“Ilustríssimos Senhores do clã Seki,
Por aqui, o calor do verão dá lugar às folhas secas. Como vão os senhores?
Eu vos escrevo para expressar os meus dois mais humildes pedidos. Há alguns meses, salvei esses meninos da morte em um vilarejo que foi brutalmente atacado por yōkais. Havia fogo e cadáveres por onde se via. Os dois, entretanto, se esconderam atrás de um arbusto, sufocando o choro para evitar o mesmo destino dos pais. Levei-os para a minha casa e os tratei por meses, o quanto pude aguentar.
Agora estou velho, cansado e prestes a morrer. Mesmo as crianças sendo gentis e obedientes, cuidar delas tornou-se um fardo para este pobre ancião que vos escreve.
Eu me apeguei a eles, por isso não posso mais tê-los comigo. Quando eu partir desse mundo, ficarão sozinhos à mercê da dor. Vim da província de Owari e cheguei em Ise, usando minhas últimas forças para encontrar um lar digno. E achei.
Eles não são irmãos, mas sim amigos inseparáveis. Yusuke é o mais velho, e tem quatro anos. O mais novo tem apenas três e se chama Tetsurou. Seus sobrenomes foram devorados pelas chamas há muito tempo, assim como seu lar e história. Imploro para jamais permitir que procurem por essas cinzas. A ignorância será uma benção no caso desses dois rapazes.
Tenho certeza que ambos trarão honra a qualquer família que aceitar tê-los por perto, mas ao aceitá-los, não deixem que voltem. Nunca. Devem seguir esse pedido à risca, ou um espírito rancoroso será o menor dos problemas.
A saudade e a dor já me afligem por ter que deixá-los, mas não se preocupem, não aparecerei para atrapalhar a adaptação e o vínculo que vão formar.
Espero que os senhores consigam amá-los assim como eu amei.
Com os melhores cumprimentos,
Apenas um velho.
1470.09.27”
Na porta de entrada do clã, as folhas desbotadas caíam sobre as crianças já sem lembranças do seu verdadeiro lar, do fogo que o consumiu e do velho aldeão que as salvou.
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