A luz forte incomodou os olhos de Aglia, com dificuldade ela tapou a luz com a mão. Todos seus músculos doíam e sua mente estava enevoada, tentou abrir os olhos, mas em vão, suas pálpebras ainda estavam muito pesadas.

— Ela precisará de um tempo para se recuperar completamente, mas ela ficará bem. — Aglia pôde ouvir a voz, mas sua mente ainda estava muito confusa para saber de onde ou quem vinha a voz. — Em poucas horas o efeito do veneno deve se dissipar e sua magia voltará ao normal.

— Muito obrigada madame Erandir, não temos como agradecer.

— Não há o que agradecer. É meu trabalho tratar e cuidar daqueles que precisam, especialmente de Aglia.

Aglia revirou-se na maca.

— Aglia. — Exclamou Rox. — Está acordada?

Aglia murmurou em confirmação e mais uma vez tentou abrir seus olhos, dessa vez, ainda com uma certa dificuldade, ela pode ver os rostos de seus irmãos. Rox estava sentado ao seu lado virado para madame Erandir que carregava uma vasilha com algumas poções e panos.

— O que… O que houve? — Perguntou Aglia ainda atordoada.

— Você foi envenenada, e por sorte — Riu Lilla — teve uma visão enquanto vínhamos para cá, o que fez seu estado piorar muito rápido, felizmente estávamos bem perto e pudemos tratá-la a tempo.

Aglia virou-se para Lilla que estava de pé do outro lado da sala.

— Se tivéssemos demorado dois minutos a mais… —  Lilla baixou os olhos.

— Vou deixá-los a sós — Erandir acenou e se retirou.

Aglia fez menção de se sentar, mas seus músculos ainda doíam, ela soltou um gemido e Rox a ajudou a se sentar.

— Você disse que tive uma visão...

— Eu bloqueei a lembrança de sua visão por um tempo, para que não a afetasse ainda mais, então nem tente, porque não vai se lembrar. 

Aglia acenou. Por um momento ela mirou os próprios pés refletindo, o que teria desencadeado uma visão tão forte, e ainda, durante o dia. Após alguns momentos de reflexão decidiu se preocupar com isso mais tarde e perguntou por fim:

— Conseguiram identificar o veneno da chuva?

— Alys rosa. — Respondeu Rox sem rodeios.

Aglia o olhou intrigada.

— Bom, pelo menos uma magia com o efeito da Alys Rosa, já que usar a própria seria muito improvável.

— Então… — Começou Aglia olhando de Rox para Lilla. — Quem quer que tenha atacado o festival é um mago das trevas.

— É a teoria mais plausível. — Respondeu Lilla sentando-se na ponta da cama.

Aglia refletiu por um instante. — Mas quem? Teria de ser um mago muito poderoso.

— Ou um grupo de magos. — Completou Lilla.

Aglia a olhou assustada — Acham que… que tudo isso foi tão cuidadosamente planejado?

— É a teoria mais crível que temos no momento. De outra forma, por que eu teria sonhado com isso? — Responde Rox. — Esse ataque já estava sendo planejado a muito tempo e com muito afinco. — Complementou.

Aglia fitou o vazio por um instante, sua mente corria, tantas eram as questões que surgiam e sumiam de sua mente, ela não conseguia entender como alguém, sozinho ou em grupo, seria capaz de odiar tanto a ponto de estar disposto a um ataque assim. 

Quem? Quem seria capaz de planejar um ataque tão destrutivo, e por quê? Quem seria capaz de odiar tanto a capital a ponto de prejudicar o povo? E o mais importante, como sua visão estaria relacionada ao ataque? 

Rox e Lilla também meditavam sobre as mesmas questões, mas nenhuma das teorias que se formavam em suas mentes pareciam ter a mínima base lógica.

— Mesmo com todos os outros reinos em guerra, porque atacariam a capital? Não me parece um movimento muito sábio. — Disse Lilla quebrando o silêncio.

— Você acha que foi algum outro reino? — Perguntou Rox descrente.

— Não consigo imaginar quem mais teria um grupo de magos das trevas a disposição dessa forma. — Respondeu Lilla, um tom imperativo na voz. — Há muito que Mirandir tem sido pressionada a tomar partido nessa bobagem que chamam de guerra. — Completou, um fio de raiva fez-se notável.

— É uma possibilidade. — Disse Rox derrotado.

— Mas Minra, é o único reino que teria a capacidade mágica de criar esse ataque, Minra e Minnar. — Interrompeu Aglia. — Mas ambas estão mais distantes do que seria possível para uma magia tão complexa.

— Não significa que eles não poderiam ter se deslocado até um lugar próximo. — Disse Lilla cruzando os braços.

— Sem chamar a atenção? Não, é praticamente impossível, estamos falando de pelo menos trinta magos das trevas, sem contar os magos da água, que teriam de poupar sua magia ao máximo, ou seja  não poderiam usar magias de invisibilidade ou camuflagem, menos ainda ilusões.

— Rox tem razão. — Pontuou Aglia. — Um grupo assim chamaria muita atenção, especialmente na situação atual. Já é bem difícil circular em pequenos grupos, quem dirá um grupo tão grande. Lilla, você sabe bem como tem sido difícil para os cavaleiros se deslocarem de cidade a cidade.

Lilla contraiu os lábios em um sorriso torto ao lembrar dos feridos que tratara.

— Vocês estão certos, mas se não é esse o caso eu não consigo pensar em muitas possibilidades, essa é uma das mais difíceis magias de se fazer.

— A magia poderia ter sido lançada de dentro da cidade, mas todos estavam no festival, e aqueles que não estavam, são os cavaleiros que partiram pela manhã. — Disse Rox pensativo.

— Talvez… — Começou Lilla. — Não, é muito improvável.

— O que tem em mente Li? 

— Bom, — Começou — esta é uma magia para o nível de um sábio, e alguém com tanto poder seria capaz de lançá-la de longas distâncias, isso o deixaria exausto, com certeza, mas seria possível.

— Está sugerindo que há algum mago com o poder equivalente a um sábio?

— Não é impossível, Maia e Hadar, por exemplo, são tão fortes quanto qualquer sábio, especialmente juntos. — Comentou Aglia.

— Não acho que quem atacou o festival fosse de algum outro reino, seria muito estúpido. Não, não foi um ultimato de guerra, não de todo.

— Onde quer chegar Lilla? — Perguntou Rox já inquieto. — Não está sugerindo que…

— Sim. — Interrompeu Lilla.

— Mas ele desapareceu há mais de quarenta anos. São apenas boatos Lilla.

— Ainda é uma possibilidade, senão ele, alguém tão poderoso quanto.

Aglia tentava acompanhar o raciocínio dos irmão, mas ainda estava muito enfraquecida e sua mente não lhe permitia pensar tão rapidamente.

— De quem estão falando? — Pergunto finalmente. 

— O príncipe Rean. — Respondeu Rox calmamente. 

— Mas ele foi oficialmente declarado morto. E mais, porque faria isso?

— Alguns dizem que ele se aliou a Chernobog. — Disse Lilla encolhendo os ombros.

— Boatos, e depois, ele está selado N'A Torre. — Disse Aglia. — Não poderia contatar ninguém de fora.

— É difícil dizer. — Começou Rox aproximando-se. — Ele é um deus, mesmo que tenha sido selado pelo poder de Alys, Gaia e Arandir juntos ele ainda se alimenta de energia negativa, talvez ele não possa contatar ninguém de fora d’A Torre, mas se a pessoa estiver próxima ao selo, talvez isso seria possível.

— Ainda assim, é mais fácil que um grupo de magos tenha enfeitiçado algum objeto para conter a tempestade e liberá-la quando o objeto fosse quebrado ou aberto, seria muito mais simples e apenas um mago precisaria vir até a cidade.

— Faz sentido. Isso explicaria porque a chuva durou tão pouco tempo, se o feitiço foi armazenado, especialmente se por muito tempo, ele perderia o poder, que já não seria muito por ter sido lançado por múltiplos magos.

— Também explica o porquê de tanto ódio, não seria apenas uma pessoa direcionando todo seu ódio em um ataque.

— Lilla, acha que consegue descobrir quem atacou o festival? — Perguntou Rox.

— A menos que os deuses queiram me presentear com uma visão, eu precisaria estar conectada a alguém que soubesse o que houve. — Respondeu com sarcasmo.

— Bom, então temos pouco com o que lidar, não há muito motivo em tentar encontrar o responsável, esse tipo de magia não deixa vestígios. — Disse Rox derrotado. — Mas posso verificar nos arredores da muralha para ter certeza.

— Eu vou, você cuida da Aglia. — Disse Lilla ficando em pé de um salto. 

— Minhas habilidades de rastreio são melhores que as suas Lilla.

— Vai sonhando dragãozinho. — Riu Lilla. — Além do mais, se você for ficará preocupado com Aglia e não vai se concentrar, é melhor que fique aqui, voltarei logo.

Aglia cobriu a boca com a mão contendo um riso.