Eu vou pro baile da Gaiola do MC Kevin O Chris ecoava por toda a casa de Tainan quando Breno entrou com mais dois colegas de turma com vários engradados de cerveja e algumas garrafas de destilados.
Nunca mais ele ficaria encarregado de levar as bebidas.
O rapaz já bebia desde que um de seus melhores amigos, Theo, o ofereceu a primeira cerveja quando eles tinham quase 17 anos, seu pai Nando disse que não havia muito problema, contanto que fosse apenas em ocasiões especiais, afinal ele próprio havia começado com 15, então achou um pouco hipócrita de sua parte limitar o filho que nem sequer gostava tanto de beber alcoólicos.
O fato era que Tai estava dando essa festa numa sexta à noite para comemorar o final das aulas e uma última diversão antes das notas do ENEM saírem, a casa toda estava lotada de adolescentes entre 15 e 18 anos com bebidas na mão se revezando entre beber, dançar e beijar. Às vezes, conversar.
Depois de guardar as bebidas no gelo, Breno fez sua própria cuba libre e foi andando até seu círculo de amigos mais chegados: Theo, um loiro metido a cupido que era seu melhor amigo desde sempre; Luna, Sol e Marisol, filhas de suas vizinhas Camila e Laura, ambas argentinas; e Kenai, um garoto indígena que era filho do professor de teatro da escola, Lírio. Todos com bebidas na mão, algumas sem álcool, como a de Marisol que preferia refrigerante.
― Demorou com as bebidas, Brê. O que aconteceu? – Luna perguntou sorrindo.
― Enzo pensou ter perdido a identidade dele, voltamos quase 4 quarteirões antes de ele perceber que estava na capinha do celular o tempo todo, depois parecia que nenhuma vendinha tinha bebida gelada, quando finalmente achamos, pegamos 10 minutos de fila.
Theo e Kenai riram.
― Eu disse que era melhor ter ido na loja do Betão, era mais rápido e sempre tem cerveja gelada por lá. – Kenai disse.
― E você acha que eu não fui lá?
― E então? – Theo disse.
Breno suspirou aborrecido.
― Ronda policial. Ia dar merda.
― Entendi...
Luna chamou a atenção para ela por um instante.
― Vamos falar de assuntos menos chatos, Brê, bebe logo isso aí, vamos todos dançar daqui a pouco. Não é sempre que temos músicas boas para dançar em festas. – A mais velha das irmãs disse. Não era exatamente verdade, uma vez que estava tocando uma sequência direta de funk, pop e eletrônica.
Ele foi obrigado a beber em três goles todo o conteúdo.
Desceu rasgando, mas ok.
Todos realmente dançaram cerca de 5 músicas antes de se dispersarem. Estava rolando um clima estranho entre ele e Sol desde a última semana, os dois haviam ficado estressados demais com ENEM, vestibular e provas pra passar que acabaram descontando um no outro. A questão entre Breno e Sol é que eles tinham humores bem parecidos: calmos na maior parte do tempo, furacões de raiva quando pressionados demais. Todo mundo sabia que era apenas questão de tempo antes que eles estourassem.
Infelizmente, foi um na frente do outro. Um contra o outro.
Muitos xingamentos e presenças ignoradas até que aquela rotina terminasse e a torta de climão ficasse entre os dois, os deixando sem saber como reatar aquele fiozinho de amizade que ainda restava e fazer tudo voltar aos eixos.
Breno queria poder dizer que ele deu o primeiro passo, mas quando ele ia tentar puxar assunto falando como seus amigos não eram nada discretos com as desculpas de ir ao banheiro e ajudar não sei quem, Sol chegou mais perto, deu um gole na sua cerveja e ofereceu um pouco a Breno.
Breno sorriu e deu um gole.
Ok, Sol era melhor em puxar assuntos, ele tinha que admitir.
― Desculpa por ter sido uma idiota nessa última semana. – ela falou.
― Eu também fui muito idiota, desculpa. – Breno disse, os lábios finos sendo lubrificados após mais um gole na cerveja antes de devolver à amiga.
Um instante de silêncio analisando a festa. Breno vinha sentindo que ela seria memorável e olhando para ela daquele ângulo, ele só conseguia pensar que parecia alguma festa de filme de formatura de colegial. Era bom.
― Breno, você está me ouvindo? – Sol chamou e então riu já entendendo que não, Breno não estava ouvindo nada.
― Desculpa, eu acho que o sentimento de nostalgia do meu pai está tomando conta de mim agora.
― Pensei que Breno Tavares-Silva não fosse do tipo que tem nostalgia tão cedo... Você sabe, nem recebemos os diplomas ainda...
― Ah, mas depois desse inferno que a gente passou na última semana, o mínimo seria ganhar esse diploma, eu nunca fiquei tão estressado em toda a minha vida.
― Te entendo, é tão louco ter terminado o último ano do ensino médio... Às vezes, eu nem sinto que tenho dezoito anos. Tipo, eu fiz dezoito no meio do ano e mesmo assim não caiu a ficha.
― Nem quando você bebe cerveja? – Breno provocou. Sol riu.
― E por que cairia a ficha? Vocês me fizeram começar a beber com dezessete também. Não faz muita diferença.
― Você se sente com quantos anos, então? Dezessete?
― É.
― Eu também.
― Isso porque você ainda tem dezessete, né, Brê. – Sol suspirou: ― Eu imaginava essa despedida toda do ensino médio de uma maneira diferente, acho que no fim de tudo, High School Musical iludiu todo mundo.
― Como você imaginava que seria? Tipo o ensino médio e tudo mais? – Breno deu mais um gole na cerveja, a verdade é que ele já estava bebendo mais cerveja do que a própria dona da cerveja.
― Acho que imaginava que seria menos estressante, com mais festas e talvez, sei lá, alguém pra dizer que é meu namorado, ou minha namorada, sei lá. Alguém pra ser o Chad do meu Ryan.
― Bom, pelo menos você ficou com pessoas? – Breno tentou confortar Sol. ― Não lembro se você chegou a ir a encontros, mas foda-se também, nem sempre encontros funcionam.
― Eu imaginei pelo menos fazer uma loucura no ensino médio, sabe? Suspensão e essas coisas... Deixar os hormônios falarem por si próprios e deixar de seguir a razão por um instante.
Breno assentiu e ergueu a latinha para Sol.
― Dá uns três goles bem grandes nisso aqui, você já está pensando demais.
Sol riu e bebeu mais cerveja, até que a latinha acabasse.
― Mas você nunca quis fazer algo nesse sentido? – Sol continuou a conversa.
― Sentido de quê, maluca?
― Sei lá, no sentido de fazer coisas arriscadas.
― Tipo na vez que a gente encheu a cara e tentou entrar dentro de casa sem passar pela porta da frente, aí a gente pulou pro meu quarto, caímos na minha cama tão bêbados que dormimos até o dia seguinte e meus pais acharam que tinha acontecido algo entre a gente e a gente ainda teve que explicar pra eles que nada tinha acontecido? – Breno sugeriu.
― Eu disse arriscado, não fiasco.
― E o que teria sido arriscado?
― Sei lá, tipo, usando esse exemplo que você deu aí, seria arriscado se a gente realmente tivesse algo e eu tivesse me escondido embaixo da sua cama.
― Por que você se esconderia debaixo da minha cama?
― Porque seríamos um segredo.
― Sol, vamos procurar uma água pra você. Eu já estou bêbado, mas você está delirando de bêbada, isso sim. – Breno disse puxando Sol pelo pulso delicadamente.
De alguma forma, Sol conseguiu reverter a situação, em um minuto, Breno a estava guiando para a cozinha, em outro, Sol e Breno estavam perto demais e Sol o estava beijando.
A sensação de frio na barriga estava acontecendo, os braços de Sol estavam ao redor do seu pescoço e suas mãos estavam fazendo uma bagunça no seu cabelo, a respiração dela batia contra sua bochecha e ele sentia os lábios deslizarem e as línguas colidirem em mil formas diferentes com aquele gostinho amargo e delicioso de cerveja. A reação de Breno foi puxá-la para mais perto e rodear sua cintura correspondendo ao beijo. De alguma forma, eles perceberam que estavam muito no meio da festa, então eles acabaram contra uma parede onde continuaram a se beijar.
Breno sempre pensou que se beijasse Sol, Luna ou Marisol sua reação seria como se estivesse beijando uma irmã, porque eles eram amigos há muito tempo, tipo melhores amigos para sempre. Breno achava que assim que os lábios dele tocassem na boca de uma de suas melhores amigas um grande alarme interno gritaria ‘Errado! Muito errado! Por favor, pare!’, mas ele estava beijando Sol e tudo o que soava dentro de si era ‘Finalmente, porra!’.
Ok, ele estava beijando Sol. E ele estava adorando, pra caralho. Ele tinha que parar de beijar ela antes que a coisa ficasse muito estranha para os minutos seguintes. Quer dizer, beijar a amiga bêbada é normal no período de carência, beijar a amiga bêbada por muito tempo era um alarme para que a merda e o climão estabelecessem seu posto de vida permanentemente.
E então o beijo entre eles acabou.
Breno olhou para Sol como se estivesse realmente surpreso, porque ele estava. Sol olhou para ele como se não se arrependesse de um só segundo.
― Wow. Então é por isso que a Camille não parava de pedir pra ficar com você. – e riu. A bastardinha riu como se não tivesse uma bomba enorme sob a cabeça deles.
― Isso... Ok, isso foi bom, mas...
― Inesperado? Ruim? Horrível? – Sol sugeriu.
― Inesperadamente bom. – Breno soltou. Inferno, agora ele não conseguia parar de parecer gado.
― Quer repetir?
E Breno queria, mas ele precisava primeiro colocar as coisas no lugar. Tinha uma grande amizade em jogo ali, ele não podia jogar tudo pelo ralo só porque Sol beijava bem que era uma beleza.
― Eu preciso ir ao banheiro antes.
Sol o olhou com aquele olhar. E riu de novo, a filha da puta.
― Tão bom assim?
― Vai se fuder, eu preciso mijar. – ele soltou. Os sorrisos nos dois rostos mostravam que a situação estava sob controle.
Deus do céu, primeiro ele beija a melhor amiga e agora ele não sabe flertar ou provocar de volta. Aquela noite estava repleta de surpresas.
― Traz uma cerveja na volta pra compensar então.
E Breno saiu.
A primeira coisa que apareceu no caminho de Breno para o banheiro foi Kenai. Kenai parecia chocado com algo, mas também poderia ser Kenai bêbado. Só deus sabe como Kenai poderia reagir quando nostalgia e álcool estão rolando soltos como naquela noite, e também tinha Denise, a ficante de Kenai que era muito aleatória para acompanhar às vezes. Nostalgia, álcool e Denise numa mesma noite podem ter quebrado seu pobre amigo Kenai.
Então Breno segue seu caminho para o banheiro, espera numa fila exageradamente grande para mijar e nesse meio tempo considera mijar no mato do lado de fora da casa e mexer no celular. Ele não faz nenhum dos dois, mas consegue mijar em paz.
Quando ele volta, depois de fazer xixi, jogar água na cara e tentar organizar a última hora da sua vida, ele olha os amigos reunidos novamente e sabe que ele e Sol não vão mais se beijar, pelo menos, não naquela noite.
Breno bebe mais cerveja, mistura bebidas, bebe de copos suspeitos com líquidos suspeitos, dança e se diverte como se estivesse em um filme de festa dos Estados Unidos. É uma boa noite, ele não pode deixar de pensar. Ele lembra de ter beijado mais uma menina que pediu e ele nunca diz não por pura pressão, mas soa tão errado, porque é no beijo de Sol que pensa quando chega em casa depois das duas da manhã, contando com todo o açúcar do sorvete que comprou no McDonald's de volta para casa para evitar aparecer completamente transtornado na frente de seus pais.
Ele dorme como se fosse seu final feliz de um filme da Disney.
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