Fim de uma tarde ensolarada de maio, conhecido como mês das noivas por razões ainda discutíveis. Em pleno outono, mais um casamento está prestes a acontecer.
A igreja toda enfeitada, tão bela que parece cena de filme. No altar, o noivo mais parecendo um pinguim dentro de um smoking alugado pelos olhos da cara, os padrinhos solteiros com cara de enterro questionando o que o amigo estava fazendo, e as madrinhas com vestidos chamativos, tanto em cor quanto em modelo, como se quisessem receber mais atenção do que a noiva. O padre está quase cochilando no altar e os convidados se mostram ansiosos, a maioria não pelo casório em si, mas sim pelo banquete da festa que se seguirá.
Atrasos são muito comuns. Quem nunca esperou alguns minutinhos até que a noiva chegasse à igreja? É um dia muito importante, foi planejado por meses, detalhe por detalhe, para que tudo seja simplesmente perfeito, ou o mais perto possível. O fato é que já passou mais de meia hora e nada da noiva. Deve ser o trânsito.
Todos na igreja estão apreensivos, principalmente o noivo, suando frio, ainda assim mantendo um sorriso no rosto. Comentários maldosos começam a se espalhar, até fizeram uma aposta para saber se a moça apareceria ou não em seu próprio casamento. Algumas tias velhas conversavam com a mãe do pobre coitado, dizendo coisas como “Eu nunca confiei nessa garota” ou “Se fosse o meu filho, isso não aconteceria. Não mesmo!”.
Eis que uma criança entra na igreja para dar a notícia da chegada da noiva. Quanto alívio. O noivo solta um longo suspiro, o padre acorda, o burburinho se encerra e todos se levantam aguardando a entrada triunfal da moça.
No lado de fora da igreja, os pais da menina se aproximam do veículo. A filha estava linda naquele vestido branco de renda, usando a grinalda que foi usada por sua mãe e por sua avó, com um véu curto para destacar o seu cabelo ruivo milimetricamente ajeitado, em suas mãos um delicado buquê de tulipas vermelhas. Parecia uma princesa.
A mãe já estava em prantos, mal conseguia falar. O pai se antecipa e diz “Está pronta, filha? Todos estão esperando por você”. Sem desviar o olhar do buquê, ela assente e sai do carro, sorumbática. Não era mais possível desistir. Não, de jeito algum. A jovem se posiciona ao lado do pai, e a mãe entra para indicar o começo da marcha nupcial.
As portas se abrem enquanto as primeiras notas são tocadas. Ela atravessa a igreja com todo esplendor, sorrindo para aqueles que há poucos minutos desdenhavam dela. Aqueles que seriam sua família -- estendida, mas com todo direito de opinar sobre sua vida.
A cerimônia segue enfadonha. Anestesiada, a moça tenta se recordar de como um namoro bobo de escola culminou neste fatídico dia. Por mais quanto tempo conseguiria acreditar que estava de acordo com essa ideia desesperada de seu noivo para superar mais uma crise de relacionamento? Adiaria o fim por mais um, dois, cinco, vinte anos de uma união infeliz? De que adiantaria satisfazer a vontade de todos se, afinal, só decepcionaria a si mesma? Falta-lhe ar, mas logo se recupera. Repete votos no automático, ensaiados incansavelmente para se convencer de que havia tomado a decisão certa.
A chuva de arroz não é a única que abençoa este casamento. Uma leve garoa cai no lugar das lágrimas que gostaria de poder chorar. Ao jogar o buquê da escadaria, nenhuma solteirona é capaz de pegá-lo, caindo numa poça d'água próxima ao esgoto. A recém-casada olha a cena em um silencioso luto pelo futuro que se seguirá.
Um forte temporal desaba a caminho do salão de festas. Nada que diminuísse a pressa do noivo para comemorar seu grande feito. Sentindo-se no ápice de seu dia de sorte, ele avança o sinal vermelho. Um caminhão acerta em cheio o banco do motorista, fazendo o carro capotar a uma distância considerável.
No leito da emergência mais próxima, a jovem acorda cercada de olhares tristes. Com pesar lhe informam que seu noivo não resistiu, e ela pede um momento a sós com o corpo. Na sala de luminosidade fria e estéril, ela faz como se acariciasse o rosto irreconhecível de seu então parceiro. Junta as mãos sobre o peito e deixa escapar um sorriso em meio aos soluços. Murmura para si mesma "enfim, só".
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