As apresentações de Fly High me fizeram sentir mal. Os locais de gravação estavam agendados para apenas algumas horas, mas, graças a mim, não conseguimos ficar menos do que 5 horas num local. Enquanto que as apresentações em programas de variedade me fizeram lembrar das apresentações de ballet - como fazer playback e dançar pop lembra Quebra Nozes? Não tenho certeza, talvez pelo medo de errar; pela expectativa; pelos olhos atentos esperando o erro, o deslize, embora felizes por dar certo.
Hop teve que viajar a trabalho, o que acabou intensificando minhas lições de coreano. Desde a minha chegada até hoje eu me tornei capaz de me comunicar - como uma criança remelenta, mas conseguia. Obviamente eu não sei ler ou escrever sequer uma oração, mas estou me sentindo maravilhada com minha velocidade de aprendizado. Talvez, por estar livre de minhas amarras (ou pelo desespero da situação), meu lado gênio estivesse falando mais alto.
Era noite, pouco antes de completar duas semanas da minha “chegada”, quando o telefone do August começou a tocar. A foto do contato era um par de óculos escuro, então deixei tocar até desligar.
-Quem era? - perguntou K, entrando no quarto com o cabelo ainda molhado do banho.
-Não sei. - apesar da pergunta ter sido em inglês, respondi em coreano apenas para praticar.
-O que está fazendo? - ele me olhou curioso.
Antes eu estava sentada de pernas cruzadas na minha beliche, mas ao vê-lo entrar eu puxei o cobertor e me enclausurei, deixando apenas a cabeça pra fora.
-Pensando. - não era mentira.
-No quê?
-Como August lida com religião? - isso era mentira. É verdade que já havia pensado no assunto, mas no momento estava me perguntando como satisfazer as necessidades deste corpo. Não é nenhum segredo do universo como bater uma punheta, mas homens diferentes tinham preferências diferentes e não sei se vale a pena perguntar se alguém sabia como August preferia se aliviar ou mesmo se podiam me dar um tutorial sobre as diferentes técnicas que conheciam. Tá vendo? Mentira nem sempre é ruim!
-Por quê? - K começou a secar o cabelo, me fazendo sentir palpitações.
-Acho que em algum momento minha família poderia arrastar ele pra algum centro religioso, pra tentar ver o que tem de errado comigo. - sério isso? As reações do corpo eram devido a mim, às preferências de August ou os dois? - Quero dizer, existe a possibilidade deles tentarem um exorcismo ou um guru espiritual, embora não saiba se algum deles saberia dizer o que aconteceu…
-Você acha que ele pode estar em perigo?
-Achar que não. - tentei em coreano, mas não conseguia assegurá-lo só com isso - Estou mais preocupada com a reação dele ao ser levado a esses lugares. Nem todos líderes religiosos são… compreensíveis.
-O que você quer dizer? - ele estava me olhando. É, eu realmente preciso ir ao banheiro.
Antes que eu pudesse responder, o telefone tocou de novo.
Eu ia simplesmente deixar tocar, mas K olhou e me mandou atender.
-Hello. - disse em desespero.
-Estou enviando suas coisas, precisa de mais alguma coisa?
-Achou o meu cartão?
-Sim.
-Então tá bom. - K foi educado o suficiente para esconder a curiosidade, mas não fazia sentido não perguntar - Vocês chegam quando?
-Precisamos da aprovação da embaixada, mas se tudo der certo, vamos embarcar para a Coreia em pouco mais de uma semana. - senti-me um pouco mal, pois eu pensei que eles iriam trazer minhas coisas.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, a ligação se encerrou. Tentei ligar de volta, mas a ligação não completou. Provavelmente a bateria dele acabou.
-Eles estão correndo atrás do meu visto. - expliquei para K, que havia se escorado na beliche de cima. - Mas como é a empresa que está cuidando disso, não deve demorar muito para conseguirem.
-Que bom. - eu não pude concordar mais.
Completamente distraída, fui para o banheiro tomar meu banho (aproveitei para cuidar de outras coisas também).
Quatro dias depois, participei de um programa de variedades onde me perguntaram o porquê de não estar mais postando nas redes sociais (claro que respondi um texto memorizado) e em uma das provas MC me beijou acidentalmente. Sinceramente com duas semanas de convívio com os meninos, eu já não sabia dizer o que era ou não programado, mas de fato me senti maravilhada ao contribuir em cenas de fanservice de um dos meus shipps preferidos.
Depois do programa, eu fui para uma reunião para discutir sobre o novo videoclipe solo do August. Passei a reunião toda folheando papéis dos quais não entendia uma vírgula (eles sequer usam o mesmo formato de vírgula?), deixando a discussão para o meu agente que eu não fazia ideia se sabia da minha situação. Segundo o relógio, aquelas foram as duas horas mais inúteis da minha vida - isso vindo de alguém que tem como hobby ver subir os números de curtidas, visualizações e compartilhamentos das propagandas do ML.
Volta e meia, eu me pergunto se isso era algum tipo de dependência, doença ou apenas algum nível de stalker… nunca soube se realmente queria uma resposta pra isso.
No caminho de volta, com a culpa batendo novos recordes na minha vida, eu peguei o telefone de August e tirei foto de algumas coisas. A que mais gostei foi o movimento borrado dos pedestres no passeio, mas optei por postar uma foto dos meus tênis com o chapéu, que usei mais cedo, apoiado em um dos meus pés.
August era o membro que primava por qualidade técnica e que, fora isso, não se expressava com muita frequência. Sua expressão facial, nos bastidores, era de sono, cansaço ou desprezo (embora este último era apenas uma opinião pessoal). As fotos que ele postava, geralmente, não mostrava seu rosto, embora tivesse sempre uma parte de si. Mesmo quando não identificável, o fandom era capaz de identificá-las devido ao cuidado técnico, o pouco uso de filtros e mais palavras do que emojis. A foto que estava prestes a postar teria “Miss me?” como texto, embora August não soubesse outras línguas, às vezes ele tentava algo em outros idiomas. Com o erro de gramática e minha melhor tentativa de copiá-lo, eu esperava poder enganar milhares - senão milhões - de fãs obcecados. As chances não estavam a meu favor, mas o que mais eu poderia fazer?
Em casa, coloquei o documento da reunião em cima da mesa e fui buscar um copo d’água. O que fazer? Meu lado de fã me dizia para jogar o documento no primeiro tradutor que me viesse à mente e me deliciasse com seu conteúdo. Contudo uma vozinha quase inaudível disse-me que isso era errado, que eu, sendo eu, poderia acabar estragando o novo MV do August, se soubesse dele de antemão.
No pior dos casos, eu teria que performar o MV e talvez eu não tenha outra chance de ver o conteúdo, mas… maldita vozinha!
Guardei o documento nas coisas de August, troquei de roupa e, com o telefone, fui para o estúdio. Odiava o fato da tela ser pequena, mas não me sentia no direito de fazer pedidos, por isso apenas copiei o melhor que pude o conteúdo da minúscula tela de 6,2” - não estava com ânimo para ir no estúdio da WoW Entertainment, para praticar.
Com a ajuda de instrutores de dança e rap, assim como da internet, praticar a parte de August nas músicas virou minha principal rotina, junto com ver e rever todas as entrevistas e participações dele. Surpreendentemente, descobri que é possível enjoar de fazer algo que se gosta.
A meta era fazer com que eu adquirisse todas as manias e tiques que August pudesse ter. Copiar sua forma de andar, falar e sentar. Felizmente o rap não era uma prioridade, eu podia usar o cover por enquanto, mas isso não o tirava da minha rotina - porque era óbvio que enquanto não trocássemos de volta, eu teria que fazer um flow em algum momento. Foi assim eu comecei a valorizar mil vezes mais todo e qualquer artista de K-pop e um bilhão de vezes mais aqueles que fingiam ser alguém que não eram.
Tendo feito um pouco de teatro, por causa do circo, além de ter vivido boa parte de minha infância como outrem, pensei que não seria difícil voltar a não ser eu mesma, infelizmente quando se prova a liberdade é difícil se prender.
Depois de praticar até Min me lembrar que eu precisava comer, tomei meu banho e finalmente usei a tradução do Google para bisbilhotar o trabalho futuro de August - pedindo ajuda em partes que o texto parecia não fazer sentido.
No final das contas, pareceu-me bom eu ter olhado o documento. O conceito que ele usaria no seu vídeo solo era o de Pecado e Inferno, sendo que o Inferno estava bem fraquinho. Por isso, em inglês, fiz “pequenas” anotações nos versos das folhas (juro que ficou, ao menos, duas páginas menores do que o texto original!). Eu o entregaria ao agente de August assim que o encontrasse novamente. Ou seria melhor passar para alguém que eu tenha certeza que sabe da minha situação?
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