NÍNIVE
7:25
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Não iria ás primeiras aulas hoje. Talvez no segundo tempo. Ou até mesmo na saída, para dar satisfação a Marcinha, que costuma me esperar para irmos juntas a escola.
Ignorei as ligações de mamãe não queria contato algum com nada e ninguém. Acordei de um mau humor terrível. Realmente deseja entender o porque das sereias dos meus livros infantis pularam para fora de suas historias tão de repente assim, quero dizer com isso que, essas historias não são reais, é impossível alguém ser metade de duas coisas.
Ainda tinha sede, sede de respostas.
"Voltarei lá e acabarei com está palhaçada!"
Talvez o que ele fez não fez por mal, parecia muito assustado.
Nem me dei ao trabalho de me pentear ou vestir uma roupa decente, enfiei os cabelos embolados num boné e vesti a minha "roupa de guerra", um macacão batido jeans e um tênis desbotado, não precisava de muito para encontrar o bicho das trevas.
Ao descer as escadas vi que deixei a porta aberta:
"Meu Deus, que perigo! Como podia deixar de trancar a porta? Ainda mais depois de tudo aquilo? Tanto faz, só vamos fechar essa porta e..."
Algo pulou de trás do sofá e correu rapidamente até a porta, fechei-a antes que aquilo conseguisse sair, era um gato, rosnando para mim. Abri a porta assustada e deixei que fosse embora. Meu coração quase saiu pela boca, realmente foi muita adrenalina para tão cedo.
Peguei minha pequena bolsa e guardei uma faquinha no bolso do macacão, procurei qualquer coisa que pudesse chamar a atenção do tritão, talvez uma maça, quem sabe ele estivesse com fome. Fechando a porta, deixei uma pequena tijelinha com água e alguns pedacinhos de pão no chão, desço as escadas até a praia, onde sinto que a cada degrau, minhas pernas ficarem mais bambas de ansiedade. Estava chegando perto, o cheiro de peixe podre estava cada vez mais forte.
"Como alguém ainda não o encontrou a essa altura? Olha esse cheiro, Arg!"
Descendo os últimos degraus, disse sem jeito:
- oi, ahm... Eu sou a Nínive, a menina que você salvou ontem -"Ponha salvou em todas as aspas que você conseguir, seu cretino"
Ouço um farfalho nos arbustos próximos:
-Queria ver se esta tudo bem, sabe? Você parecia meio assustado ontem - vejo insetos se atiçarem e se afastarem de onde vinha os farfalhos - Eu... E-Eu trouxe uma maça e... E só. Queria que soubesse que se precisar de .... De ajuda, APAREÇA INFERNO!! - disse num grito, estava no meu stoping de nervosismo com aqueles sons e todo o mistério - Eu só quero ajudar, se possível.
Devagar, vou me abaixando para deixar a maça no chão e solto um grito quando uma mão fria agarra meu pulso. Numa tentativa de fuga, puxo a corro e levo junto a mão, dando um tranco, eu caio sentada e vejo as costas desnudas de um menino, desbotado e magro. Parecia tentar respirar, mas ele estava comendo areia ao invés de respirar. Me levantei com cautela e movi seu corpo para que ficasse de barriga para cima. Me deslumbrei com o que estava vendo. Contando com o seu rabo de peixe, seu corpo parecia ter mais de 3 metros, por mais que estivesse pálido sua pele parecia ser um moreno bonito. Além de ter um rosto fino e olhos profundo cor de âmbar, os cabelos cacheados e crescidos eram de um preto tão envolvente quando o banhar da noite.
O garoto abriu os olhos e logo os revirou novamente se esforçando para respirar e se manter são:
- Não me machuque, por favor...
Enrugando a testa, tirei uma conclusão disso tudo, ajudarei a coisa, ele parece mal e ferido, me sentiria triste se eu estivesse nessas condições e ninguém me ajudasse. Sei que será arriscado mas ele precisa de auxilio.
- Bem, acho que teremos bastante trabalho a partir de agora.
☆☆☆ ☆☆☆
Colocando o menino dos olhos âmbar na banheira, fui indagada com grosseria pelos meus pensamentos:
"O que você exatamente esta fazendo, sua idiota?"
- Ajudando alguém com necessidade -Respondi arfando, pois subir três lances de escadas evitando pessoas, e se escondendo em arbustos com um corpo, não é exatamente fácil. Rapidamente abri a torneira de água fria, enchendo até a cintura da criatura abiótica. Corri escada abaixo a procura de uma outra maçã já que a ultima eu perdi na areia da praia, vasculhei toda a fruteira e a geladeira, mas a única coisa que encontrei foi um pote com as sobras da sopa de frutos do mar. Precisava urgentemente fazer compras, não tinha nem sequer um ovo na geladeira.
- Bom, se ele nunca experimentou peixe, hoje é o dia...
Comentei enquanto passava a sopa do pote para uma panelinha já esquentada.
Terminando o preparo, corri escada a cima com o alimento. Abrindo a porta rapidamente, oferecendo:
- Então... Eu voltei com uma sopa de... D - de legumes, isso, legumes!- Menti, agora que parei para pensar: seria canibalismo?- Você consegue pegar?
Ele arregalou os olhos e logo tomou a tigela da minha mão.
- Isso está muito bom...- Só não imaginei que vocês chamassem peixe de legumes aqui- Disse levantando o rapinho de peixe da tigela.
"Merda, ele descobriu que era peixe, óbvio que descobriria, era claramente carne de peixe! TINHA LITERALMENTE UM RABINHO DE PEIXE NA TIGELA HAAAAAAAA!!"
- haaaamm.... Seres humanos e seus costumes né amigo, melhor deixar para lá ha ha.... Quantos dias você estava sem comer?- mudar de assunto me pareceu uma ótima ideia.
- Não estava exatamente sem comer. Vocês tem palmeiras até que melhores que muitas algas por ai, viu- um sorriso tímido se formou em seus lábios cansados e sujos da sopa.
- Algas... peixes humanos comem algas?
- Raramente.
-AH, certo, entendi... Os peixes são como primos para vocês?
-Talvez- ele entendeu o que eu estava pensando e sorriu de forma brincalhona. Não era muito difícil interpretar o que eu estava pensando, até porque minha cara já revelava tudo.
- Bem... Eu não queria ir direto ao ponto mas, por que a patrulha estava atrás de você? Por que você tem um... um rabo e o principal -Respirei fundo para ter certeza que as palavras sairiam sem parecerem bobas - como você veio parar aqui?
- Eu... eu não sei, não mesmo- Seus olhos desviaram dos meus, ele estava escondendo coisas, não me parecesse seguro ter pessoas com rabo de peixe em sua casa sem ao menos entender como elas chegaram ali. Talvez ele tenha percebido minha cara de decepção e continuou emendando palavras:
- Sabe eu, cai de uma das instalações das ilhas distantes e vim fugin... e vim nadando até aqui. S- só isso...
Ele ia dizer fugindo, mas fugindo de onde? De quem? Que instalações? Ilhas...? AS ILHAS FANTASMAS:
- Como você conhece as ilhas fantasmas, como você saiu de lá se é um lugar fechado e impossível de sair? O quanto você conhece do mundo exterior?!- levantei num salto deixando a cadeira atrás de mim cair, com os olhos arregalados sedentos por respostas, o encarei. Ele abaixou a cabeça e se encolheu no canto da banheira segurando antebraço arroxeado, estava assustado e cansado demais, como eu era tonta e egoísta, e aquele roxo, bem...
- Oh, desculpe... Então... Esses seus vergões... são os efeitos da sua viagem até essa banheira. Agradeça por estar vivo. - disse com uma expressão sem graça enquanto levantava a cadeira e voltava a sentar nela. - Desculpe. Eu sei que você esta cansado, não queria ter te assustado. Quer descansar num lugar mais confortável que essa banheira? Tem o colchão de... -esqueci que o colchão de visitas já estava um completo lixo, só restava a minha cama para o mais novo visitante -A minha cama, talvez ela seja confortável para você, garoto.
-Pode ser... Se tiver alguns lençóis para eu colocar embaixo da minha cabeça, ficaria muito grato.
Parece que ele ficou um pouco receoso com a minha presença agora que toquei no assunto de como ele veio parar aqui, e nem ao menos me respondeu quem ele é porquê tem um rabo.
-Temos travesseiros para isso, não se preocupe, agora venha aqui que na minha cama ninguém deita molhado.
Talvez fosse errado, mas achava ele interessante, e com aquela breve conversa parecia ser de uma personalidade branda e amável, e corava toda vez que o encostava com a toalha. Seus olhos Âmbar traziam uma pureza e paz, era um... um pequeno brotinho.
Um brotinho dos meus sonhos.
Enfim não há tempo para sonhar, terminei de seca-lo.
-Tem certeza que aguenta meu peso?
Perguntou enquanto me preparava para iça- lo.
Sorri dizendo:
-Sim, com certeza subi muitas escadas com esse seu corpinho pesado.
Certo, vamos lá. 1, 2 e 3!!- disse levantando o menino com todas as minhas forças restantes - CATAPIMBAS - urrei com o peso que a alguns momentos atrás eram extremamente leves.
- Por que tão pesado!- disse arfando após derruba-lo na cama.
-Desculpe...
-Não, você não tem culpa de nada. Eu só te trouxe com mais facilidade antes por conta da adrenalina mesmo.
Adrenalina, é o que faz o nosso corpo se movimentar com mais rapidez e ferocidade quando em perigo. Nos dando mais força e menos raciocínio. Como se fosse ligado o modo selvagem e instintivo do animal ser humano. É engraçado o seu funcionamento e como ainda temos essa ligação depois de anos de evolução com os nossos antepassados "primitivos". Será que evoluímos tanto assim? Ou nós só adquirimos novos costumes, pensamentos, cultura e valores?
"Acho que nunca chegarei a uma reposta concreta."
Por hora iria me alimentar e terminar algumas lições nos livros, não quero me arrepender da decisão de ceder a cama. Antes de sair, observei o jeitinho de dormir do pequeno brotinho. Encolhia as mãos junto ao peito, e sua longa e brilhante cauda avermelhada se mantida semi esticada. Havia estendido uma coberta na tentativa de cobrir todo o seu corpo, mas uma grande parte do seu rabo ficava para fora. Não tinha outro jeito a não ser colocar as duas únicas cobertas existentes na casa para ele.
Sua única e delicada reação foi sorrir e se ajeitar no travesseiro. Foi quando que me dei conta.
"Qual é o nome dele?"
A essa altura, o que algumas letras juntas importavam? Eu tinha um sereio na minha casa, a coisa mais improvável possível de se acontecer EM TODO O MUNDO. O que mais eu queria? Que outra criatura mágica dos livros infantis viessem busca-lo?
- Brotinho - ri sozinha.
Juntando alguns pertences importantes para minha pesquisa, sai do quarto, deixando o brotinho descansar em paz.
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