Aparentemente eu não era esperada, e, se fosse, algo deu errado. Uma vez, que, tive que esperar quase meia hora para o CEO me receber.
Aproveitei este tempo para decorar as falas do acústico que teríamos à noite - remoendo-me em ódio, raiva e culpa. Por que eu não podia aprender coreano mais rápido? Por que tinha que ser eu a estragar a vida de August? Nunca mais eu iria assistir filmes ou séries de troca de corpo!
Quando finalmente pude ver o CEO, ele não precisou abrir a boca pra eu entender o quão puto ele estava: o rosto estava avermelhado; uma mão em punho e o dedo indicador da outra batendo ritmicamente eram ótimos indícios. Achei melhor tomar a iniciativa:
-Me desculpe. Eu… - a culpa formou um nó em minha garganta, prendendo as palavras em minha boca - eu devia ter me preparado melhor.
Ele inspirou duas vezes, parou o bater rítmico do dedo, antes de começar a conversar comigo.
-Não foi culpa sua. - ele usou a pessoa errada ao conjugar o verbo to be, mas não é como se eu pudesse corrigi-lo. - O apresentador violar acordo. - a certeza de que só não estava sendo xingada porque ele não conhecia as palavras para fazê-lo, me deu um alívio que logo foi sobrepujado pela sensação de incompetência. - Como está sua apresentação?
-Consigo fazer a maioria dos passos. - A coreografia, em si, nunca foi um problema. - Mas não consigo fazer um mortal, tenho um bloqueio mental, provavelmente por ter quebrado um osso assim. Então o coreógrafo está preparando uma nova versão de Light It UP. - capacidade física para fazer o passo eu tenho, mas, a menos que esteja com um cabo de segurança ou num lugar que sei que não vou me machucar, eu não consigo fazer.
-Bom. E as letras das músicas?
Senti como se chumbo se assentasse em meu estômago. O desejo de isso ser verdade foi sobrepujado pelo medo do fim da vida de August.
-Sei a letra de todos os álbuns antigos, mas não consigo alcançar a mesma velocidade de flow que August. - na verdade, essa não era a pior parte - Sem dançar eu consigo ter um desempenho aceitável, mas cantar e dançar é mais difícil do que eu pensei. - especialmente em algumas coreografias que me fizeram voltar a usar músculos que meu corpo original talvez não se lembre de ter. - Pedi conselhos a MC e Hop, eles disseram que se eu aprender coreano, vou conseguir melhorar meu desempenho. Sendo honesta, mesmo que consiga fazer um bom trabalho nas músicas já lançadas, - o que me parecia possível, já que era só decorar e repetir - não acho que conseguiria participar de batalhas de rap. - um dos orgulhos de August, um dos cinco rappers mais rápidos da República da Coréia.
O CEO me olhou com pesar e disse:
-Você não mais vai em programas sozinho. - A culpa me corroeu ainda mais. Eu estava destruindo, completamente, o sonho de August. Por que eu não podia aprender coreano mais rápido? - Vamos focar em pequenas apresentações.
-Ok. - Não havia o que ser feito. Força de vontade e determinação me colocariam numa situação indesejável.
Ódio.
Houve uma época de minha curta vida que cheguei a achar que seria impossível me odiar ainda mais, se o ‘eu’ daquela época me visse agora, talvez não existisse um ‘eu’ de agora.
-Arém disso, - ele continuou - suas sugestões pro MV de Make Me Sin foram levadas para o Roteirista e Diretor. Ambos não gostaram de você não ter feito os comentários durante a reunião, mas gostaram das ideias propostas. Então peça desculpas quando encontrá-los novamente.
-Sim, Senhor. - Mais uma vez eu estava estragando o sonho de August, mesmo tentando ajudar… como eu pude me esquecer que não ter uma personalidade própria era tão difícil? Ou será que ter vivido como eu mesma está dificultando a minha atuação?
-...Está dispensada. - ele parecia querer falar mais, mas talvez não tenha encontrado as palavras necessárias em inglês.
Em dúvida se me sentia aliviada ou com ainda mais raiva de mim, eu me dirigi à porta, mas parei. Lembrei-me que tinha algo a relatar.
-Me desculpa, mas tenho mais uma coisa a dizer. - disse me virando de volta para ele.
Como começar? Simplesmente dizer a verdade estava fora de cogitação.
-Testei algumas coisas e não consegui descobrir o que causou a troca de corpo. Tentei replicar o que estava fazendo, mas não teve resultado. - parecia um bom jeito de começar. - Então comecei a pensar em outras possibilidades. Dentre elas tem o fator biológico.
-Fator biológico?
-Ah, não estou dizendo que isso é uma doença. Nem sei se faz sentido isso, mas pode ser que haja algum efeito colateral para o corpo de August… - ele me olhou com curiosidade.
-Não está preocupada com você?
É errado eu responder que não?
-August vale, economicamente, bem mais do que eu. Se houver algum efeito colateral para o corpo ou saúde, acho que ele deve ser priorizado, mas vou me tratar, também. - isso era uma resposta boa o suficiente, né? - O que me leva ao ponto que queria trazer: conheço um médico que pode verificar nossa saúde, sem espalhar nada para ninguém.
Agora ele me olhava com desconfiança.
-E como esse médico vai ajudar?
-Sinceramente? Não sei. August pode fazer um check-up sem chamar atenção, mas não vamos poder ir muito mais além sem comprar o silêncio das pessoas envolvidas. Esse médico que mencionei, não se importa com dinheiro e eu tenho certeza de que ele não falaria nada para ninguém. - nem pode. Não sei o que aconteceria, caso alguém abrisse o bico sobre Alpha.
-Esse médico ser coreano?
-Não, mas ele está vindo para fazer um PhD aqui. - Usei a mentira mais fácil que consegui pensar.
-Vamos usar um médico coreano.
O que fazer para convencê-lo a usar o médico que já estava a caminho? Gastei preciosos segundos tentando bolar um contra-ataque, mas foi inútil.
-Não acho que seja uma boa. Não sei o quanto você confia no médico que quer usar, mas quem estou sugerindo é muito capaz e sei que morreria antes de deixar vazar alguma coisa.
-Vamos usar o médico da banda. - os dedos voltaram a tamborilar.
Não sei como convencê-lo a aceitar minha oferta de médico. Felizmente, ao menos, consegui convencê-lo a deixar um médico consultar a mim ou a August - o resto teria que se desenvolver a base de favores.
Espero que tudo dê certo.
Com a sensação de derrota e uma leve pontada de esperança, eu tornei a me despedir, antes de sair da sala e ir em direção ao carro.
Dentro dele mandei uma mensagem para a Gab perguntando quanto de ações nominais da WoW Entertainment ela tinha, antes de fazer o rascunho da desculpa que usaria com os funcionários que estavam produzindo o vídeo clipe e jogá-lo no tradutor. Copiei a resposta do aplicativo e voltei a praticar as minhas falas para o acústico.
Na casa dos meninos, eu pratiquei as coreografias do álbum de Fly High, antes de começar a me preparar para a apresentação. Finalmente decorei as coreografias, mas continuo fazendo algo errado. Volta e meia sinto uma fisgada no ombro direito, provavelmente estou mexendo o corpo do jeito errado ou relembrando uma ferida antiga do corpo - embora não me lembre dele ter mencionado nenhuma lesão. Em suma, ainda não domino este corpo.
O "Acústico em Casa” (tradução livre) servirá como teste para uma entrevista em dois dias. Um apresentador irá apresentar a banda, anunciar as músicas e fazer algumas perguntas programadas, das quais já tenho minhas falas decoradas, mas para o caso do apresentador fazer alguma pergunta fora do combinado ou ter algum comentário que o August não deixaria de fazer, eu vou receber uma cola da equipe.
Ao terminar de me vestir, recebo dicas para melhorar o figurino, além de ajuda com a maquiagem e cabelo. Em seguida, juntei-me aos meninos, no estúdio que foi decorado para comportar uma banda (que já afinavam os instrumentos), com sete banquetas, juntamente a iluminação e enfeites que me fizeram questionar o quanto havia sido gasto, enquanto me surpreendia com o quanto o dinheiro pode mudar um local.
Checo o meu telefone uma vez, em segredo, e vejo que há resposta da minha melhor amiga. Sabia que ela não perderia o acústico.
“1,32749%” - foi tudo o que respondeu.
“Preciso de tudo que puder comprar.” - foi a minha réplica, antes de tomar minha posição e entrar no meu personagem.
O apresentador foi fiel ao roteiro, por isso somente precisei pontuar pequenas participações nos diálogos ou comentar lembranças desconhecidas por mim. Durante as músicas eu tive que cantar e mover o corpo de forma natural, sem me exaltar, embora elas tenham sido escolhidas de acordo com o meu desempenho, mais Fly High (que estava no topo das paradas).
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