana, pois sua irmã havia se mudado para um apartamento compartilhado mais próximo da faculdade. Estava cursando o último ano de Medicina Veterinária.
Os móveis eram os mesmos, porém a disposição destes estava diferente. Louise havia mudado a posição da cama - esta agora encostada na parede onde há uma janela -, da escrivaninha e do armário. Havia, também, pintado todas as paredes de cinza bem claro, porém fazendo questão de deixar intacto o desenho de Mariana.
Com relutância, Louise se levanta da cama e vai buscar um short para vestir. Já eram 6:25 e, se ela demorasse mais, chegaria atrasada na escola, onde cursava o segundo ano do Ensino Médio.
Saindo do quarto foi em direção à cozinha e encontrou sua mãe preparando o café da manhã. Sr.ª Oliveira – agora com 52 anos – havia abandonado o Louro Ivete e assumiu a cor grisalha e aspecto natural de seu cabelo. Os traços da idade em seu rosto já estavam mais aparentes, porém continuava sendo uma mulher bonita. Ainda lecionava no Sistema Público e na escola particular onde Louise estudava e, enquanto cortava dois pães franceses para por na frigideira, estava se preparando psicologicamente para dar dois tempos de aula para as turmas do 7º e 8º ano naquela segunda-feira.
- Bom dia, mãe.
- Bom dia. Conseguiu terminar aquele trabalho do Jorge?
Jorge era o professor de Literatura de Louise.
- Consegui sim, mas eu tenho certeza que semana que vem eu vou esquecer o que é Parnasianismo.
- É bom você não esquecer, porque isso cai no Vestibular.
- Beleza, professora. Pode pegar o sachê do Bolinho pra mim, por favor?
Após colocar a comida para um Bolinho exacerbadamente eufórico, Louise tomou seu café da manhã e foi para o banheiro escovar os dentes e tomar um banho rápido. Depois disso, voltou para seu quarto, abriu o armário e pegou sua roupa da escola.
- Louise, já tá pronta? Bora que já passou da hora – Disse a Sr.ª Oliveira batendo na porta do quarto de sua filha e checando seu relógio de pulso que marcava 6:45.
- Só tô terminando de colocar a roupa, um segundo!
Louise na verdade já estava pronta, porém algo havia chamado sua atenção. Imóvel, fixou seu olhar para o antigo armário que já pertenceu a seu avô: sua porta estava completamente aberta.
- “Cara, eu tenho certeza que eu fechei esse armário depois de pegar a roupa” – pensou Louise.
Paulatinamente, Louise andou em direção ao armário.
- “Pode ser que eu não tenha fechado ele direito”.
Ao se aproximar do móvel, verificou seu fecho. Confirmando que não havia quebrado, encostou a porta e a trancou com a chave que ficava na parte de fora.
...
Louise chegou a sua escola, entregou o trabalho para o professor de Literatura e logo sentou ao lado de seu amigo Rafael.
Rafael é um adolescente de 16 anos, alto e magro, de cabelos pretos bem curtos. Sempre usa um brinco prateado em forma de argola em sua orelha direita e um anel, também cor prata com detalhes de ondas, em seu dedo indicador esquerdo. É bastante extrovertido e bem aceito em todos os grupos da turma, porém tem uma amizade especial de muito anos com Louise.
- Fala, Lou.
- Cara, aconteceu uma parada muito bizarra comigo hoje.
- Bom dia pra você também – disse Rafael com olhar sarcástico - Lá vem você com essas paradas do demônio de novo.
- É sério! Para de debochar de mim – falou Louise com um sorriso no rosto – e eu não falo desse assunto toda hora, só quando é relevante. Mas escuta só – então Louise começou a contar da experiência que teve mais cedo.
- Você não fechou o armário direito.
- Eu tenho CERTEZA que fechei! Com chave e tudo.
- Tá ficando é doida, isso sim.
- Ah tá, beleza.
- Não sei se vocês perceberam, mas eu já usei metade do quadro – falou à distância o Professor Jorge, impaciente – quando eu terminar a outra metade vou apagar a primeira.
Louise e Rafael trocaram olhares e pegaram seus cadernos.
O resto da manhã foi dentro da normalidade: conseguiu copiar a matéria de Literatura a tempo e resolveu exercícios de revisão nos dois tempos seguintes de Matemática.
Durante o intervalo, Louise se reuniu com suas amigas Poliana e Aline e ficaram conversando sobre assuntos variados. Rafael foi jogar o “fut” (futebol, como ele mesmo falava) na quadra da escola.
Terminando este período, Louise voltou para a sala de aula e assistiu a três tempos (que pareciam que não terminavam nunca) de Português. Finalmente, às 12:30, foi liberada e pôde encontrar com sua mãe para ambas irem para casa.
Chegando em casa, Bolinho cumprimentou ambas com um longo miado enquanto se esfregava em suas pernas.
- Também senti saudades, filho - disse Louise, enquanto se encaminhava para seu quarto - vai ter o que de almoço hoje, mã...
Louise não conseguiu proferir a última palavra. Ao abrir a porta de seu quarto e olhar para dentro, paralisou. O armário estava escancarado e todo seu conteúdo estava jogado no chão.
Comments (0)
See all