— Ei, ei, ei. – Davi reclamou. – Tá indo onde?
— Eu não posso demorar. – Pedro sussurrou apressado. – Seu João me deu só uns minutos para eu comprar algo e voltar.
— Bora na tenda de minha mãe! O bolo dela é o melhor!
Pedro balançou a cabeça exasperado, olhando para todos os lados, deixou algo na mão de Davi, e correu de volta para quem Davi saberia depois ser o João Pelegrini. Davi se aborreceu, ele queria aproveitar o festival com o novo amigo, ele voltou desanimado para a tenda da mãe, amuado em um canto o menino olhou o que Pedro havia o entregado. Era uma pulseira de linha, o menino sorriu, ao que parece verde era sua nova cor predileta.
Anos depois, as memórias daquela infância se tornariam agridoces, antes de desaparecem numa espiral de fractais. Mas, por oito anos, que passaram vertiginosamente rápidos para Davi, os dois meninos não eram mais vistos um sem o outro.
Mesmo mudando de escola no ano seguinte, Davi encontrava Pedro todos os dias, afinal a escola era logo no final da mesma escola de Pedro. Davi acompanhava Pedro ida e volta, e, com frequência cada vez maior, conseguia fazer com que Pedro se esgueirasse da casa dos Pelegrini para irem brincar em qualquer outro lugar.
Pedro foi o primeiro amigo de Davi, e o único por muito tempo. Nenhuma outra criança conseguia acompanhar os rompantes de Davi, ele falava demais, alto demais, sobre coisas que seus colegas não tinham interesse, mas Pedro sempre o ouvia com brilho nos olhos. Davi às vezes sentia medo, de que Pedro apenas o tolerasse porque talvez se sentisse sozinho, pois ninguém também se aproximava do menino mais novo, mas Pedro segurava a mão do amigo quando queria falar algo, e logo Davi era quem ficava fascinado.
Pedro, no começo, era de poucas palavras, e Davi não pressionava. Qualquer coisa nova que o menino mais velho aprendia, ele logo corria para contar a Pedro. E, com o tempo, Pedro passou a fazer o mesmo.
Quando Davi sentiu a primeira onda de energia se desprender de seu corpo, como um choque que percorria seu corpo e ecoava como estalos-de-salão, ele entrou em pânico, e evitou Pedro por uma semana, até que este o encontrasse escondido atrás de um Ipê no alto do morro que eles sempre brincavam.
— Eu te fiz algo? – Pedro perguntou tristonho e Davi se pôs a chorar desenfreado.
— N-não. Eu, sou eu... – Davi tentava dizer em meio a soluços.
— Você pode me contar, afinal, eu sou seu melhor amigo. – Pedro disse e Davi no mesmo momento ficou mudo.
Um melhor amigo! – Davi até se esqueceu do problema que o estava perturbando. Em todos os seus doze anos, Davi nunca havia tido um melhor amigo, e por isso se encontrava extasiado.
— Então? – Pedro perguntou quando o amigo demorou a reagir.
— Eu tenho esse... esse treco, que tipo faz “pow” e “pan”, e quando é grande faz “kapow”?
— Você está me perguntando se você tem uma arma? – Pedro olhou para o amigo sem entender nada em absoluto.
— Não! – Davi berrou constrangido.
Olhando ao redor, por precaução, Davi fechou os olhos se concentrando, enquanto Pedro observava. Pedro sentiu algo como um sopro, mas conforme a brisa se intensificava, ele percebeu que não era só isso, até que ele ouviu estalidos, primeiros baixos, como galhos quebrando, e depois mais altos até soarem como um “kapow”. Davi abriu os olhos, esperando a reação do amigo.
— É isso?
— Como assim “é isso”? - Davi perguntou perplexo. – Eu tenho esse... essa coisa que faz barulho, tipo, será que é alguma entidade tentando se comunicar?
Pedro até tentou, mas não conseguiu conter a gargalhada que o possuiu, e quando mais o garoto ria, mais confuso e envergonhado Davi ficava. Quando Davi já estava irradiando seu aborrecimento, Pedro parou e respirou fundo.
No momento seguinte, a terra em frente a Pedro estava se revolvendo e se moldando formando um amontoado que lembrava de forma vaga uma casa, ou Davi achava que era uma casa, ele nunca havia visto uma casa com o teto cônico.
— Entendeu agora? – Pedro perguntou.
— Mas... não, o meu treco é diferente do seu.
— Bora sentar um pouco e eu te explico.
Então, com ambos protegidos sob a copa do Ipê, Pedro, pela primeira vez contou sobre o lugar de onde ele veio, e o que era o “treco” que Davi tinha.
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