Quando ele pediu desculpas de novo, não foi publicamente, não nas redes sociais, pelo menos. Foi na presença da minha família, mas não estavam prestando atenção na nossa interação. Ele havia chegado à pouco tempo, íamos comemorar o Natal juntos. Ele disse que eu estava tão linda, que quando se aproximou foi a primeira coisa que ele conseguiu dizer e então se desculpou pela demora.
Eu pensei se ficaria com raiva, mas ao invés disso estava triste e ele viu em meus olhos. Disse que dava para dizer pelo meu andar até a cozinha, que ele acompanhou sem questionar. Eu coloquei um prato à sua frente e me sentei na bancada, algo que ele sabia que se minha mãe visse, podíamos começar a discutir... brigar na realidade. Por isso ele lançou um olhar direto para minhas coxas e para a porta.
-Me desculpe. -Ele se aproximou, uma mão perto do fogão, uma na minha perna, muito quente. -Minha avó queria me ver comer frango com calda pra me deixar vir. -Ele riu quando me viu sorrir.
Ele quis tocar meu rosto, e me fazer olhá-lo, eu sabia disso por sua mão que pairou no ar. Ele queria saber de onde vinha meu olhar desanimado e tirar aos beijos.
-Ei. Eu tô aqui, cheguei. Vamos nos divertir certo? -Ele aguardou que eu o olhasse.
Balancei a cabeça duas vezes em concordância, mas minha expressão não mudou. Ele se deixou levar, sua mão sobre a minha, sem tirar a outra palma de cima da minha perna, coberta pelo jeans rasgado, onde ele brincava com os dedos, cócegas formigando em mim.
-O que você quer fazer comigo? -Ele falou, pensando no que eu havia planejado e ele infelizmente estragou de alguma forma.
Ele viu e se surpreendeu, como sempre, meu olhar demorou dois segundos no chão, onde estava desde o início da conversa, e então saltou para ele, o fazendo suspirar. Senti que nossas expressões era similares agora, ele tinha um estranho brilho nos olhos, tão profundo que senti aquele maldito olhar em meu corpo todo, era perturbador, e queria ficar ali para sempre.
-Eu quero fazer tudo com você. -Eu disse, minha voz quente.
Ele se aproximou mais, seu rosto de encontro ao meu. Minha mão foi até sua bochecha, sentindo a forma como sua pele estava macia. Ele tinha se depilado para a festa, o cheiro masculino subindo aos meus sentidos. Eu queria ficar com ele ali para sempre.
-O que acha de comermos e sairmos um pouco? -Eu disse, depois de um tempo sentindo seus dedos acariciando minha cintura.
-Acho um bom plano.
-Vamos na praia?
-Melhor ainda.
-Certo.
Depois que convencemos à minha mãe que tínhamos comido o suficiente para sentir que iriamos estourar, conseguimos sair da casa. E então o ar da noite nos atingiu, quente, úmido. Ele segurou minha mão e foi até a moto comigo. Passar pelas ruas naquela noite foi algo diferente, pois eu senti que cada frescor do ar estava coberto por alguma energia. O Natal carregava essa onda melancólica, festiva, feliz e triste para mim.
Quando tocamos a areia da praia com nossos pés descalços, eu estava certa que aquele dia seria para sempre. Pelo menos em minha memória. Seus braços me rodearam, eu senti a emoção me alcançar. Seus lábios foram até meus cabelos, até meu pescoço.
-Hum. Estou sentindo algo estranho hoje. -Minha voz era pequena em meio às ondas.
-O que? -Ele me abraçou mais forte, eu me apoiei mais contra seu peito.
-Não sei explicar. É como se eu estivesse... Perdendo algo.
Eu observei o horizonte, como o céu escuro e o mar se completavam, como as estrelas estavam radiantes. Esperei poder lhe dizer melhor o que eu estava sentindo, mas eu não tinha palavras complexas ou simples o suficiente.
-Como luto? -Ele perguntou baixinho.
Pensei por um instante, eu nunca fiquei de luto, nem mesmo quando perdi um parente em minha família. Ou talvez não foi um luto como os outros. Eu não chorei, eu não passei vários dias estática, vendo o mundo passar e sem reconhecer ninguém. Eu segui com minha vida. Mas agora, é como se uma saudade se instalasse em mim, como se cada onda em meu peito me levasse a pensar que eu estava a ponto de ver algo ir embora.
-Não sei dizer... Talvez.
-Bem, você pode sempre me dizer o que anda acontecendo. Podemos conversar sobre tudo.
Eu apenas balancei a cabeça, eu sabia que deveria me abrir para ele, lhe levar comigo nesse sentimento, já que ele estava disposto. Por algum motivo eu não quis lhe dizer, não quis complicar nada. Não quis complicar nossa relação, não quis que ele se preocupasse comigo, não quis que ele se cansasse.
Mas por que eu pensei aquilo tudo?
Depois daquele dia, eu fiquei pensativa. Ele começou a se preocupar, e eu não conseguia definir com todas as palavras, o por que de eu estar me afastando. Eu me afastei, ele deixou acontecer. Nós ficamos um tempo sem nos falar, e tudo o que eu poderia fazer era esperar.
Esperar o fim.
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