Mais tarde, enquanto bebiam um suco para se refrescarem, Lilla olhava inquieta para o palco, seu amor pela música lhe deixava inquieta a primeira oportunidade de tocar.
— Por que não tocamos algo? — Pergunta por fim.
— Ah não. — Diz Rox manhoso — Eu não trouxe meu violino e não gosto de usar de outra pessoa.
— Como você sai de casa sem seu violino? Eu sempre carrego minha flauta. — Lilla tira uma flauta do bolso interno do casaco.
A flauta feita de bambu era pintada com uma mistura de verde e marrom, em sua base um pequeno símbolo estava cravado na superfície, três espirais partindo do mesmo ponto, o símbolo da tríade de deuses de Mérion: Gaia, a deusa da vida, Alys, a deusa do amor, e Arandir, o deus da morte.
— Um violino não é tão prático de carregar quanto uma flauta, além do mais, não pretendia tocar nada hoje.
— Rox, me parece que você não conhece nossa irmã. — Provoca Aglia. — Eu posso conjurar um para você se quiser.
— Não, o som não será tão bom quanto... — Rox exista — quanto o meu, violinos antigos possuem um som mais claro. Me contentarei em emprestar o alaúde alguém.
Aglia o olha ternamente. — Claro.
Enquanto discutiam Lilla já conversara com os músicos no palco, pronta para se apresentar, bastava esperar a música que tocava ser encerrada. Contudo uma sombra surge pelos portais do castelo e a música é interrompida pelo som estridente das portas de metal.
A silhueta desceu os degraus de Aman dir confiante e imponente, a cada passo o som de seus sapatos se espalhava pela cidade.
O regente deixara o castelo e não emanava qualquer contentamento com o festival.
Uma das cantoras na lateral do palco foi empurrada pelo regente para que lhe desse passagem, Lilla se apressou ao ver que a jovem se desequilibrara com o empurrão impedindo que se ferisse com a queda, a jovem agradeceu e posicionou-se atrás de Lilla.
— Há uma guerra lá fora! — Bradou o regente, tomado a atenção dos poucos que ainda não o haviam notado. — E vocês tolos estão aqui festejando?
— Deveria tratar seu povo com mais respeito! — Esbravejou Aglia, agora ao lado de Lilla.
— Quem pensam que são ratos da floresta? EU sou o regente, — trovejou — vocês crianças imprestáveis não têm nada a me ensinar. Portanto tenham noção de seu posto e mantenham-se calados.
Os olhos e cabelos de Lilla já havia tomado um tom escuro de cinza, sua expressão de raiva era assustadora, a mão esquerda de Rox deslizara instintivamente para o punho de sua espada, no entanto os braços de Aglia surgiram a frente dos irmãos, eles a olharam em dúvida, ela apenas balançou a cabeça em negação.
Aglia ainda mantinha sua expressão séria e calma, ela simplesmente encarou o regente por alguns instantes antes de falar.
— Reclama do festival, que tem sido um dos poucos motivos de alegria em meio a essas guerras tolas. — A calmaria em sua voz tornava as palavras ainda mais poderosas. — Diz que a guerra está a bater em nossas portas, mas onde estão os seus esforços para pôr fim a isso, para impedir que ela chegue? Ou é assim tão divertido ver reinos inteiros se destruírem a ponto de pôr em risco a estabilidade dos elementais, a estabilidade de Gaia?
Houve silêncio, o Regente estava furioso pela afronta vinda de uma maga sem importância como Aglia. Aos poucos cochichos surgiram e estes por sua vez tornaram-se uma ovação às palavras da fauna.
Poucos eram os magos que ainda tinha um mínimo suporte ao regente, já este por sua vez nada mais fazia do que desfrutar das instalações de Aman dir e do poder concedido a ele como regente da capital de Mérion.
A escolha de um novo rei para a capital deveria ser feita com a votação de todos os reinos de Mérion, e portanto deveria haver um consenso entre todos, ao contrário da atual situação onde guerras entre diversos reinos magos irromperam após ataques planejados de outros reinos perdurando por mais de uma década, mas mesmo com a constante especulação de quem seria a próxima rainha ou rei muitos magos ainda tinham esperanças de que o antigo rei retornaria.
Aglia se incomodou com a ovação. O Regente ficava cada vez mais furioso, por um momento Rox teve a impressão de que sua expressão de raiva deu lugar ao alívio, mas antes que pudesse processar essa informação algo pior chamou sua atenção, ele, em reflexo, segurou o braço de Aglia que o olhou surpresa.
— Rox? O que foi?
— Magia negra, muito forte, posso sentir se aproximando. — Sussurrou.
Assim que terminou nuvens negras surgiram nos arredores de Mirandir, as nuvens agrupavam-se rapidamente, a intervenção magica estava clara e rapidamente o dia havia se tornado noite.
— As nuvens de meu sonho!? — Exclamou — Estranho... — Rox sussurra para si.
Rox fechou os olhos e inspirou profundamente se concentrando, Aglia e Lilla o observavam. — Há muita magia das trevas nessas nuvens, parece algum tipo de veneno, mas não posso identificar. — Explanou Rox às suas irmãs.
— Atenção! — Gritou Rox. — Encontrem um abrigo e fiquem longe da água. Há muita magia negra, pode ser veneno, portanto não se molhem ou deixem que a chuva toque sua pele.
Antes mesmo de Rox terminar suas instruções gotas começaram a cair, todos magos no festival se apressaram e encontraram um abrigo, em instantes a chuva fina se transformou em tempestade.
Aglia estava a alguns passos do toldo de uma das barraquinhas quando reparou em uma menininha que se perdera da mãe, ela imediatamente voltou-se para a garota retirando seu casaco e o usado como proteção para a pequena.
Aglia! — Exclamou Rox.
Rox usou sua magia para proteger Aglia e a pequena, mas algo na magia que lançara aquele ataque o impedia de ser bem-sucedido. A magia começou a afetar Rox e antes que Aglia pudesse chegar a um abrigo ele teve de cessar suas tentativas.
— Você está bem? — Perguntou Lilla a Rox que possuía uma expressão cansada.
— Sim... Eu acho.
Aglia chegou ao toldo sobre o qual Rox e Lilla estavam, mas para sua alegria e da mãe a garotinha estava bem.
— Aglia! Você está encharcada! Tem certeza de que está bem? — Questionou Lilla assim que Aglia se voltou a eles.
— Eu acho que sim, mas não posso afirmar por quanto tempo. Tem algo muito forte nesse feitiço, deu pra sentir, mas não sei dizer o que é.
— Consegue identificar que magia é essa? — Perguntou Lilla a Rox.
— Vou tentar. – Respondeu.
Rox aproximou a mão da água da chuva e se concentrou, sentiu que havia muita magia das trevas ali, mas algo bloqueava sua magia, algo que feria sua alma.
— Há muito ódio nessa magia, está mascarando o feitiço, não posso identificar o veneno.
Assim que se afastou da chuva ela cessou, e Rox sentiu-se exausto pelo sentimento tão forte. Tão rápido a chuva surgiu ela se foi, o regente também desaparecera.
Rox e Lilla correram ao palco.
— Magos negros! — Começou Rox — Limpem todo o veneno que possa ter se mantido aqui, magos da água e ondinas, sequem tudo.
— Magos do fogo também, garantam que não haja resíduos, magos do ar auxiliem aos magos do fogo, para que o vapor da água não atinja ninguém. — Continuou Lilla.
— Tomem cuidado, apenas o ódio presente nesse ataque já é suficientemente destrutivo, portanto sejam cautelosos.
Rox olhou em volta por um momento. — O regente desapareceu.
— Aquela sombra desprezível!
— Lilla, se acalme. Ele ser um péssimo governante é culpa dele, mas ele ainda estar no poder é culpa de todos. Vamos ajudar os outros.
Enquanto Lilla e Rox ajudavam aos outros magos, Aglia os observava de longe, rapidamente toda a praça central estava seca e pronta para que as festividades continuassem.
— Fugindo dos holofotes como sempre? — Implicou Lilla se aproximando.
Aglia apenas sorriu em confirmação.
— E, no entanto, você é a mais qualificada. — Respondeu Rox.
— E então? Como está?
— Não sei ao certo, sinto como se minha magia estivesse sendo drenada. – Responde cansada.
— Talvez seja melhor irmos ao boticário, tenho certeza de que madame Erandir conhece algum antídoto para o que quer que seja esse veneno. — Diz Rox.
— Não seria melhor se fossemos até os curandeiros do castelo?
— Eu não quero ter a chance de esbarrar com o regente. — Diz Aglia já se virando para sair.
A praça central possuía três principais ruas pelas quais se poderia chegar a ela, os três seguiram pela rua central ou via principal que por sua vez terminava em uma segunda praça, menor que a anterior, o centro comercial da cidade, onde todos os tipos de lojas podiam ser encontrados, de padarias a lojas de instrumentos, dois dos itens principais itens na vida de um mago.
Mesmo em um dia de festival o movimento na praça comercial, estava calmo e raramente se via alguém passar, rumando a praça central.
Eles caminhavam apressados, Rox a direita de Aglia e Lilla a esquerda, sempre respeitando o tempo dela. Rox percebeu que cada vez mais, e em uma velocidade assustadora, a energia vital de Aglia diminuía.
Percebendo os sintomas Rox prontamente soube qual era o feitiço utilizado naquelas nuvens. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa ele sentiu-se mal, soube que vinha de Aglia, Lilla também percebeu que havia algo de errado.
Aglia caminhava poucos passos atrás e num instante, Rox e Lilla desapareceram de sua visão, Aglia não via mais a estrada à sua frente e sim as florestas de Mérion.
Frondosas árvores enfeitadas por folhas e flores, arbustos e animais selvagens, o sol forte iluminava o belo dia de verão, e então, algumas plantas murcharam e logo nuvens escuras surgiram, pareciam nuvens de tempestade.
As folhas das árvores caíram e os arbustos começaram a murchar, animais começaram a morrer, e toda a vida se esvaiu assim que as nuvens negras surgiram.
Aglia sente sua energia se enfraquecer ainda mais, ela sentiu que o que quer estivesse afetando as plantas em Mérion também a afetava.
— Aglia! -— Ela escuta uma voz a chamar ao longe.
— Aglia! Volte para nós!
Aglia sente seus músculos falharem, ela sente mãos a segurando, suas pernas não tinham mais forças para mantê-la em pé, ela apenas ouvia ao longe seu nome ser chamado, cada vez mais alto, até que tudo ficou escuro e ela não sentiu mais nada.
Rox e Lilla chamavam Aglia, um leve brilho violeta em seus olhos, no instante seguinte Aglia estava caindo, os dois a seguraram, cada um de um lado.
— Aglia! — Continuou a chamar, mais alto, mas ela já havia perdido a consciência.
Ambos a carregaram até o boticário, que estava a poucos passos de distância.
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