Rindo, os três foram ao encontro de alguns magos da Flora que preparavam buques e outros enfeites feitos de rosas e lírios.
O primeiro de três dias de festividades direcionadas a Gaia costumava ser o mais calmo, geralmente dedicado a danças e brincadeiras.
De fato, o verdadeiro festival se dava no quadragésimo quinto dia do outono, o equinócio e segundo dia do festival de Gaia, a cidade toda era decorada com plantas e flores em homenagem a deusa, esse costuma ser o dia em que os magos se reúnem durante o pôr do sol no centro da praça para aproveitar a magia do equinócio e fazer seus rituais de proteção e limpeza de energias, garantindo paz e segurança até o solstício de inverno.
No terceiro dia, o festival perdia um pouco da agitação, mas se mantinha movimentado até a noite para o encerramento com uma apresentação de fogos de artifício.
A distância eles repararam em dois magos discutindo, um deles pouco mais baixo que Aglia, possuía longos cabelos ruivos, a pele negra contrastava com a longa túnica verde esmeralda presa à cintura por um cinto de cordas de capim-dourado, ele sacudia as mão impaciente. A outra maga, Calisto, franzia o cenho contrariada, era mais alta que os gêmeos e usava um longo casaco rosa envelhecido, os cabelos negros eram curtos e repicados com uma pequena trança que caía por trás de sua orelha de elfo.
— Se vamos usar lírio para homenagear Alys deveríamos ao menos usar um pouco de sálvia para Arandir. — Dizia o mago de verde.
— Gosto tanto de Arandir quanto você, Aradir, mas sabe que lírio e sálvia não ficam bem juntas.
— Ora essa! — Disse Aglia aproximando-se dos amigos. — Vamos, não há motivos para discutirmos.
— Aglia! — Ambos tornaram sua atenção a ela. — como está se sentido? — Perguntou Aradir se aproximando, os olhos cinzentos brilhavam em preocupação.
— Estou bem agora, não se preocupem. — Disse dispensando o braço que Calisto lhe oferecia como apoio. — Não é um pouco de chuva que vai me derrubar.
— Et mun rox Calisto. Et mun rox Aradir. — Comprimentaram Lilla e Rox baixando a cabeça levando a mão esquerda ao peito e estendendo-a em seguida enquanto erguiam novamente a cabeça.
Um dos cumprimentos mais comuns em Mérion, especialmente entre magos, é o ato de oferecer o coração e a cabeça ao outro, demonstrando sua confiança e, muitas vezes, respeito pelo outro mago. Este cumprimento é chamado comumente de Firadhir. Já a frase usada por Lilla e Rox, na linguagem comum, significa literalmente “A magia das estrelas brilha sobre nosso encontro”, simbolizando a boa fortuna de um encontro, essa frase costuma ser usada entre amigos que não se veem a um certo tempo.
— Et mun Rox farien. — Respondeu Calisto repetindo o gesto.
— Como vão velhos amigos? — Perguntou Rox abraçando ambos.
— Muito bem, obrigado. E quanto a vocês?
— Muito bem.
— Soube que haviam retornado a Mirandir, o que os trouxe de volta?
— Digamos que as coisas estejam mais calmas por aqui. — respondeu Aradir.
Aglia aproximou-se dos arranjos, estavam ainda mais belos que os do ano anterior pareciam, aos olhos de Aglia, cintilar com um brilho próprio.
— E então como vão os preparativos? — Perguntou virando-se para os dois.
— Estávamos discutindo agora mesmo sobre que flores deveríamos usar.
— Sobre usar ou não sálvia, estou certa? — Ambos acenaram em confirmação.
— Decidimos sobre rosas e lírios, para homenagear Gaia e Alys respectivamente, sabe? Mas Calisto e eu não conseguimos entrar em um consenso sobre a flor que deveríamos usar para Arandir, sálvia é a planta, mas Calisto insiste que “não é uma boa escolha do ponto de vista decorativo”.
— E reafirmo. Oras! Sálvia com lírios e rosas? — Retrucou Calisto irritada. — Não estamos arranjando vasinhos de honras, todas a bandeirolas serão trocadas por vinhas floridas, sálvia está fora de questão.
— O festival é para Gaia, mas já que vamos homenagear Alys também deveríamos ao menos fazer esse favor a Arandir. Além disso, que pretende usar?
— Qualquer planta, desde que não seja sálvia.
— Cunhados. — Cochicou Lilla para Rox, que riu baixinho.
— Farien. Não há motivos para brigas, vamos todos nos acalmar primeiro, sei que podemos todos encontrar uma solução para isso. — Disse Aglia em sua habitual calma.
Aradir e, especialmente, Calisto levaram alguns momentos para pararem de olhar torto um para o outro, mas, após algumas interferências de Aglia, por fim decidiram focar sua energia em resolver o problema.
— Por que não usam a gardênia? Irá combinar muito bem com as rosas e os lírios.
Calisto levou a mão ao rosto. — Como não pensei nisso antes.
Aglia riu ao ver que Aradir também parecia incrédulo por não ter se recordado da flor que era a favorita de Arandir.
— É o que sempre digo, nossa irmãzinha é uma líder nata. — Disse Lilla envolvendo Aglia com um dos braços.
— Lilla, seja razoável.
— Estou sendo maninha, só você quem não vê suas qualidades. — Implicou cutucando o braço de Aglia.
— Aliás, onde foram Delfri e Térnia? Estavam aqui até um minuto atrás. — Perguntou Aradir.
— Sua irmã e Delfri saíram de fininho enquanto discutíamos — Respondeu Callisto.
— Estão falando de mim? — Disse uma voz feminina vinda de trás dos trigêmeos.
Os três se viraram para uma maga tão alta quanto Calisto, de cabelos negros e pele pouco mais clara que a de Aradir, seu semblante jovial esboçava um sorriso divertido. Ao seu lado estava um mago de pele parda e curtos cabelos turquesa que combinavam perfeitamente com seu paletó ciano.
— Térnia! — Exclamou Lilla.
— Farien! Há quanto tempo! Et mun rox. — Disse, usando o gesto usual de comprimento.
— Et mun rox. — Repetiram os três em uníssono.
— Vocês três. — Riu aproximando-se de Aradir e Calisto. — Fui até a barraquinha de Cass na esperança de distraí-los com um pouco de comida. — Disse tirando dois pastéis assados de um pacote — Um pastel de maçãs com rosas para minha amada Calisto e um de uvas com mel para meu querido irmão. — Disse, como quem quer agradar.
Ambos puseram-se a comer os pastéis imediatamente.
— Divinos.
— Eu disse que funcionaria — Riu dirigindo-se ao outro mago.
Delfri aproximou-se e cumprimentou aos três — É um grande prazer conhecê-los, sou Delfri. Calisto Aradir e Térnia falaram muito sobre vocês, especialmente você, Rox? Estou certo? — Calisto observava divertida ao passo que Térnia acenava para que Delfri não dissesse mais nada.
Aglia e Lilla tinham um certo tom preocupado, mas assim que viram como Rox estava corado, Lilla não pode se conter e caiu na gargalhada.
— Calisto! — Exclamou Rox lançando a ela um olhar mortal.
Calisto apenas encolheu os ombros — Aliás, Rox, gostaria de lhe falar. — Rox a olhou desconfiado — Não é nenhuma sessão de terapia, apenas quero lhe perguntar algo.
Rox suspirou e acenou, Calisto se aproximou o suficiente para que apenas Aglia e Lilla também ouvissem e com um sorriso travesso perguntou:
— Minha irmãzinha Cass tem falado muito sobre você, como vão as coisas entre vocês?
Rox estava tão corado que o pouco da pele morena que herdara de suas irmãs estava agora visível, naquele momento tudo que queria era enfiar a própria cabeça em um buraco e não sair de lá por um bom tempo. Ele respirou fundo, virou-se e foi embora, Aglia e Lilla despediram-se rapidamente e o seguiram.
— Por quê? — Disse finalmente enquanto desamarrava Luxon.
— Oras maninho, porque o fato de você e Cass gostarem um do outro é tão claro quanto a água.
Rox não respondeu, frustração dominava sua expressão.
— Não se deixe levar pelas provocações de Calisto, lembre-se porque ela e Lilla se dão tão bem. — Disse Aglia pousando uma das mão sobre o ombro de Rox.
—Ei! Eu ouvi isso! — Gritou Lilla.
Ambos riram.
— Sei que está confuso e inseguro. E ninguém pode obrigar você ou Cass a fazerem nada, apenas dê tempo ao tempo e tudo ficará bem. — Disse Aglia com um caloroso sorriso.
— Obrigado Ag. — Disse abraçando-a com os olhos marejados.
Aglia separou-se do abraço e pousou a testa sobre a de Rox — Vai ficar tudo bem. — Disse, desta vez mais baixo e não aprecia falar de Cass.
Luxon os separou acariciando Rox com o focinho.
— Podemos ir? Ainda temos um treinamento hoje. — Disse Lilla montando em Luma.
Os dois acenaram e juntos partiram para casa, enquanto cavalgavam o cristalino céu ciano de Mérion ganhava um tom magenta ao passo que mais e mais as sóis gêmeas de Mérion, vistos apenas como um, escondiam-se no horizonte.
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