Um staff do programa apareceu e deu o recado de 1 minuto.
O Agente esfregou a lateral da cabeça, disse algo que não entendi, mas que fez Park e K sorrirem igual crianças, depois disse, em inglês, para que virasse, apertou alguns botões para ligar e configurar o tradutor automático e me avisou que conversaríamos mais tarde.
Não sei se foi pelo que aconteceu no banheiro, mas até como as bandas foram chamadas me irritou. Primeiro entrou o A.I. (se minha tradução simultânea estivesse correta, os apresentadores usaram vários adjetivos fofos, mas que poderia ser interpretado como forma de dizer que eles eram pequenos e inexperientes); enquanto que o MoonLight foram recebidos como uma grandeza mundial, um tesouro nacional.
Não nego que considero MoonLight um tesouro mundial, mas o A.I. é muito bom! Eles só estão no início da carreira e têm potencial para dominar o mundo! Simplesmente desmerecê-los por terem pouca experiência ativou vários gatilhos em mim.
Nada bom! Preciso me acalmar, parece que deixo transparecer muito facilmente minhas emoções. August não é assim!
Respirando fundo, foquei no programa.
Segundo o roteiro, seria uma entrevista conjunta com algumas brincadeiras. Ou seja, os apresentadores fariam perguntas “aleatórias” para as bandas, ambos os lados respondiam e os apresentadores faziam um jogo/brincadeira com os voluntários de cada equipe - apenas para tornar a situação mais divertida, eles alegaram.
Minha raiva era tanta que eu esqueci de responder na minha vez, se não fosse pelo agente recitando a resposta, eu teria ficado lerdando.
Já as brincadeiras pareciam justas, embora eu conseguisse apontar pontos que poderiam favorecer um time ou outro - ao menos, elas não favoreciam descaradamente apenas um dos times. Pergunto-me se isso foi proposital, para evitar possíveis reclamações. Infelizmente, no jogo da maldade e manipulação, eles estavam a anos luz de distância de mim.
No final, quando havia pouca diferença de pontos no placar, Felix foi chamado para jogar, após uma falsa demora de escolha. Quando o apresentador se virou para o MoonLight para escolher, MC perguntou se podíamos oferecer um tributo (tenho quase certeza que essa palavra foi traduzida errada, mas quem sou eu pra reclamar?), surpreso o cara não negou o pedido. Eu sabia que o ML iria jogar limpo, mas eu me perguntava como. Não sabíamos as perguntas, então não tínhamos alguém para enviar. Enquanto os meninos fingiam deliberar, duas mãos, de pessoas diferentes!, empurraram a base das minhas costas.
Eu tropecei meu caminho para frente, atropelando levemente Min e MC.
Olhei para trás sem saber se me desculpava ou se tentava ficar zangada com Han e K.
Não tive tempo para me decidir entre os dois. Só ouvi Park dizendo "Parece que Yuwon quer muito ir", com um sorriso inocente.
Se eu não estivesse focada no ódio, me remoendo de raiva ou se eu, simplesmente, tivesse parado pra pensar, teria percebido que eu era a única opção para fazer um jogo "justo" quando o quesito era não saber coreano. Mas me deixei levar pelos meus sentimentos e deixei de perceber o óbvio.
Ao ser atirada aos leões, não pude evitar de me sentir traída, mas também senti raiva, ódio, indignação, arrependimento, inveja e admiração. Senti raiva e ódio de mim mesma, por não ter aprendido coreano rápido o suficiente; senti-me traída e indignada por me usarem para manchar a imagem de August no jogo; senti inveja de Felix, pois nunca fizeram nada parecido por mim - na verdade, sempre me acontecia o contrário; senti-me arrependida por ter recusado a ideia de Gab de aprender coreano, tantos anos antes; senti admiração, porque, das pessoas ao meu redor, não consigo pensar em muitas que abririam mão de tal oportunidade, sem nada em troca - talvez nenhum de meus conhecidos o fariam.
O jogo que Felix e eu participamos era um perguntas e respostas muito bizarro. A tradução automática não fazia sentido nenhum, por isso boa parte das minhas respostas foi "eh" até Felix arriscar responder ou eu receber cola, só que mesmo trapaceando, eu respondi muita coisa errada. Confesso que fiquei feliz ao ver o quanto os demais estavam gargalhando.
Por um lado, August pode querer me matar; por outro, Hop estava rindo!
Não tenho certeza, mas quase parecia uma troca equivalente.
Graças a mim, ML perdeu a competição geral, por isso tivemos que dançar Fly High em fantasias, enquanto A.I. performou o novo single deles, em seus trajes majestosos.
Reivindiquei para mim as roupas da Sailor Marte, sem ligar muito para o resto.
Depois do final da gravação, Banb veio me agradecer por ter perdido. Sem saber o que responder procurei por MC, K ou Hop, mas todos estavam ocupados lidando com a staff do programa, falando com Felix ou recebendo bronca do agente da banda. Por isso suspirei antes de falar:
-Não é como se eu pudesse ter vencido. - Banb arregalou os olhos, surpreso com o meu inglês. - No momento, meu coreano está muito inferior ao do Felix.
Banb tentou falar, mas não saía sons de sua boca. Ele estava obviamente confuso. Não o culpo, August já declarou diversas vezes que inglês é difícil demais para ele, embora ele quisesse, um dia, aprender.
Finalmente alguém me viu conversando com Banb. As sobrancelhas de Park foram às alturas quando nos percebeu. Ele veio correndo em nossa direção, pulou sobre mim e começou a inventar um tanto de desculpa esfarrapada para me tirar dali.
Pensei que ele ia brigar comigo, chamar minha atenção por estar falando com alguém, mas ele não tocou no assunto.
No caminho para a van, Min atualizou a todos sobre a minha troca. Os que descobriram soltaram gritinhos, fizeram gestos com as mãos ou quase tropeçaram. Em suma, chamaram atenção.
Foi engraçado vê-los reagir ao acontecimento, não nego, porém, só conseguia pensar em porque não me deixaram usar o tradutor antes. Sério, ele está sendo uma mão na roda agora!
Os meninos mantiveram a curiosidade sobre controle até fecharem a porta da van, que o Agente usaria para nos dirigir até em casa. Foi a porta fechar e milhares de perguntas choveram em cima de mim.
Eu não entendi nada.
O tradutor estava pegando palavras aleatórias de cada frase e juntando numa só. Confusa parecia um eufemismo para a tradução que recebi. Então decidi contar, em inglês, o que aconteceu - começando pelo banheiro.
K ficou bem chocado ao descobrir que a troca aconteceu duas, não uma vez.
-Por que só deixou para contar sobre a troca do banheiro agora? - perguntou o Agente. Tive vontade de rir. De propósito ou não, ele me ignorou por dias, porém agora queria respostas; enquanto os meninos fingiam não se importarem com a questão.
-Não tentei esconder. - disse me recostando no meu assento e fechando os olhos - Tenho quase certeza que August tentou alguma coisa, não sei se estava tentando falar com vocês ou só descobrir onde estava, só que quando voltei e ouvi pessoas se aproximando, eu entrei em pânico e me escondi. Depois disso perdi a cabeça.
-Ah, você deve ter ficado bem zangado. - comentou MC, antes de traduzir para os demais.
-Sim, eles podiam ter tentado fazer o mesmo com você… - não havia pensado nisso. Se por algum motivo fosse descoberta a minha situação, pessoas assim teriam levado a carreira de August para a fossa sem pensar duas vezes.
Fechei meus olhos com força.
Se eu já estava fula por me lembrar do meu estágio e outras experiências profissionais, pensar no fim do ML por algo assim, fez meu ouvido zumbir.
Queria me desculpar por perder o jogo, mas estava com raiva e suspeitasse que se abrisse a boca, poderia acabar chorando ou falando merda.
-Trocou de novo? - perguntou Han.
-Não. - achei estranha a pergunta.
-Aish, você tá agindo igual ao Yuwon quando ele não quer falar de alguma coisa. - esclareceu.
-Eu sei.- comentou K - Quando essa criança voltou do banheiro eu só percebi que tinha algo errado, porque ela estava agindo igual ao Yuwon. - Esta criança? Idade coreana de lado, eu nasci no mesmo ano que ele. Será um vício de linguagem?
-Wah até K foi enganado… - comentou Han. Considerei isso um elogio. Senti-me um lixo por enganá-los. - Mas como o Min-hyung percebeu que eles haviam trocado?
-Ah, você tem que usar mais a sua cabeça. - essa foi a forma mais fofa que eu já ouvi uma pessoa chamando a outra de burra - Antes da Unnie chegar, August estava com dor de cabeça e tossindo. Como ela tava com a mão assim, - eu super imaginei ele me imitando - parecia que ela estava com dor de cabeça. Quando ela começou a tossir eu comecei a pensar que ela podia estar com medo do palco, mas a segunda tosse foi muito falsa, então ela só podia estar querendo dizer alguma coisa.
-Wah! Isso foi muito inteligente! - rebateu Han.
-Não é? Eu acho que não teria percebido… - falou Park.
-Hyung, você podia usar sua cabeça assim para outras coisas também. - ouvi risadinhas e tive vontade de abrir os olhos para absorver o máximo da interação deles.
Antes de ir para casa, fomos para a agência dar um pequeno relatório do desempenho do show, de como perdemos (por minha culpa) e como o tradutor foi útil. Não participei muito da conversa, afinal eu não tinha o direito de opinar. Além de que, em um futuro não muito distante, espero eu, eles teriam motivo para me odiar. Todos aqui, além de August e do Homem de Terno.
Foi decidido que eu manteria o tradutor e fomos informados que August já estava em Seoul, hospedado em um hotel. Curiosamente, ninguém comentou da troca - nem mesmo o Agente. Mas não sou ingênua ao ponto de achar que ele não sabe ou não vai ficar sabendo, afinal ele está em contato com o Homem de Terno, August já poderia ter contato a situação para eles. Mesmo que não, este é o tipo de informação que não vale a pena esconder.
Da agência, Park, Han e K foram para uma sessão de fotos. Aparentemente, a empresa iria se aproveitar da guerra de ship em cima deles, como parte do marketing - um movimento esperto, porém arriscado. Min e Hop foram para um programa de variedades. MC e eu fomos para casa, onde eu tive aulas de rap.
Depois das minhas aulas de rap e de como aumentar minha velocidade de entrega (que passei a pensar nelas como aulas de como respirar), tomei a liberdade de mexer no meu telefone. Ignorei, por ora, as mensagens do meu chefe e abri minha conversa com a Gab.
A mensagem “Só falta o seu autógrafo” seguida por um anexo de quase dez páginas me deu muita vontade de gravar um áudio agradecendo-a. Na verdade, cheguei a gravá-lo, só cancelei o envio, mandando uma figurinha de cada integrante do ML fazendo corações de formas diferentes.
No meu computador, abri o documento, claramente falso, em word no qual Gab passava o direito de controlar todas as suas ações. Todas as páginas estavam rubricadas e a última assinada. Se não fosse pelo fato de eu estar na Coréia do Sul no momento do envio e isso dificultar um pouco estas transações, assim como o fato de estar no word e não em PDF, eu precisaria de algumas lidas para afirmar a veracidade do documento.
Quem liga? O que vou fazer com ele é claramente ilegal, adicionar mais um crime a lista não é uma preocupação - especialmente sabendo que não vou para a cadeia por causa disso -, principalmente sabendo que Gab me daria total apoio. Chorando, de coração partido, ameaçando comer meu fígado comigo olhando, mas seguiria meu pedido.
Terminei de ler e constatei que ela tinha 5,76% em ações nominais da WoW Entertainment. Eu tinha conseguido comprar 4,8%. August, assim como todos os membros do ML, tem 6,18%. Ou seja, o que tínhamos era mais do que suficiente.
Usei minha assinatura salva em png no meu computador, para preencher os campos de assinatura faltantes, antes de salvar uma cópia do documento dizendo que August tem total controle de meu patrimônio. Este último passo é totalmente inútil, mas na minha cabeça fazia as coisas um pouco justas.
Depois pratiquei mais um pouco, numa tentativa de melhorar minha pronúncia, seguido pela vã esperança de aumentar minha velocidade de entrega.
Pouco antes de dormir, eu não consegui evitar de pensar no meu dia e precisava falar com alguém, então twittei:
“Hj eu me apaixonei pelo ML de nv. Pq n existem mais pessoas como eles?”
Pouco depois recebi um comentário da minha melhor amiga dizendo:
“pq os machos escrotos do mundo não iriam suportar”
É infantil, mas eu quis chorar.
A música “Boys Will Be Boys” passou pela minha cabeça e eu não pude não pensar na minha prima, Mari. Por causa do que o pai dela nos ensinou, ela se tornou uma advogada especializada em crimes contra a mulher, atendendo, ao menos, uma pro bono por mês.
Mandei uma mensagem para ela perguntando como ela estava, se tinha algum caso que ela queria ou precisava comentar. Se a resposta viesse, demoraria dias, por isso, simplesmente travei a tela do meu celular e me preparei para dormir.
Subitamente consciente de Hop deitado na própria cama, eu me virei para a parede e senti meu (nada meu) rosto se contorcendo numa careta, enquanto um grito silencioso escapava de mim.
Tirando todos os meus erros até agora, minhas ofensas e todo o resto, eu estava para cometer atrocidades com pessoas maravilhosas! Eu sonhei tanto em ter ao menos uma pessoa boa assim na minha vida e agora eu me tornaria má com eles.
Repeti para mim, diversas vezes, até cair no sono, que eu estava fazendo isso pensando no futuro e que Maquiavel escreveu sua carta ao Príncipe justamente para dizer que estava tudo bem agir assim. Se ele estivesse errado, O Príncipe não faria parte da trilogia de livros que todo bom estrategista dele ler. Né?
Infelizmente, a culpa não desapareceu.
Engraçado, pensei enquanto mordia a coberta, não era para eu me sentir assim. Eu só sou útil por ser capaz de abandonar família e amigos. Nunca considerei essa afirmação vazia, principalmente devido que não senti a menor vontade de contatar minha família desde que cheguei, se não fosse pela utilidade de Gab eu poderia conter meu impulso de me comunicar com ela - prova disso é que eu não liguei para ela nenhuma vez, além de somente ter tratado de negócios em nossas mensagens. Então por que machucar sete estranhos, que sequer sabem quando é o meu aniversário ou fobias, parecia tão errado? Por que doí tanto?
É pelo quê as músicas deles fizeram por mim ou por que eles são bons seres humanos?
Não sei e adormeci sem descobrir a resposta, agarrada em minhas pernas, esperando que amanhã eu já tivesse superado o que quer que fosse.
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