Polipedes entrou no grandioso salão de jantar.
O local era retangular, composto por seis colunas dóricas, sendo três de cada lado. No meio do espaço havia uma grande mesa de madeira maciça e em torno dela dez cadeiras de madeira talhada, sendo quatro de cada lado e uma em cada ponta da mesa. No teto havia pendurada uma roda de madeira com inúmeras velas, sobre a mesa tinha três castiçais de bronze, cada um deles continha quatro velas.
O jantar já estava servido. Os serviçais haviam servido um belo porco assado com pequenas batatas coradas, também tinha algumas cestas com pão e queijo, jarras de vinho e tigelas com cereais.
Qebaa estava com seu prato cheio de porco e batata quando viu a feiticeira entrar, tentou limpar a boca com um guardanapo, na intenção de que a feiticeira não o visse como um glutão, mas já era tarde demais.
“Cargo diferente deselegância igual”, pensou a feiticeira. O rei estalou o dedo duas vezes e um sevo puxou uma cadeira.
– Sente-se. – Sua boca estava tão cheia que cuspia farofa.
Polipedes olhava enojada para Qebaa, que parecia ser mais porco que o próprio animal que estava comendo.
– Jante conosco. – Continuou. – Comigo. – Corrigiu. – Jante comigo.
Qebaa não tinha esposa, nem filhos. O rei general não sentia falta de uma companhia feminina, também não sentia vontade de ter um herdeiro. Sempre que tinha vontade de suprir seus desejos carnais visitava casas de tolerância, ou ordenava que seus servos lhe trouxessem prostitutas e sempre que sentia falta da companhia de uma criança visitava orfanatos, onde brincava com os pequenos, contava algumas histórias e as vezes entregava alguns presentes. Muitas vezes na hora do jantar Qebaa preferia comer sozinho, pois assim ninguém o veria comer desesperadamente, mas as vezes se sentia solitário e nesses dias o rei apelava para companhia de Dorath, uma senhorinha bem gentil que era a governanta do castelo.
– Não, obrigado. A noite procuro comer coisas leves.
– Sempre cuidando da aparência, não é mesmo? Mesmo sabendo que seu corpo nunca engordara devido a magia que você usa para se manter esbelta.
– Realmente faço uso de tais artimanhas, todavia nem todos sabem dos meus truques para manter esse corpo. Você bem sabe que não sou mais uma jovem que saltita pelos campos de flor, sou velha… bastante velha, se mostrasse minha verdadeira aparência não conseguiria seduzir nem a múmia de seu pai.
Qebaa deu um forte tapa no tampo da mesa e soltou uma gargalhada.
– Além de linda é bem humorada. Sirva-me mais vinho. – Disse, estendendo o copo. – Azaro seu se não vai jantar, mas preciso que se sente para podermos conversar.
– E sobre o que quer falar? Se for política não quero nem ouvir.
– Preciso de sua ajuda.
– Com o que?
– Depois que Solaria fechou as portas para o sistemas de trocas… – O rei foi interrompido.
– Disse que não queria falar sobre política.
– Não seja tão grosseira. Como eu dizia… depois que Solaria fechou suas portas para o sistema de trocas, meu reino ficou fadado a negociar apenas com os reinos desse continente. Seu rei não tem muito a oferecer, a maior parte das minha negociações são feitas no sul, nas terras selvagens.
– O que tem de errado nisso?
– O preço que eu pago. O reino de Petra está cobrando altas taxas de pedagio para atravessar suas muralhas e passar por suas terras.
– Mande seus navios pelo porto de Tibéria. Caso encerrado.
– E você acha que eu não já pensei nisso? Eles montaram um cerco nas águas, afundam todos os nossos navios de carga e ainda saqueiam o que não se perde no mar. Já perdi homens, mercadorias, embarcações…
– E o que pretende fazer, melhor dizendo, o que você quer que eu faça?
– Quero que me ajude a conquistar Petra.
– Quer formar um reino transcontinental, é isso?
– Sim.
– Qebaa, nós somos amigos, mas já tenho muitas coisas para resolver. Preciso encontrar Odilon novamente. A filha dele corre perigo.
– Você não entende, eu já tenho um plano, basta me ajudar executá-lo.
– Não posso e não quero. já estive em outras guerras antes e não quero mais me meter em nenhuma outra e como disse tenho que honrar a palavra que fiz a Odilon.
– Ah… pelos deuses, Yavel. Você já traiu o pai do menino uma vez, porquê não pode trair a confiança do filho agora.
Os olhos de Polipedes se encheram de poder, mas a feiticeira manteve a calma.
– Quantas vezes vou ter que repetir que eu não trai Eduardo.
– Isso é o que você diz, Yavel, mas não é o que as evidências amostram.
– Como pode querer me julgar, Arkell. Não foi você que fugiu quando seu reino mais precisou de você?
– Mais eu estava sob outras circunstâncias.
– Não tente justificar seus erros, meu amigo. Traição é traição, sob qualquer circunstância. Se era só isso que queria me pedir já tem minha resposta. Partirei imediatamente, preciso cuidar de meus assuntos.
Polipedes se levantou e deu as costas para Arkell. O rei olhou para um homem que estava escondido nas sombras e meneou a cabeça positivamente. O homem, trajado todo de preto com uma corrente na mão sai das sombras silenciosamente andou na direção de Polipedes e laçou seu pescoço com a corrente.
A feiticeira sufocou e caiu no chão. Tentava com as mãos tirar do pescoço a corrente, mas não conseguia, tentou usar magia, porém começou a sentir todo seu poder indo embora.
– Lamento, velha amiga, mas não posso deixar você partir. Até que mude de ideia e resolva me ajudar manterei você presa na masmorra e não adianta tentar fazer uso de magia, você sabe do que essas correntes são feitas.
– Você… você vai pagar caro por isso, Arkell. Eu prometo. – Sussurrava a feiticeira, tentando respirar.
– Levem ela daqui. Lembre-se, Polipedes: basta me ajudar que tudo isso acaba. Rodric, venha cá. Quero que cuidem muito bem de Polipedes, não a tratem como os demais prisioneiros. Quero ela bem conservada fisicamente e moralmente. Quando a puserem na cela retirem as correntes, o lugar é reforçado com o pó de esmeralda então não precisa fazer uso de outros utensílios.
…
A garoa caía sobre a verde grama dos jardins das ruínas do palácio.
O fogo tentava se manter vivo, porém algumas goteiras e o vento frio atrapalhavam as chamas de consumirem os gravetos.
Niara estava em pé olhando atentamente para a chuva, não sabia se o tempo estaria melhor pelo amanhecer e por isso estava preocupada.
– Disse que me contaria a verdade quando estivéssemos abrigados… bem estamos abrigados.
– Você está melhor?
– Ainda sinto um pouco de frio. – Disse Odilon, com a voz rouca. – O fogo também não está ajudando muito.
– Está parecendo que vai chover bom um bom tempo.
– Não fuja do assunto.
– Não estou. – Niara desviava o olhar.
– Me conte a verdade.
A mulher deu um suspiro.
– Fui criada com um propósito e assim que cumpri meus criadores me trancaram nesse jardim.
– Adanahel disse que se for embora do jardim você morre e o jardim também; isso é verdade?
– Sim, é verdade. Os anjos que me criaram não quiseram me matar, disseram que poderia ser útil no futuro, então, eles me coloram nesse lugar e associaram minha alma com a essência do jardim, dessa forma nunca poderia estar distante daqui, pois ambos desfaleceriam. – O semblante da jovem estava triste.
– Por que deseja sair desse lugar? Sabe que se for para fora morrerá.
– Porque isso já faz quinhentos e setenta e dois anos.
Odilon ficou espantado.
– Não me importo de morrer, desde que eu possa aproveitar o pouco de vida que me restar.
– Eu… eu não sei se é uma boa idéia tirar você desse lugar, pense em todas as vidas que você vai sacrificar.
– Vidas de animais e de plantas? E quanto a minha vida? Não tem importância?
– Você vai morrer. – Gritou Odilon.
– Todos nós vamos, Odilon. Todos nós.
– Isso é loucura. Você está tentando se matar.
– Estou tentando viver!
– Não vou fazer parte do seu assassinato. Assim que o tempo melhorar vou partir… sozinho.
– Boa sorte tentando descobrir onde fica a saída. Sem minha ajuda jamais a encontrará.
– Eu dou um jeito. – Disse friamente, mordendo um pedaço de pão duro.
– Você ficou sozinho por cinco minutos e quase foi morto. Quer passar uma imagem de homem forte e corajoso, mas não me engana, eu sei que está abatido, atordoado, só não sei o motivo, – Niara aproximou de Odilon lentamente, acariciou seu rosto e tocou sua cabeça gentilmente. – mas eu posso descobrir.
– Se tentar entrar na minha mente vai se arrepender. – Odilon afastou a mão da jovem com um empurrão.
– Você fez uma promessa, Odilon Antífes. Prometeu me levar com você se eu o ajudasse, eu fiz a minha parte, agora faça a sua. Não quero ter que fazer você se arrepender.
– Como sabe meu sobrenome? Eu não mencionei ele para você.
– Deveria conhecer bem as pessoas antes de fazer ameaça a elas. Subestimar as pessoas não é apropriado.
Odilon se manteve em silêncio por alguns segundos.
– Partiremos assim que o tempo estiver favorável. – Disse o príncipe.
Niara sorriu majestosamente.
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