No dia seguinte, não consegui dormir depois das 6h. Acordei sozinha e me senti meio vazia e idota por estar deitada, por isso saí do quarto o mais silenciosamente que consegui.
Na cozinha encontrei Min preparando o café-da-manhã. Fiquei super feliz ao entender quando ele me perguntou se eu queria, respondi sim só pela chance de poder comer algo feito por ele.
-Onde você ir? - tentei.
-Ensaio de canto.
Eu amo o Min. Consigo me relacionar com ele de uma forma que não gostaria, mas ao vê-lo acordar cedo (sabendo que ele geralmente vai dormir por volta de 1h da manhã, depois de ensaiar algumas coreografias) para se aprimorar, faz-me sentir culpa por não me dedicar mais, além de aumentar minha vontade de dar um soco nas "fãs" que dizem que ele é apenas o rosto bonito do grupo ou que está ali apenas para cumprir tabela.
-O que foi?
Incapaz de expressar as palavras que queria, peguei meu telefone e digitei um texto que nem de perto expressava tudo o que eu queria, mas seria rápido.
[Você é meu herói. Um dia quero ser como você.]
Ele pegou o próprio telefone, procurou alguma coisa e falou, sendo traduzido logo depois. Senti-me envergonhada por não ter pensado em usar tal tipo de tradução.
-Por quê? Você já deve ter percebido que os outros são mais talentosos.
Copiando sua técnica eu falei:
-Talento é a desculpa que os outros usam para justificar a própria incapacidade.
-Então você não acha August e MC talentosos? - golpe baixo. MC é um gênio que tem facilidade em aprender diversas coisas, idiomas por exemplo, e ele e August são dois dos 5 rappers mais rápidos na Coreia, atualmente (parte do meu problema nas partes do August).
-Não. - desse sem ajuda - Pessoalmente acho falta de respeito falar que alguém tem talento, porque normalmente a pessoa trabalha duro pra chegar no melhor delas, pra alguém vir e falar que é "talento". Não concordo! É como se estivesse desmerecendo o esforço da outra parte.
-E se duas pessoas começarem juntos e uma aprender mais rápido?
-Qual o problema em aprender devagar? Sou burra e vocês têm que repetir várias vezes a mesma palavra pra eu aprender, isso é um problema? - sabia a resposta sem precisar dele abrir a boca. Min era incapaz de desmerecer o esforço alheio. Ele podia não reconhecer o próprio, mas era sempre o primeiro a elogiar e defender os esforços dos colegas.
-Ande! Não, claro que não! - viu? Ele é um amor! - Você está aprendendo rápido.
-Não precisa me elogiar. Sei de minhas limitações. - mentira. Não faço ideia delas e assim como Min sou péssima reconhecendo meu próprio esforço e dedicação. Sempre acho que dava pra ter feito mais, me dedicado mais, treinado mais...
-Mas você está aprendendo rápido! Sem contar que mesmo sendo mais nova do que eu, você já está aprendendo seu quarto idioma.
Aquele ciclo... minhas habilidades são boas, talvez um pouco acima da média, mas não as via como nada além disso. Ou seja, Min, sendo Min, não deixaria eu desvalorizar qualquer esforço que ele ache que eu tive, enquanto eu tentaria falar a verdade e recusar os elogios dele - elogios do Min!!! Afinal, qualquer um pode ser uma Prima, se dedicar mais do que uma hora por dia ao ballet. Qualquer um pode aprender um idioma, se não depender de professores ou cursinho. As únicas coisas na minha vida que não eram comuns eram a mente distorcida que começou cedo, por ler Kafka ainda na primeira infância adicionado a falsa vida que vivi; e ter gostos... peculiares para entretenimento (seja meu lado fujoshi, fangirl, artístico ou gosto pessoal). Tudo isso me levou a ter meus empregos. Mas, tirando o infame QI, a minha contribuição é pesquisas diversas que qualquer um poderia fazer - se tivesse ânimo.
-Você é uma pessoa muito boa. Espero que sempre continue assim.
A ponta das orelhas dele ficaram vermelhas.
Que fofo!
Nunca pensei que veria isso pessoalmente! Meu lado tiete começou a gritar dentro de mim.
-Você só diz isso porque é fã do MoonLight!...
- Não acho. Você parece ser uma pessoa maravilhosa. Mesmo se não fosse um artista, se eu ouvisse falar de você, você ainda seria meu herói.
Ele falou alguma coisa sem o tradutor.
-Pareço? - digitou ele por fim.
-Sim. Por tudo que eu sei, você é incrível. Mas eu só sei o que está na mídia. - dei de ombros. - Se tudo for uma mentira, é uma mentira inspiradora.
Ele disse alguma coisa em coreano e voltou a preparar o café-da-manhã.
Não entendo muito de psicologia, mas consigo me identificar com o Min e isso me faz pensar que talvez o meu diagnóstico possa ser aplicado a ele: falta de confiança atrelada a falta de autoestima.
Aproveitei a deixa para digitar o que queria dizer. Digitar, não falar. Pois essas palavras tinham que passar mais do que dó ou simpatia. Estas palavras tinham que ter significado.
Pensei em escrever sobre como me identifico com ele, mas isso seria apenas as palavras de uma fã. Fatos. Eu precisava de fatos, afinal "contra fatos não há argumento", né? - quem me dera se isso fosse verdade...
Quando ele se virou para me entregar a minha parte eu apertei o play e ouvi uma voz robótica dizer o que eu não conseguia.
[Você sabe que se não fosse bom no seu trabalho você seria demitido, né? Não importa se você é o apoio moral do grupo ou o responsável pelos meninos, se você não estivesse no mesmo nível da banda, o único jeito de você ser mantido no grupo seria se os outros 6 dissessem que vão desmanchar o MoonLight se você sair. E isso por si só já deve significar alguma coisa.]
Enquanto comia o que me foi servido, observei as orelhas de Min voltarem a ficar vermelhas à medida que o áudio tocava. Acho que poderia me acostumar a este tipo de café-da-manhã pesado.
-Não é isso... - ele estava com vergonha.
[Eu não tenho talento. Tudo que sei, eu aprendi tentando ser outra pessoa. Mas vocês não me menosprezaram até agora.] Voltei a traduzir a minha fala.
-É diferente. - cara eu tô ficando boa em coreano.
[Diferente como? Você gosta do que faz? Você gosta dos seus colegas de trabalho? Porque se a resposta for sim, então você está muito melhor do que eu. Afinal parece que estou destruindo uma das coisas que gosto.] - Tentei não me lembrar de como o Twitter estava cheio de teorias sobre August, algumas interessantes, algumas assustadoras, outras prevendo o fim do MoonLight.
Como eu queria que alguém aparecesse para me ajudar. Nem sei dizer se minhas palavras faziam sentido ou se eu não sabia mais traçar limites das minhas vidas ou das minhas mentiras.
-O que você gosta...? - tinha mais algumas palavras, mas não sei quais.
[Sinceramente? Até alguns anos atrás eu não era eu. Do mesmo jeito que eu sou August agora, antes eu era outra pessoa e só recentemente eu pude experimentar o mundo como eu mesma. Uma das primeiras coisas que eu descobri que gosto é do MoonLight e minha vida gira em torno de conseguir dinheiro pra gastar com vocês... nos últimos anos comecei a escrever histórias para jogos, mas não sei se realmente gosto disso ou se é só um efeito colateral de ler muitos livros.]
Meu telefone apitou. Chegou dois joinhas da Gab.
[Mas é bem deprimente pensar que você não é feliz fazendo o que gosta. Faz parecer que eu devia simplesmente desistir de ser feliz. E como é? 'Viva a felicidade, sem se preocupar com os outros, seja você a sua própria estrela e brilhe mais do que qualquer um'...? Infelizmente, quando uma estrela para de brilhar, ela morre e a morte de uma estrela pode destruir centenas ou milhares de corpos celestes ao seu redor, tudo depende de sua magnitude.] - Disse antes de responder, a minha amiga, com uma figurinha d'O Exterminador atirando corações. Talvez fosse um golpe baixo destruir o valor da letra de uma música deles com um fato científico, mas se eu tive minha visão de mundo destruída pela ciência, então nada mais justo que tentar usar ela para tentar mudar outra pessoa.
-O que você quis dizer? - eu sinceramente não sabia a que ele estava se referindo. Eu simplesmente expus um lado meu que apenas Gab conhecia e fiz uma crítica absurdamente pesada à como ele se via.
[Alguma coisa parecida com grandes poderes vem grandes responsabilidades. Só que a versão fora do cinema, eu acho.]
Aposto que ele quis me perguntar mais sobre o que quis dizer, mas sentiu vergonha. Não precisei olhar as orelhas vermelhas para me confirmar isso.
Senti-me muito mal por destruir (ou tentar destruir) uma parte de meu ídolo, especialmente porque sei que, mesmo se divertindo no trabalho, ele tem um senso de responsabilidade forte que faz com que as cobranças pessoais sejam altas. E essa responsabilidade, embora meu antigo psicólogo tenha chamado de outra coisa, é o que impede pessoas, como nós, de realmente nos divertimos em situações em que se esperam resultados, seja num show para milhares ou atuando para duas pessoas.
Enquanto Min procurava o que dizer e eu rezava para não precisar continuar a conversa, o barulho de uma porta ecoou pelo ambiente, antes MC aparecer.
-좋은 아침! Good morning! Buenos dias! Bom dia? - respondeu o líder do grupo com um bom humor óbvio.
-좋은 아침! - respondi com o meu melhor sorriso, logo antes de terminar meu desjejum.
Gab me mandou uma figurinha de um meme antigo do Homem-Aranha com cara de safado, só que uma versão do Min fazendo essa cara. Segundo ela, foi ela quem fez a montagem, mas isso não importava, porque eu senti meu coração saltar pela boca quando eu comecei a sorrir, porque me lembrei de quem estava ao meu lado. Tive uma pequena crise de tosse, enquanto travava a tela do aparelho.
-Você está bem? - perguntaram ambos.
-Sim.
Fui lavar meus utensílios, enquanto tentava formular que eu tinha que ir revisar as perguntas e respostas de um talk show que August iria na parte da tarde.
Apressada e atrapalhada quase esbarrei no Han que vinha do jardim, assim como quase deixei passar que havia deixado a porta do quarto aberta e o fato de K estar sentado na cama, como se estivesse pensando em algo. Havia chances de ele ter me escutado? Bem, a probabilidade de algo acontecer nunca era 0 ou 100%. Se ele estava num estado de transe por ter acabado de acordar ou concordava com o que eu disse, seria bom. Agora, se não tivesse gostado... bem, infelizmente eu ainda não sei voltar no tempo. E, mesmo que soubesse, no momento, eu teria outras prioridades - embora um suicídio, antes de Fly High, pudesse ser capaz de resolver a maioria dos meus problemas e dilemas atuais.
Fingindo não reparar nele, peguei minha cola de perguntas e respostas (escrita com alfabeto romano, com as sílabas tônicas assinaladas) e me pus a ler. Li e reli as fichas em silêncio, até Hop acordar, depois me dei o luxo de lê-las em voz alta - para treinar a pronúncia. Ao me cansar da tarefa repetitiva, arrumei-me para sair.
Nunca antes havia me atentado ao estilo de August, quero dizer, se me apresentarem sete modelos e me afirmassem que todos eles eram de membros do MoonLight, eu teria uns 40% de chance de acertar quem usava o quê. Usando as peças dele, tenho maiores chances de acertar o jeito dele se vestir - embora me recuse a usar bermudas! -, mesmo assim, por segurança, eu sempre vestia conjuntos que eu já o vi usando em fotos ou separados de antemão para mim. Desta vez usei as roupas que ele usou duas semanas antes do ano novo.
Quando o agente chegou, só faltava eu colocar minha máscara.
Ele estava bem adiantado, então pensei que passaríamos em algum lugar antes, contudo o tempo extra foi usado no trânsito quase estagnado e para driblar a multidão de fãs que esperavam a farsa que eu havia me tornado.
Durante a entrevista, o apresentador me perguntou algo que não estava programado, pondo-me em pânico. Todas as formas que sabia usar para esquivar perguntas indesejáveis utilizavam palavras que ainda não conhecia ou não eram condizentes com minha atual persona.
Respirei fundo, enquanto visualizava quais câmeras estavam sob mim. Dei um pequeno sorriso, do tipo "vou te matar", antes de começar com um 'ehh'.
O agente de August começou a fazer sinais desesperados do lado de uma das câmeras e, mesmo sem ser boa em mímica, entendi que era para ficar calada.
-Me desculpe, parece que não posso falar sobre isso.- usei minha frase de emergência.
Com um sorriso amarelo, o apresentador falou mais algumas coisas e fomos para o intervalo. O agente subiu no palco, usando gestos e tons que indicava o quão furioso ele estava. Sério, nunca o vi tão alterado - ele até mesmo me puxou pelo braço!
A parte preocupante é que ele não seria a pessoa que me atacaria.
Ele só estava agindo para salvar seu artista. Só estava fazendo o seu trabalho.
Em um mundo em que chefes são compreensivos e a internet não retalia, eu ainda teria que me preparar para August. Quando ele me visse, ele iria me atacar por todos os erros cometidos, por destruir sua carreira e vida.
Nada mais justo, afinal mesmo que pudesse imitá-lo nos palcos, que escolha eu tinha além de ignorar os amigos e família dele? Sei que ele é amigo de alguns idols, rappers e artistas, mas até que ponto essa amizade é verdadeira? E os amigos anônimos? Não importa, pois mesmo que soubesse cada detalhe das relações interpessoais dele, eu ainda não sei coreano, assim como ele não sabe inglês. Por isso qualquer tentativa de contato estava fadada ao fracasso - isso levando em consideração que eles poderiam tentar querer entender nossa situação.
O agente me levou para o carro e, definitivamente, não estava me levando para casa. Ainda não sei me mover em Seoul, mas tenho certeza que não tinha um StarBucks no caminho de ida.
Em menos de 10 minutos descobri o meu destino - estávamos na agência, manobrando para entrar no estacionamento do subsolo.
Não precisei usar minhas habilidades de dedução para descobrir com quem eu iria me encontrar.
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