CAPÍTULO 2: Agora sim a aventura vai começar!
O que seria um quarto organizado? Normalmente temos a ideia de que quartos organizados são aqueles com pouca coisa e cada coisa tem seu lugar. Logo, um quarto desorganizado seria aquele onde existem tantas coisas amontoadas em lugares diferentes, que nada parece se encaixar.
Mesmo a dona do quarto, a protagonista dessa história, aparenta deslocada; no meio de tantas almofadas, bonecos e pôsteres de personagens de obras totalmente diferentes.
Não me admira que até agora ela não conseguiu pensar em nenhum plano útil, não havia como se concentrar em toda essa bagunça.
Não existe nem mesmo silêncio nesse lugar! A música que sai das caixas de som é tão alta que o pobre aparelho vibra violentamente na mesa em que nossa protagonista se encontra cabisbaixa.
— É porque eu não quero te ouvir...
Ela murmura com a cabeça enfiada no meio dos braços cruzados. Já haviam se passado cinco horas desde que ela chegou do colégio com a promessa de acabar de vez com seu tédio. Mas parece que depois de tomar banho e se trocar, todas as ideias escorreram pelo ralo do banheiro.
— AHHHH!!! Bem me desculpe! — a garota grita de repente para o nada, olhando para cima com as mãos erguidas — Sua espécie de entidade cósmica entitulada narrador observador que não faz nada além de observar e narrar! Se é tão poderoso porque você não me dá logo as respostas!
Não é assim que funciona.
— Ah é?! Porque não?! O todo poderoso narrador tem regras pra seguir??
M-mas é claro! Todas as entidades possuem suas regras e limites! Se não, o mundo seria um caos!
— Ha! Tá bom, e porque ninguém mais consegue te ouvir?!
Ah bem…já se perguntou porque você é a única que me houve?
— Esquizofrenia? Você pode muito bem ser só uma voz na minha cabeça e que não sabe de nada!
Eu posso assegurar que você está em perfeita saúde...
— Isso parece exatamente algo que uma voz fruto de loucura diria!
Ora vamos! Eu já disse que sou uma entidade e eu estou narrando sua vida porq-
— Prove!
O-O que?
— Prove que você é real! Se não vou assumir que você é fruto da minha cabeça e nunca mais falar com você!
E o que faz v-você achar que isso me prejudica?!
— Eu sei lá! me diz você, OH voz da cabeça de uma pobre garota doida~
Eu nem mesmo teria algo a mostrar, e-eu não vejo o futuro, apenas observo tudo o que acontece no presente e narro para aqueles que têm interesse em ouvir!! É apenas m-meu trabalho!
— Ora então narra algo que está acontecendo agora! Ah não, pera... Eu não teria como saber se deu certo ou não...
Bem! Enquanto nossa auto intitulada protagonista pensa em formas ridículas de me fazer provar a veracidade de minha existência, uma de suas empregadas anda pelo corredor em direção ao seu quarto…
— Que?
Com a intenção de chamá-la para um lanche antes do jantar, em suas mãos havia uma bandeja com um sanduíche de ovo e tomate acompanhado de um suco de melancia, seu favorito...
— Calma calma!... então se isso acontecer de verd-
— Senhorita? — a voz calma da empregada ressoa além da porta do quarto da garota de cabelos vermelhos e verdes — Eu trouxe um lanche antes do jantar, poderia abrir a porta?
— O MEUS DEUSES! VOCÊ É REAL MESMO! — A garota grita em plenos pulmões antes de se impulsionar para cima e derrubar a cadeira em que estava sentada — Ah! Já vou!
Ela então corre até a porta em que uma empregada de cabelos curtos a esperava.
— Obrigada!
Ela agradeceu sorrindo e pegando a bandeja, ainda gritando como se a música que ainda estava tocando não fosse barulho alto o suficiente.
— Então, entidades existem!
Ela conclui o óbvio depois de fechar a porta, correndo até a mesa para pôr a bandeja em cima.
— Mas se você existe então… — a garota reflete enquanto arruma a cadeira e se senta pegando o copo de suco em uma mão e o sanduíche em outra — Então outras também devem! E uma delas deve saber como me ajudar, né?
Indaga nossa protagonista olhando para o nada antes de beber um gole de… O que? Hahahah! É interessante você assumir que algo assim iria acontecer.
Não acha que outros seres como eu estariam muito ocupados para perder tempo com um humano?
— Você diz isso, mas está aqui perdendo tempo comigo não? Você também não deveria ter algo melhor pra fazer?
… a garota de cabelos de duas cores diz mordendo seu sanduíche, que deve estar muito bom porque ela sorri de forma bastante maldosa enquanto mastiga…
— OHH acertei um ponto sensível? Haha! Mas sinceramente eu vou te dar um ponto!
Um ponto?
— Eu deveria ter pensado nisso mais cedo, afinal, é o que diz no xintoísmo! Deus está em todas as coisas ou algo assim, e se você existe e está aqui eu posso... não não não, eu devo conseguir achar alguém para me ajudar!
Nossa protagonista acaba de falar algo realmente bastante característico de seu lugar na história, terminando o suco e batendo o copo na mesa, ela encara o teto mais uma vez com uma expressão de dúvida.
— Preciso de ajuda, no entanto, não sei como procurar uma entidade e você não vai me falar vai?
Eu apenas narro o presente não dou dicas do futuro.
— Ahhf! Sim sim sim claro, além de ser incrivelmente chato… Bem, pra minha sorte eu sei onde achar ajuda! Uma ajuda mágica!
Vou pedir ajuda aos meus ancestrais e suas super grandes mega anotações! ISSO!!!
Nossa grande protagonista sai do quarto correndo à procura de Sebastian, seu mais fiel motorista; que estava limpando as janelas de seu carro na garagem e pede, não, ela praticamente implora mesmo sabendo que ele é obrigado a obedecer todas as suas ordens, para ele levá-la até a grande casa principal de sua família, que fica mais afastada da cidade.
• • •
— Bem vinda senhorita Mikaela.
— Mika! Já disse pra me chamar de Mika, todos os meus amigos devem me chamar assim.
— E-Eu entendo, mas o nome que sua mãe escolheu é tão bonito e combina tanto com você jovem dama.
— Tá tá... — a tal jovem dama diz revirando os olhos para o comportamento do mordomo — Mas agora não é hora disso! Preciso da chave do cofre!
— Do cofre? Seus cartões não estão funcionando?
O bigode branco e volumoso do mordomo quase murcha de preocupação com as falas de sua jovem dama. Ele sabia que ela as vezes exagerava quando saía pelos centros comerciais da cidade, mas nunca havia ocorrido qualquer cancelamento de cartão algum.
— Não não não não o cofre de dinheiro não! — A garota mexe os braços tão rápido quanto sua cabeça para enfatizar sua negação — Tô falando do "cofre mágico"~
— Ohh entendo... por aqui senhorita...
— Ooookay!!!
Os dois então saem da primeira sala e caminham pelos corredores da grande construção de arquitetura europeia. Alguns outros empregados passavam de um lado para o outro procurando terminar suas obrigações, e sempre que passavam pela jovem de aparência excêntrica, faziam um cumprimento rápido e respeitoso.
— Ah … mas a senhorita tem certeza? — o mordomo de repente demonstra suas preocupações — Seus pais foram bem claros em seus avisos. Pegue leve nos feitiços enquanto eles não estão aqui, para não chamar a-atenção indesejada!
A jovem dama não de-deveria se arriscar e-
—Ahhh não de preocupe Gregory! Eu não vou fazer nada grande, só tentar bater um papo com uma entidade divina ou duas, coisa simples~
— ahmm... se a senhorita diz...
O mordomo decide confiar em sua senhorita e quando chegam finalmente a uma grande porta de madeira, com um aspecto mais antigos que as outras, ele abre a porta e a segura para Mika passar primeiro.
Atrás da porta estava uma extensa biblioteca, e embora todas as prateleiras estivessem atarracadas de inúmeros livros interessantes, nenhum deles era o objetivo da garota melancia.
Gregory, que era apenas mais um nome inventado pela garota, vai diretamente para uma das esculturas que enfeita a enorme sala. É uma gárgula com uma cabeça canina, mas com pernas de alguma ave e asas de morcego bem abertas; uma mistura interessante.
Mas o mais interessante, é como a mandíbula da estátua abre e revela um pequeno buraco circular de onde o velho mordomo retira uma chave marrom meio enferrujada, que a entrega para nossa protagonista.
— Aqui está, por favor tome cuidado...
— Ok valeu! Tchau!
Mika não espera muito mais que três segundos para sair correndo da biblioteca e passar por toda a parte da frente da casa até chegar aos fundos, correndo diretamente para uma outra sala. Esta é menor e mais simples, quase que escondida no meio da magnitude da casa, nossa protagonista não consegue abrir na primeira tentativa, a porta parecia presa no chão.
— Meus Deuses! Há quanto tempo que ninguém entra aqui? Vamos!
Ela tenta novamente, dessa vez empurrando com seu peso. Com isso a porta cede e abre com um estrondo seco de madeira velha.
*TRONK!*
— CONSEGUI!!!
Vibra a garota ao entrar no quarto velho, empoeirado e escuro; definitivamente um ambiente que deixa a garota colorida e brilhante em destaque, nada mais além de um tapete velho existia ali.
— Bem, o que posso dizer, é pra ser um quarto secreto, sabe?
Não sabia que para ser secreto precisava ser uma caverna de poeira! Como consegue respirar aqui?!
— Simples, eu adoro o cheiro de aventura! — ela responde levantando o tapete, e com ele uma grande nuvem cinza de anos de sujeira! Estou vendo que tem alguém aqui que quer ter pneumonia!
— Na verdade o que eu quero está exatamente embaixo
Como? Oh, agora eu vejo, após a nuvem espessa se dissipar, nos é revelado um alçapão trancado por um grande e pesado cadeado!
— Ei, como sabe que é pesado se não tá pegando nele?
Acho que não precisa ser uma divindade genial pra imaginar o peso de um cadeado tão grande.
— OH faz sentido!
A garota abre o cadeado, com a chave que recebeu, e também o alçapão logo em seguida, revelando escadarias de madeira, se aprofundando em uma grande escuridão sem fim.
Decidindo que mergulhar na escuridão era melhor do que continuar naquele quarto fedido de mofo e ácaros, nossa heroína começa a descer os degraus de madeira.
Para iluminar o caminho e evitar um acidente trágico, Mika pega seu telefone e liga a lanterna, revelando mais e mais escadas. A cada passo havia um rangido, flocos de poeira dançavam pela luz, teias abandonadas dominavam o teto daquele pequeno buraco alto o suficiente apenas para um adulto passar, mas as laterais eram sufocantes!
Realmente você não tem medo de sofrer um acidente aqui sozinha?! Saiba que se você morrer a história acaba!
— Morrer? Hahah! Eu venho aqui desde criança, não tem nada perigoso aqui, na verdade já estamos chegando.
No fim da escada, a luz finalmente se estende adiante e revela uma longa e espaçosa sala subterrânea. Havia pilastras entalhadas do chão até o teto, e estes também era decorados com símbolos e pinturas; até mesmo as paredes pareciam ter coisas desenhadas e escritas, mas não dava pra ver já que estantes e mais estantes cheias de livros se encontravam rodeando toda a circunferência da sala circular.
Parecia uma pequena biblioteca, e era limpa e bem cuidada! Tudo estava limpo, não havia poeira e mesmo sendo um canto fechado, o ar do local não era abafado. Parecia um lugar separado, novo, recém feito e mobiliado.
— Heheha! Isso meu amigo, é magia!
A garota exclamou com orgulho enquanto andava convicta até uma estante específica. Esta parecia mais antiga, a madeira estava mais gasta; e mesmo os livros dentro das cabines de vidro de cada fileira da estante, pareciam muito mais envelhecidos embora muito bem cuidados.
— Meus pais mandaram construir essa casa bem antes da gente viajar pra cá. E essa biblioteca foi um dos primeiros cômodos a serem feitos...
Seus olhos verdes azuis seguem seus dedos, que deslizam pela vitrine a procura de um título bastante específico, sua outra mão continuava a iluminar com a lanterna improvisada.
— AHA! É esse!
Sem rodeios ela abre a vitrine e agarra três grandes livros, todos bem diferentes a primeira vista, mas havia uma palavra escrita na capa de cada um que os ligava: " invocacións "
A garota não perde tempo e já abre o primeiro livro, colocando o telefone firme na boca para ter as mãos livres enquanto volta pelo caminho que veio.
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