Odilon e Ariela brincavam no jardim do castelo com suas espadas de madeira.
Duelavam descalços sobre a verde e recém cortada grama. Ariela desferiu um golpe contra o Odilon, mas este desviou habilmente e lhe deu uma rasteira; a princesa caiu sentada no chão, com suas mãos apoiadas na grama. Fitou seus olhos no de Odilon. "Ela não vai deixar isso barato", pensou o príncipe.
– Mas o que está acontecendo aqui? – Perguntou o rei, que caminha pelo jardim na companhia de sua esposa.
– Nada, – Respondeu Ariela. – estamos apenas treinando uns golpes que vimos no treinamento dos soldados.
– Me refiro a você sentada no chão como uma perdedora. – Disse Eduardo erguendo a cabeça. – A herdeira do trono não pode perder uma luta sequer. Quantas vezes vou ter de repetir isso? Lavante-se! Não, não pegue essa espada novamente, entre e vá se limpar.
– Mas nós ainda não terminamos de brincar. – Choramingou Ariela.
– Agora terminaram.
Ariela se retirou, tentava guardar o choro, mas algumas lágrimas escapavam.
– Quanto a você, Odilon – Continuou o rei. – Não deixei que aprendesse a lutar para derrubar sua irmã em combate. Seu trabalho é proteje-lá a qualquer custo. Agora vá e lembre-se do que eu disse: você deve proteje-lá. Não deixe essas espadas aqui. Recolhe-as e guarde-as em seu devido lugar.
– Não acha que é duro demais com o menino, Eduardo? – Indagou Maya, após a saída do príncipe.
– Odilon tem que aprender que sua missão é zelar pela vida da futura rainha, se ele continuar a derruba-la nunca aprenderá o significado de seu trabalho.
– Fale por você. Acredito que nossos filhos serão otimos regentes um dia.
– Ariela. Ariela será regente um dia. Odilon poderá servir o reino de outras formas.
Odilon abriu os lentamente, estavam um pouco embaçados.
– Aiiii que dor de cabeça é essa? – Disse o príncipe passando lentamente a mão na nuca.
O quarto era pequeno. Havia apenas uma cama e um criado mudo que ficavam perto da janela. Na parede da porta ficava uma pequena mesa com duas cadeira, uma delas tinha uma uma mulher de pele escura e olhos claros sentada. A mulher levantou e se aproximou da cama.
– Graças aos deuses! – A mulher juntou as mãos como quem faz uma prece. – Você acordou.
– Onde está Polipedes e Frella?
– Polipedes? Não sei quem é. – A mulher de cabelo marron coçou a cabeça.
– E Fiorella? Onde ela está?
– Também não sei, – A mulher de vestes coloridas fez silêncio. – mas você pronunciou o nome dela várias vezes durante seu repouso. – Disse, quebrando o silêncio.
Odilon ficou vermelho de vergonha. "Ótimo! Agora uma desconhecida sabe que eu tenho sonhos com Frella.", pensou o jovem.
– Por acaso você é um anjo?
– Não.
– Você caiu do céu.
– E como isso aconteceu?
– Não se lembra? Você caiu de um buraco enorme que se abriu no céu, o buraco tinha uma cor escura, mais escura que o céu noturno. Não se levante, você ainda não está bem o suficiente para ficar de pé. Eu estava próxima do local que caiu, vi você na cratera que a queda formou.
– E quando foi isso?
– Faz duas semanas hoje.
– Quatorze dias? – Surpreendeu-se, Odilon. – Estou desacordado esse tempo todo? Preciso que me ajude a levantar...
– Niara. Meu nome é Niara.
– Preciso que me ajude a levantar, Niara. Preciso partir o mais rápido possível. A propósito, meu nome é Odilon.
– Eu sei. Vi no documento que carregava em seu bolso. Interresante o que dizia o texto, nunca tinha visto um servo do imperador nestas terras.
– Não era para eu estar nestas terras, era para eu estar em Truv'hel. – Odilon ficou pensativo. – Onde nós estamos?
– Estamos na Vila dos Lobos.
– Pelos deuses! isso fica muito longe do meu destino?. – O príncipe pôs a mão sobre a testa.
– Já disse que você não está em boas condições. Descanse mais um pouco, alimente-se e depois pode ser que tenha condições de partir.
...
Doras era uma pequena estalagem localizada em Venência, perto da fronteira desértica entre a Sístia, Antífes e Cã. A pequena pousada ficava a beira da estrada de Passos, que ligava o continente de Az, ao norte, as terras selvagens, ao sul.
Polipedes estava sentada no balcão comendo um pedaço de pão, acompanhado de um café forte, quando três homens entraram e foram em sua direção.
– Está muito longe de casa, feiticeira. – Falava por trás da feiticeira o homem que estava no meio.
– Se você está dizendo. – A feiticeira deu de ombros.
O homem da esquerda ameaçou a puxar sua espada, porém foi impedido pelo homem do meio.
– Sua cabeça está a prêmio. O rei de Antífes está pagando muito bem para quem a entrega-lá. – Continuou o homem alto e fedorento, que estava no meio.
– Minha cabeça corre perigo a séculos, muito antes de você sonhar em nascer. Agora deixe-me em paz.
– Ouça bem sua vadia, essas não são suas terras então não haja como se fossem. – O homem puxou sua espada.
– E por acaso elas são suas? Um homem feio e fedorento como você não tem condições de ter terras como está.
– Já chega! – Gritou o homem da direita, agarrando a feiticeira pelo braço direito.
Os olhos de Polipedes se encheram de poder. O homem da esquerda ficou com medo e deu um passo para trás. O homem do meio tentou agarrar o braço esquerdo de Polipedes, mas voou para trás quando ela lançou sobre ele uma explosão telecinética.
– Basta! – Gritou um senhor de meia idade, vestido com um gibão azul e cheio de adornos. Era negro e parrudo. Tinha cabelo preto e ralo e a barda também, mas ambos estavam devidamente cuidados. Cheirava a erva do campo. – Senhores, isso é jeito de tratar uma dama? Ainda mais se tratando de Polipedes Yavel. – Disse, enquanto ajudava o servo caído a se levantar. – Perdoe-me pela grosseria de meus homens.
– O grande Arkell Qebaa. – Falou a feiticeira, fazendo uma reverência. – O melhor conselheiro da Sístia.
– Polipedes. Rapazes, podem voltar lá para fora. Sinto muitíssimo mesmo, minha querida. Pedi para que meus homens fizessem uma inspeção no local antes de eu entrar, percebi que eles estavam demorando muito então decidi vim ver o que se passava. Não imaginei que a encontraria por aqui.
– O que faz por estas terras? – Polipedes tornou a sentar em seu banquinho.
– Sou o general-rei delas. E você? O que faz por aqui? – Qebaa puxou outro banquinho e sentou-se do lado da feiticeira.
– Na verdade… não sei. – Polipedes não se lembrava como havia chegado ali, tudo que sabia era que havia acordado no deserto de Kaiobo, nas terras pertencentes a Cã. – O que faz nesta estrada?
– Voltando de uma reunião com os representantes de Eduardo, seu rei. Alias, achei que estava presa, mas vejo que isso é passado.
– Estava, mas isso é conversa para outra hora. O que os representantes de Eduardo queriam?
– Ajuda, minha cara. Apenas ajuda. Moça, traga mais dois cafés, por favor! Os constantes ataques do imperador ao seus reinos tem deixado Eduardo muito aflito; diria até com medo. Desde que você o traiu e Menetuf passou a atacar a Sístia e agora Antífes que Eduardo vive me pedindo toda a ajuda possível.
– Eu não o trai. Sempre fui fiel a meu rei. – Disse Polipedes firmemente.
– Bem… alguém vem vendendo os segredos de Estado de Eduardo a anos. Se não é você deve ser outro alguém. Basta de falar disso. Não não, não cobre nada desta dama, deixe que eu pago tudo. Seria uma honra se retornasse para Donath conosco. Você é realmente a pessoa que eu queria encontrar nesse momento. Preciso de ajuda e creio que a sua seria ideal.
– E do que se trata?
– Bem, creio que este tema seria melhor tratado dentro do meu castelo.
– Como quiser, majestade.
– Maravilha. Mandarei selarem um cavalo para você.
Polipedes trotava em uma égua de cor caramelo, enquanto Qebaa, exibia seu belo cavalo marrom, com uma grande mancha branca na cara.
Os dois iam mais a frente. O comboio do rei vinha mais atrás, mas sem deixar folgas na segurança da autoridade.
– Então… disse que não era para estar aqui. Onde deveria estar?
– Truv’hel. Precisava buscar uma coisa lá; para o imperador.
– Se bem me lembro você tinha dito que era leal a Eduardo, seu rei. Agora me diz que estava fazendo um serviço para o imperador. Suas informações estão se contradizendo.
– Não estou trabalhando para meu irmão, Qebaa. Já disse um vez e torno a repetir: eu sou leal ao meu rei.
– Mas está indo a Truv’hel em nome de Menetuf.
– Sim, mas para ajudar Odilon, filho de Eduardo. Odilon foi a pessoa que me resgatou. Ele precisa de ajuda, sua filha está desaparecida.
– E agora você defende os interesses dos outros? Antes você só se preocupava com os seus.
Polipedes lançou um olhar malicioso sobre Qebaa.
– São seus interesses que você está visando. – Sorriu o monarca.
– Vai muito além dos interesses dele, até mesmo dos meus. A menina foi sequestrada pelos gigantes.
– De gelo? Essas criaturas estão adormecidas há séculos. Você mesmo confirmou isso. Esse sol… está muito quente. Preciso de um pouco de água para não derreter de tanto calor. – Qebaa pegou seu odre de couro e bebeu de uma golada na água. – Quer um pouco?
– Não, obrigada! Eu realmente achava que os gigantes estavam adormecidos, mas de fato não estão e mais uma preciso impedi-los.
– E qual será o plano desta vez?
– Ainda esta incerto. Odilon é que está resolvendo isso. – Mentiu. – Desta vez estou apenas sob as ordens dele.
– Bem… não acredito em suas palavras, porém, não posso obriga-la a dizer nada. Vai demorar pouco mais de duas horas para chegar em Donath e eu não pretendo cavalgar no sol até a capital, entrarei dentro da carruagem para me refugiar desse calor. Você pode me acompanhar, ou, pode continuar montada em seu cavalo.
– Agradeço o convite, mas prefiro ficar no cavalo mesmo.
– Se é assim que deseja… conversamos mais na capital então.
…
– Odilon… – Niara sussurrou. – Odilon! – Gritou.
– O que houve? – O jovem saltou da cama assustado. – O que aconteceu?
– Você estava se debatendo, acho que estava tendo pesadelo. Você estava?
– Não me lembro. Preciso encontrar Polipedes.
– Você já disso isso… da outra vez. Sabe… eu posso te ajudar, mas preciso que faça algo por mim.
– Então… preciso te ajudar para você me ajudar?
– Certamente. Vamos nos ajudar, ou não?
– E que tipo de ajuda seria essa?
– Primeiro diga se vai me ajudar.
– Não. Vou sair daqui sozinho.
– Você não vai sair daqui sozinho. Você nunca passará pelo portão e mesmo que consiga atravessa-lo o que vai fazer quando sair desse jardim? Você não sabe para onde ir. Não tem ideia de onde seus amigos estão. O que vai fazer? Sair pelo mundo a fora sem destino.
– Talvez eu faça isso. Talvez eu sai pelo mundo a fora sem destino.
– Não seja tolo, Odilon. Eu posso te ajudar. Sei como encontrar Polipedes, basta me ajudar apenas.
– Está bem! Agora diga-me do que precisa.
– Por anos eu estive trancada nesse jardim. Não sei como é mundo lá fora… – Niara foi interrompida.
– O mundo lá fora é uma merda, Niara.
– Mas eu nunca estive no mundo real para saber. Tudo o que eu conheço é esse jardim. Não quero morrer aqui dentro, quero viver de uma forma diferente. Quero que você me tire daqui.
– É só isso? Sair daqui?
– Existe uma sentinela no portão de saída. Eu nunca consegui derrota-la. Você vai ter que me ajudar a destrui-la, essa é a única maneira de sair daqui. Esse portão é a única saída que existe.
– Vale correr o risco.
– Então você aceita?
– Não tenho outra escolha…
– Que bom! – A feiticeira abraçou o rapaz. Era a primeira vez que alguém lhe retribuía uma ajuda com um abraço. – Vamos partir ao raiar do dia. Agora já está tarde.
…
Fazia dezoito dias que Odilon, Polipedes e Fiorella estavam desaparecidos. O imperador havia enviado equipes de busca para procurar alguma pista de seus subordinados, mas nada encontrava.
Não se tratava de um naufrágio, pois o navio havia retornado para Aurora após o desaparecimento dos três, mas o mais intrigante era que nenhum dos tripulantes se lembrava da presença dos jovens no barco, o que chamou muita atenção tanto de Menetuf, quanto de sua irmã Idris, que compartilhou a notícia com Mikae.
A jovem alquimista não quis sair para desbravar as terras de Truv’hel, ao invés disso ela aceitou a trabalhar na corte de Idris, em Aurora. Seu trabalho era de alquimista. Confeccionava diversas coisas para ajudar os exércitos do imperador, além de fazer parte do conselho da província.
Ninguém sabia ao certo o que tinha acontecido com os desaparecidos. Uns pensavam que eles já estavam mortos, outros achavam que Polipedes poderia ter escapado usando um portal, levando consigo os outros dois, mas ninguém tinha uma resposta concreta, porém quando o assunto era mencionado todos concordavam em uma única coisa: que três servos do imperador estavam perdidos.
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