Foi divertido. A rainha era divertida, a lembrava de sua família: alegre, eufórica e responsável. Talvez Claryssa conseguisse se adaptar ali.

Já se via em algumas semanas, com livros pesados nos braços, cumprimentando quem quer que fosse nos corredores, indo até o casebre de Simon pelas manhãs. Conversando com Kenichi. Recebendo cartas das irmãs. (E recebendo sua mãe quando chegasse!)

Basicamente três horas depois, a rainha conseguiu envolveu-a em uma conversa interressante por todo aquele tempo, Claryssa foi para o casebre de Simon.

Bateu na portinhola. Nada.

Bateu novamente:

̶ Hm.... Simon? Senhor? Monge? Alguém aí?

̶ Estou aqui atrás!

Atrás?

Claryssa rodou o casebre, chegando a um jardim. Simon está ajoelhado na terra, luvas e testa suada, plantando flores.

̶ Veja, não são lindas? ̶ Olhou para suas flores recém plantadas.

̶  São. Como se chamam?

̶ Boca-de-leão. Nome estranho, não? Darei uma pausa, vamos para dentro. Vou fazer um chá. Tenho bolinhos no forno também.

Dentro do casebre, uma tensão se instaurou no ar.

Claryssa ficou sentada na mesa enquanto Simon ficava encarando o chá fervente.

̶ Bom, eu preciso... contar uma coisa para você ̶ Ele começou ̶ Sua mãe não me pediu para que eu a ensinasse medicina. Bom, se quiser eu posso ensinar, mas não é o que realmente... ̶ Se enrolou. ̶ Há uma lenda que diz que um ser nem vivo nem morto chegou nas nossas terras. Não Tinta ou qualquer outro, já que é uma lenda muito antiga e os países de hoje ainda não existiam... Esse ser tinha formato de pessoa e corpo de árvore, com fios enrolados, como se fosse uma marionete. Marionete-Talhadora é como é chamado. Marionete-Talhadora tinha um poder guardado dentro de sua casa, um poder inimaginável. Não sabemos realmente como aconteceu, nem porquê dele estar aqui, mas um homem se tornou seu amigo...

Eu lembro. Eu lembro. Eu lembro de tudo. E como Simon enrola muito, vou dar uma resumida para você.

Marionete-Talhadora tinha uma cabana, uma cabana que sempre se mexia e ia de um canto a outro do mundo. Eu desejei encontrá-lo - foi lá no início dos tempos desse planeta, quando humanos ainda eram macacos - e tal me encontrou. Marionete-Talhadora era quem encontrava, era quem ia atrás de quem quer que desejasse vê-lo; jamais o contrário.

Sua altura era de uns dois metros, seus braços eram finos, mas ainda eram tão fortes quanto mil homens. Tinha fios enrolados ao redor de seus ombros, cotovelos, pescoço, joelhos. Não tinha expressão, era um bicho morto andante.

Ele, ou ela, ou coisa, talhava lá dentro da cabana; talhava o ser que mais queria vê-lo naquele momento. Dessa vez, a minha vez, havia apenas um pedaço de madeira, intocável. Eu não tenho imagem, nem reflexo, nem olhos, sou essência, não matéria.

̶ O que o traz aqui? ̶ Eu perguntei.

̶ Aqui onde? Gosto de ficar pelo litoral por causa da brisa.

̶ Não isso. Aqui, neste planeta.

̶ Oh. Tenho um dever. Os antigos juízes se foram, precisamos de novos.

Séculos (ou milênios?) depois daquela conversa, um humano se tornara uma companhia para Marionete-Talhadora. Demorara muito tempo para que qualquer humano se tornar um “amigo” da criatura, afinal, morriam antes de conseguir deixá-lo confortável com suas presenças.

Teçá era seu nome.

Teçá pegou o tesouro escondido na casa de Marionete-Talhadora. O tesouro era uma engrenagem impregnada de algo, algo invisível e poderoso. Naquele dia, sem perceber, Teçá se tornou o primeiro trancador de Yin-Yang. (Observação: para Simon e para todos os tintilianos, Teçá recebeu Yin-Yang dos Anjos).

Teçá teve filhos; quando morreu seu primogênito herdou Yin-Yang. E esse primogênito teve filhos, e o mais velho herdeiro Yin-Yang; e assim por diante.

Com uma fama de terem um filho dos Anjos na terra, criou-se uma região nova, Anjêdo. Cada primogênito, um após o outro, assim que seu antecessor morria, era dado como o filho dos Anjos; e assim a nova igreja se mantinha forte. Os filhos ouviam a voz dos Anjos e davam sorte e boa saúde aos fiéis, além de avisar se alguma energia de Credo estava por perto.

Credo era o horrendo e temido, o contrário dos Anjos, o culpado por todo o mal.

Talvez não se lembre, mas Geovane morreu na Grande Guerra, há pouco mais de uma década. Ele era um filho dos Anjos, que fugiu e foi para o meio de um campo de batalha. Geovane morreu.

Sem descendêntes. Yin-Yang não foi apra nenhum de seus parentes. Não vou entrar no assunto sobre os problemas atuais da igreja.

̶ O que eu quero dizer... Quando Geovane morreu ̶ continuou Simon ̶ ele não tinha filhos. Nenhum. E, pelo visto, as forças Yin-Yang se separaram.

Claryssa já estava perdendo a paciência. Era um assunto tão importante assim? Ela sabia o que era mais importante. Yin-Yang eram forças extremamente fortes, seja lá o que isto significasse. Yang era a força dos Anjos. Yin era Credo.

Já lera sobre isso, sobre pessoas que dizesseram receber maldições de Credo e como foram salvas por um filho dos Anjos.

̶ Pelo visto, Yin agora está...em você.

Oh.

Espera, ela não fazia ideia do que aquilo realmente significava.

̶  Foi isso que mamãe pediu para você me contar?

̶ Foi ̶ Simon tomou seu chá.

̶ Mas ̶ parou, pensativa ̶ isso é o que realmente? Eu faço mal às pessoas?

̶ Não! Você é uma ótima menina. Mas temos...que fazer algo quanto a isso. Sua mãe tentou, você não usou um colar prateado por um tempo? Ela me disse. Mas sua magia murchou e o colar quebrou, não foi?

̶  Sim.

̶ Sua mãe pelo visto não conseguiu neutralizar Yin. Por isso ela pediu minha ajuda.

Claryssa piscou, recebendo muita informação ao mesmo tempo. Aquilo era inacreditável.

̶ Nunca aconteceu nada de ruim. ̶ Ela argumentou.

̶ Sim. Nada de ruim aconteceu. Eu não compreendo, mas o melhor é nos previnirmos quanto a isso, não acha?

A menina assentiu com a cabeça, ainda sem saber exatamente o que pensar. Deveria se preocupar? Se desesperar? Ela não queria.

̶ E o que acontece agora? ̶ Ela perguntou.

Simon se levantou lentamente, como se houvesse um grande peso em suas costas. Foi até sua estantezinha e pegou um livro.

̶ Existe muitas...coisas. Esse é o livro Eduardo, o Pútrido. Fala sobre as utilidades do sangue. ̶ Sentou-se de volta na cadeira, afastou o bule e sua xícara para o lado. ̶  Tem como curar usando sangue, sabia? Sua irmã Amélia faz isso.

̶ Ela faz.

̶ Apenas uma gota e Amélia cura qualquer ferida. É um dom realmente raro no mundo inteiro. ̶ Simon passou as páginas e parou em uma dizendo: gota pútrida ̶ Esse também é algo difícil de encontrar, mas não é algo que requer dom. Pode-se aprender. Aqui diz: necessário de exatas três gotas de um cadáver para criar, junto com algumas outras coisas, o veneno cheiroso. O cadáver deve ter sete dias e duas horas, com uma margem de erro de duas horas para mais ou para menos; e deve ser de uma pessoa com gripe do norte. As duas condições são obrigatórias.

Certo, aquilo era realmente medonho.

Simon folheu um pouco mais, até que chegou em uma das últimas folhas, passou por uma página com título trancar corpo, e logo depois chegou á página com título prender a magia.

̶ Pode parecer assustador, Claryssa, mas eu garanto que não será perigoso. Meu plano é trancar e enfraquecer Yin para que não aconteça nada de ruim no futuro.

Claryssa não ficou com medo. Na verdade, gostou da ideia de poder fazer algo que sua mãe queria.

̶ E como faz?

̶ Hm...Só tenho que dizer que...como tudo nese livro, precisamos de uma gotinha de sangue. ̶ Simon ainda estava cauteloso ̶ E tenha cuidado. Não conte isso a ninguém, tudo bem?

̶ Certo!