Aparentemente, hoje era o dia de folga de August, por isso Park e Min (que também estavam de folga) tentaram me ensinar mais do palavras básicas do MoonApp. Pelos risos contagiantes, acho que não fui muito bem - ou eles não estavam me ensinando o que pareciam estar.
Na pausa para o almoço percebi que a parte mais difícil dessa troca talvez não fosse aprender os raps nem aprender um novo idioma, talvez a parte mais difícil fosse as refeições. Com grandes chances de ser por empatia ou uma desculpa conveniente, Park pediu pizza para comermos, porém, até mesmo esta refeição sagrada e universalmente deliciosa estava com um gosto estranho. Ainda assim, o sabor profanado não se comparou a estranheza da refeição: não havia diálogo nem nada a ser compartilhado, apenas o estranho sentimento de que algo estava errado.
À noite, pouco depois de ser notificada de onde era a sala que pedi e como chegar lá, tive minhas aulas de dança com MC e Hop (que completavam o trio de rappers do grupo com August). Graças às aulas de ballet e circo, que frequentei durante anos, flexibilidade não era um problema - eu sabia como me mover para conseguir fazer a maioria dos passos, embora isso não fosse suficiente. Desde que quebrei meu pé ao aterrissar errado, acrobacias aéreas sem cabos de segurança ou tecidos, apesar de serem amadas por August, para mim eram quase impossíveis - ao que parece, chegou a hora de superar este bloqueio.
Apesar dos elogios, eu sabia que havia um longo caminho a percorrer, por isso precisava dar o primeiro passo: conhecer o novo corpo. Meu senso de espaço não estava me ajudando. O corpo de August era um pouco maior do que o meu, com os músculos e gorduras distribuídos de forma muito diferente. O alcance de seus pés e mãos era diferente. Até mesmo o centro de massa poderia estar atrapalhando eu acertar os movimentos… Aproveitei que os meninos começaram a conversar entre si, provavelmente esperando que eu repetisse os movimentos até acertar, e plantei bananeira perto da parede.
-O que você está fazendo? - perguntou MC.
-Preciso aprender o tamanho do corpo de August. Saber até onde ele alcança, o espaço que ele ocupa… - depois de me acomodar, senti uma pontada de dor no ombro direito, então redistribui o peso para que fizesse mais esforço com o ombro esquerdo - O jeito mais fácil é ficando de cabeça pra baixo. - comecei a mexer as pernas do mesmo jeito que a minha professora de ballet havia me ensinado. Fiquei feliz por ter lembrado das instruções dela, mas fiquei mais feliz ainda por ter sido adotada na minha família atual, afinal, se eu não tivesse que realizar os sonhos da Amanda eu nunca saberia este truque.
Hop achou engraçado e tentou me imitar, mas acabou caindo, fazendo MC explodir em risadas.
Fiz os exercícios que me lembrava em menos de cinco minutos, mas acho que eles foram mais lucrativos do que ficar pra lá e pra cá, durante alguns dias, trombando em pessoas e coisas. Ainda não sou August, mas com mais algumas repetições, eu vou poder mexer o corpo dele como se fosse ele - exceto pelos mortais!
Mais tarde, o jantar feito por Min (ainda não acredito que pude comer algo cozinhado por um de meus ídolos!!!) foi o fator decisivo para eu saber que meu paladar não é asiático. Não me entenda mal, a comida estava gostosa, embora levemente apimentada, mas parecia tão errada na minha boca - a textura não ajudou muito, mas saber quais eram alguns dos ingredientes definitivamente não fez bem pro meu estômago. Talvez, do verbo muito provavelmente, a sensação de não pertencimento e estranheza tenha ajudado a piorar tudo.
De qualquer forma, decidi focar no arroz e compensar as calorias ganhas dançando.
Hop e K me mostraram onde era nosso quarto e onde pegar minhas roupas para tomar banho. Ahhh, o banheiro deles era tão limpo, deu até vergonha de usar!...Falando em usar o banheiro, fiquei com medo de errar a mira e acabei fazendo todas as necessidades sentada. Outra coisa: nunca pensei que tomar banho fosse parecer algo tão errado!
Conheço o corpo humano. Tanto o feminino como o masculino - principalmente se contar as obras de ficção. Mas tocar este corpo parecia tão... errado. Tenho quase certeza que eu deveria ter permissão para tocar outra pessoa.
Pensei em não dormir, para treinar mais ou, quem sabe, arriscar a acertar os raps. Mas tanto minha mente quanto meu corpo pediam por um descanso. Eu estava acordada a quase 40h ajudando no grupo de ajuda e fazendo a minha pesquisa, sem contar o tempo caótico que passei como August - isso foi demais pra mim. Porém quando fui dormir, perguntei-me se era irônico sentir saudades dos meus bodypillows, uma vez meus travesseiros de corpo eram do August, K e Hop - enviados para mim no mês do meu aniversário após conseguir o AstronautVip_Rider. Parando para pensar, como August reagiria ao ver os travesseiros? Adormeci tentando imaginar se ele se sentiria enojado, com mais saudades de casa ou ainda mais confuso.
No dia seguinte, depois de praticar alongamentos e atividades que me ajudariam a compreender melhor este novo corpo, o Homem de Terno apareceu e me disse que conseguiu entrar em contato com meu corpo e parecia que August estava dentro dele (eu quase suspirei aliviada). Como ele não sabia ler as informações no meu computador, a empresa decidiu ir buscá-los.
Felizmente, a participação de August no programa já estava gravada - inclusive quatro apresentações diferentes de Fly High que eu descobri que iriam ao ar nos próximos dias, também estavam gravadas, embora, aparentemente, o plano original era regravar algumas cenas de uma delas, por problemas técnicos. Graças a isto pude focar meu tempo em aprender a dançar, a alcançar a velocidade de rap do August e a falar, mesmo assim, August teve de cancelar vários compromissos, sendo mantidos apenas os que o grupo como um todo aparecia para a divulgação da nova música, nos quais eu entraria muda e sairia calada.
Minha única função era dançar. Irônico, visto que desisti de ser bailarina.
Não consigo imaginar quantos fãs deveriam ficar preocupados ou que me odiariam, caso soubessem a verdade.
-O que vai acontecer caso demoremos pra trocar de volta? - perguntei com medo da resposta ser o fim do MoonLight.
K, que estava por perto, voltou a atenção para a resposta que o Homem de Terno daria. Min, que estava do lado de K, falou alguma coisa e K começou a responder, mas parou quando o Homem de Terno falou:
-Nós ainda estamos analisando as possibilidades. No pior dos casos, se vocês não trocarem de volta até o LunaFest, MoonLight sairá de férias.
-O quê? Você não pode fazer isso! - o Homem de Terno me olhou com o que parecia ser um olhar de descrença - Desculpa. Meu lado de fã falou mais alto. - O LunaFest é o show anual do MoonLight e se eu não me engano faltam quase dois meses para ele.
Um arrepio percorreu a minha espinha.
-Se vocês não trocarem de volta até o final das férias e você não conseguir aprender a fazer rap e dançar, August terá de sair do grupo. - neste momento minha respiração ficou curta e rápida. Como reflexo tentei galgar mais ar em cada inspiração.
“Eu vou destruir a vida do August!” - com o pensamento me veio lágrimas aos olhos e um aperto no peito. Quantas vezes eu mandei mensagem para o MoonLight dizendo que queria protegê-los de todo e qualquer mal, só para agora eu ser esse mal?
O Homem de Terno perguntou se eu estava bem.
-Não acho que alguém poderia ficar bem nesta situação. - disse em português, confortada pensando que ninguém me entenderia. Só quando o Homem de Terno concordou com a cabeça é que eu me lembrei que ele fala espanhol.
Min e K pareciam preocupados, foi só então percebi que estava hiperventilando.
Enquanto K falava com Min eu inspirei fundo, não soltei o ar, fechei os olhos e tentei mudar meus pensamentos. O problema é que quando isso acontecia, normalmente eu pensava no MoonLight, então, neste caso, me forcei a pensar no meu livro preferido. Em Coraline fugindo do Outro Mundo, o que me lembrou de Alice caindo no buraco. Só depois de ter visualizado um encontro entre as duas protagonistas, eu expirei, ainda de olhos fechados. Não inspirei em seguida. Deixei o corpo pedir por ar - talvez seja perigoso usar esta técnica? Talvez, mas é o que funcionava comigo antes - só, então, inspirei com calma, abri meus olhos e pedi desculpas.
-Nós vamos para o endereço que você nos passou, neste final de semana. Tem mais alguma coisa que devemos saber?
Eu parei e pensei. Já havia passado o melhor roteiro para retirar August de casa, mas e eu? No momento, eu estava parasitando a casa do MoonLight, sem pagar nem mesmo pelos produtos de higiene ou de uso pessoal. No meu desespero para trazer August pra cá, acabei ignorando o que aconteceria comigo depois que voltássemos a nossos respectivos corpos.
-Se possível, você pode trazer o meu notebook, telefone e o meu cartão de crédito preto? Não lembro onde ele está, mas deve estar junto com o vermelho. Se precisarem de dinheiro podem usar o cartão vermelho, mas preciso do preto.
-Verei o que posso fazer. - disse antes de sair.
Não fui informada, ou não entendi, que iríamos gravar mais versões do novo hit do ML. Só entendi o que estava acontecendo quando o coreógrafo apareceu com uma nova versão da coreografia, sem o mortal. Diga-se de passagem já havíamos perdido o primeiro dia de filmagem. Felizmente consegui fazer o dance practice e participar das promoção do MV, apenas entrei em desespero quando o apresentador fez uma pergunta para August. Fiquei em dúvida se fazia uma cara de pensativa ou mantia o rosto neutro por tempo o suficiente para outra pessoa responder - felizmente Hop chamou atenção para si, disse algumas coisas que Min e Han concordaram, pouco antes do apresentador continuar com o programa.
No final de semana tive que participar do meu programa corano favorito: Running Guys.
Aparentemente era difícil conseguir participar do programa e todos que participavam tinham um aumento de popularidade no país. Por isso não podiam adiar ou cancelar a participação do MoonLight, cancelar somente a minha participação também estava fora de cogitação. No entanto, tínhamos um plano: eu sempre ficaria ao lado do MC, K ou Hop, participaria do máximo de provas possível, para que ficasse cansada demais para ser entrevistada.
Me mantive calada, mesmo acreditando que o corpo August devesse ter um bom fôlego.
Não sei se foi planejado, mas a primeira etapa foi futebol de sabão valendo uma pista para a próxima etapa. Sem muita discussão, eu fui eleita a representante da rodada - só espero que não considerem que eu saiba jogar futebol - junto com K e Han.
Por causa da espuma, ninguém estava conseguindo ficar em pé. Tendo um corpo com massa e tamanho diferente, pouco importou se eu tinha experiência ou não. Mais de uma vez eu escorreguei para as barreiras laterais, cheguei a fazer peixinho quando tropecei em outro participante, o cara da banda adversária (que eu nunca ouvi falar) ficou com uma perna presa no vão perto do gol (por experiência própria, sei que a sensação não é boa, por isso o ajudei - sem contar que isso era o esperado de alguém do MoonLight), por fim, o MoonLight acabou ganhando - não porque eu fosse boa, a verdade era apenas que os outros conseguiam ser bem piores.
Ao sair da quadra inflada, os meninos da banda vieram me abraçar para comemorar. Permiti-me dar o sorriso recém aprendido.
-Good job! - Min disse com um sorriso que me encheu de determinação para ganhar a próxima etapa.
A próxima etapa demorou para começar, pois tínhamos 6 pessoas para trocar de roupa.
O próximo jogo era um quebra-cabeça. Eu quase caí de cabeça nele, mas MC me segurou pelo braço. Eu havia me esquecido que August não gosta deste tipo de jogo. Tentei fazer um olhar de cachorrinho abandonado, mas como resposta eu obtive como resposta:
-Todos participam.
Todos os membros dos dois times participariam da montagem, o que me fez ter um pouco de medo do que era a prova. Haviam duas caixas de quase 1,5m de comprimento e 50cm de altura, uma azul escuro (cor do MoonLight) e a outra verde-água (provavelmente a cor da outra banda), enterradas no chão; com mesas de mesmas cores a uma distância de uns 15~20 passos de suas respectivas caixas, onde os quebra-cabeças deveriam ser montados.
Antes do início da prova, MC recebeu um envelope com uma frase. Ele traduziu pra mim como “Pense fora da caixa”. Não consegui deixar de olhar para as duas caixas.
Dada a largada, todos corremos para as nossas respectivas caixas, onde encontramos peças de quebra-cabeça de quase 1m de comprimento. Tentei não me empolgar na montagem ou me divertir com a brincadeira, mas os leves cutucões ocasionais me diziam que não estava fazendo um bom trabalho.
A imagem estava quase montada (era o logo do programa), duas peças não se encaixavam em nenhum lugar, mas eram os quatro espaços faltantes que chamavam atenção.
“Pense fora da caixa.”
Park, Hop e Min saíram procurando possíveis peças pelo espaço da locação. “Pense fora da caixa.” Eu olhei para as caixas das peças, o outro time parecia estar com dificuldade para montar. Tentei me lembrar das gincanas anteriores que assisti. “Pense fora da caixa” - essa frase devia ser o subtítulo do programa. Vendo os membros do MoonLight procurando alguma coisa pelo set, os membros da outra banda começaram a fazer o mesmo. Fui em direção às caixas e olhei ao redor. Fora da caixa conta como embaixo? Levantei a caixa e encontrei duas peças, mas ela não parecia bater com os padrões faltantes. Sem que percebesse, levantei a caixa do outro time. Lá estavam as peças que se pareciam mais com as que precisávamos. Peguei-a e corri para o MC.
Enquanto entregava as minhas peças, alguém do time adversário seguiu para a caixa do MoonLight para pegar a peça que estava lá.
-Acho que as peças estão trocadas. - sussurrei para MC. - Estamos com as peças deles e eles com as nossas.
MC olhou para o outro time e falou com os meninos que foram correndo até o time adversário pegar as peças deles.
Abaixei-me como que para consertar uma peça que estava soltando, mas continuei falando:
-Devo pegar uma peça e sair correndo com ela? - MC riu. Não sei se foi da ideia ou me imaginando correndo com a peça em mãos, enquanto o outro time corria atrás de mim.
-Melhor não.
Han e K apareceram com as peças do time adversário, seguidos por dois membros do outro time que pegaram nossas peças sobressalentes. Felizmente, por pouco, vencemos a segunda prova.
O locutor do programa apareceu, fez alguns comentários que fez todos sorrirem e afirmar com a cabeça, tentando parecer menos entusiasmada, imitei o movimento. Quando ele apontou para trás, não precisei que me dissessem para virar, por não saber o que estava acontecendo, tentei conter minha surpresa ao ver o clipe de Fly High sendo exibido na fachada do prédio. Porém quando percebi a surpresa dos outros, perguntei-me se tinha tomado a decisão correta.
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