A sonhada liberdade estava diante deles. Para Niara, o vento de fora do jardim parecia soprar mais fresco.
– O que vai fazer agora? – Perguntou a feiticeira, respirando profundamente.
– Não sei. Me diga você. Temos um trato.
– O trato era você me ajudar a matar a criatura. A criatura já estava morta. Não lhe devo nada.
– Então é isso? Vai faltar com sua palavra?
– Não estou faltando com minha palavra. A sua parte não foi cumprida, isso me desobriga de qualquer juramento. – Um silêncio foi feito. O vento soprou algumas folhas secas. Niara fez um sinal de silêncio para Odilon.
– Gostaram do meu presente? – Disse um alto homem, adornado com pele de urso. Marcas azuis cintilantes percorriam todo seu corpo. Seu machado era quase de sua altura. Seus olhos azuis brilhavam. Seu cabelo era negro, assim como a sua cheia barba. Seu cinto de couro tinha uma fivela na qual repousava uma brilhante joia azul. – Não precisam agradecer. Sabia que não conseguiriam derrota-lo sozinhos. Devo confessar que foi difícil, até mesmo para mim.
– Quem é você? – Odilon segurava firme no cabo de sua espada.
– Não se lembra de mim, jovem príncipe? Eu estava em Fhael naquela noite. Não deve ter me visto. Estava muito ocupado do lado de fora massacrando seus homens. Vocês tem ótimos equipamentos, mas péssimo treinamento. Não sei como Menetuf não os dominou ainda.
– O que você quer? – Niara tinha as mãos preparadas para usar magia em qualquer momento.
– Vim obter um favor. Uma troca justa, não acha? – Eiron deu um passo a frente. As mãos de Niara brilharam. – Afinal foi eu quem deu a liberdade a vocês.
– Não vamos te dar nada. – Odilon puxou a espada.
– Se não for por bem… – Eiron suspendeu seu machado.
– Espera. Podemos chegar a um acordo. – Disse Niara.
– Você parece ser uma boa negociante, mas não há nada que eu queira de você. Somente o príncipe pode me dar as respostas que eu quero.
– Você quer saber o que pretendíamos fazer em Truv’hel. Adivinhei. – Falou sarcasticamente.
– Seu erro foi não ter nos entregado a feiticeira, Odilon. Diga, aonde ela está?
– Eu não sei.
– Tolo! – Gritou o gigante de gelo. – Sua ignorância o levará a morte.
– Odilon, cuidado! – Gritou Niara, empurrando o jovem.
O príncipe caiu no chão. A feiticeira lançou sobre eles um escudo, a fim de bloquear o ataque do machado de Eiron. O general não desistiu, continuou a bater violentamente no escudo.
Odilon voltou a ficar de pé. A feiticeira empurrava a proteção magica para a frente, na tentativa de afastar o gigante de gelo. Eiron era empurrado para trás, mas resistia com grande força, empurrando o escudo com o braço esquerdo. O homem tocou no escudo, fazendo-o congelar e se quebrar em pedaços, Niara tentou lançar mais um feitiço, porém Eiron deu-lhe um tapa. A feiticeira rodopiou três vezes antes de cair no chão. Sua testa foi cortada levemente perto da sobrancelha direita, seu lábio inferior também sangrou. Seu rosto branco agora estava com uma enorme mancha vermelha.
Segurando firme na espada, Odilon rodopiava, tentando acertar um golpe no general. Eiron era grande, se comparado com a altura do príncipe, por isso não conseguia desferir um golpe no coração. Todas as tentativas eram da barriga para baixo, todavia todas eram interceptadas pelo poderoso machado de Eiron.
Depois de muitas tentativas o jovem estava cansado e ofegante. Seu oponente ria. Os gigantes de gelo são muito resistentes, o que permitia Eiron ficar naquela combate por horas a fio, sem mesmo se cansar, o que não aconteceu, mas não pelo calor do combate e sim pelo tédio que começou a sentir. Finalmente um golpe de sorte, sorte de Eiron, que ao ver a brexa segurou seu machado com as duas mãos e empurrou brutalmente Odilon para trás.
Caído no chão o príncipe lembrou de todas as vezes que ganhou e perdeu uma luta contra Ariela, sua irmã. Não era tão bom quanto achava, e principalmente como seu pai queria que fosse.
Eiron vinha devagar. A cada passo que dava batia seu machado no chão e a cada batida Odilon sentia sua vida chegar ao fim.
– Eu avisei que pagaria por isso. Não avisei? – Eiron se abaixou, apoiando-se no joelho esquerdo. Chegou mais perto de Odilon. O príncipe podia sentir o bafo quente da respiração do gigante de gelo percorrer seu rosto suado. – Eu não vou te matar agora. Não. Seria muito fácil para mim cumprir essa tarefa. Onde está a feiticeira?
– Eu não sei. – Sussurrou. – Juro que não sei. – O príncipe cuspiu no chão.
Eiron agarrou os cabelos castanhos do jovem e suspendeu sua cabeça.
– Onde ela está? – Perguntou novamente, pausadamente.
– Não sei. – Repetiu quase que silenciosamente várias vezes. Sentia muita dor. Seu peito estava cansado.
– Mais uma vez você escolheu a resposta errad… – O general não consegui terminar suas palavras.
Niara, chegando por trás do homem, colocou as duas mãos sobre sua cabeça e pronunciou baixinho algumas palavras irreconhecíveis. O general ficou paralisado, todavia não perdeu a consciência.
– Nunca mais encoste em min. – A feiticeira soprou as palavras no ouvido do gigante pausadamente e bem baixinho.
Os olhos azuis de Eiron se moviam de um lado para o outro, mas seu corpo não conseguia realizar nenhuma tarefa ordenada por seu cérebro. Niara ajudou Odilon a se levantar. Estavam cansados, feridos e sem saber o que fazer. Tudo o que fizeram foi caminhar para longe da ameaça.
…
Odilon andava com dificuldade. Seus braço direito estava envolto aos ombros de Niara. Sua respiração estava lenta.
O príncipe não aguentou mais caminhar sem destino pela estrada. Caiu com o rosto virado para cima. Via o azulado céu com o pouca visão que tinha.
– Pelos deuses! Esse homem vai morrer, mulher. – Falou o senhor que se aproximava com sua carroça abastecida com diversos sacos de grãos. O senhor de pele escura e barba branca desceu do transporte e se aproximou da feiticeira. – O que aconteceu com o moço?
– Nós… – Niara ficou com medo de dizer a verdade. – Nós fomos atacados, meu bom senhor.
– Não sabem que essas estradas estão cercadas de animais ferozes e bandidos perigosos? Anda, me ajude a colocar o garoto na carroça. Mais a frente tem uma estalagem, o jovem pode repousar lá.
Niara suspendeu Odilon por um braço, enquanto o senhor levantava-o pelo outro. O príncipe gemia de dor e em algumas vezes soluçava. Colocaram-no deitado por cima das sacas de grãos.
– Venha! Sente-se aqui do meu lado. Vou levar vocês ao estabelecimento.
– Muito obrigado!
O velho tomou as rédeas do cavalo e sacudiu, fazendo um barulho com a boca. O cavalo tornou a andar.
Odilon não conseguia mais ficar de olhos abertos. Lentamente suas pálpebras foram se fechando, até que tudo se tornou preto com manchas roxas. Sua boca estava fechada, porém sentia a sensação de estar semiaberta.
Entrou em um sono profundo. O silêncio era absoluto.
Da escuridão começou a emergir uma luz. Tornou a ver o céu azul, sem nuvens. Pássaros cantavam canções, o vento soprava e passeava por entre árvores e arbustos. O som de águas correntes podia ser ouvido.
Agora, nenhuma dor o incomodava. Estava se sentindo calmo e cheio de vigor. Se encontrava em um estado tão que decidiu se levantar e admirar a natureza.
Retirou seu corpo do gramado verde e se colocou de pé. Olhou ao redor. Respirou fundo. Sentiu o aroma agradável do campo. “Será que estou morto?”, pensou. Ao virar-se novamente para o rio viu um homem sentado sobre uma rocha. Seus cabelos preso por um rabo de cavalo balançavam na brisa fresca que circulava. O homem estava virado para as águas, Odilon não podia ver seu rosto, então caminho para mais perto do homem desconhecido.
– Estava a sua espera. – Disse o homem, jogando uma pequena pedra no rio. A pedra quicou quatro vezes antes de afundar na água com cor de barro.
– Quem é você? Estou vivo ou estou… – Odilon foi interrompido.
– Você está vivo, assim como eu. – O homem se virou de frente para o príncipe.
Odilon sabia muito bem quem era. Adanahel, o general dos imperiais. Tentou puxar sua espada, todavia estava sem ela, assim como Adanahel.
– Você? O que quer? Já não me torturou o suficiente? – Odilon com medo se afastou.
– Acalme-se príncipe. Não vou machuca-lo, muito menos mata-lo. Se quisesse fazer isso já estaria consumado. Diz que eu o torturo, mas está enganado. O verdadeiro sofrimento ainda virá. Por isso estou aqui, para te mostrar o caminho que deve seguir para impedir tal acontecimento.
– Primeiro me ataca, depois me ajuda. Que tipo de pessoa é você?
– Eu sigo um rei. Como um de seus generais eu lhe devo obediência. Não posso desacatar as suas ordens. Yavel me contou o que estão planejando. Bantar está perto de descobrir essa informação também. Se isso acontecer… se ele recuperar aquela caixa… os horrores…
– Se estivesse tão preocupado com isso não estaria o ajudando.
– É como eu disse. Sigo ordens. Bantar não é igual seus reis. Ele é rígido com quem o trai. Por que acha que ele almeja tanto por as mãos em Yavel. Isso mesmo traição. Eu não sou como ele, não desejo coisas ruins para ela.
– O que quer? Diga de uma vez.
– Polipedes está presa em Donath. Está em uma prisão feita com uma liga de pó de esmeraldas. Precisa ir para lá e liberta-la. Você já deve ter recebido a visita de Eiron. Bantar o enviou e ele não vai parar até conseguir o quer.
– Por que não vai você mesmo?
– Não posso ajudar diretamente, apenas posso mostrar o caminho.
– Será que eu devo dizer obrigado? – A fala do príncipe tinha um pouco de escárnio.
– Não estou fazendo nada por você. Estou fazendo por Yavel, mas pode considerar esse gesto como um ato de redenção as coisas que fiz contra você, príncipe.
– E quanto a Frella? – Mesmo com todos os acontecimentos Odilon não a tirava dos pensamentos.
– Ela ficará bem.
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