— Leva o que você quiser, mas não me mate. — supliquei com as mãos levantadas.
Puta merda. Por que não aprendi artes marciais? Será que consigo aprender em um minuto? Acho que posso derrubá-lo e chamar a polícia. Até parece. Eu não tenho tal agilidade. Fiquei perto de uma parede, ou seja, não havia uma rota de fuga.
O motoqueiro continuou acelerando sem sair do lugar. De repente, uns garotos aparecem e começam a rir. Um deles era o Vando, o cara sem noção que adora fazer piadas gordofóbicas. Ele estava filmando tudo e quase não conseguia falar, apenas gargalhava.
— Pensei que um cara desse tamanho fosse mais valente. Olha, quase fez xixi na calça. — ele disse mostrando o vídeo.
— Achei que ele fosse desmaiar. — comentou outro garoto que não conhecia.
— Precisa ser mais valente rolha de poço. — Vando me aconselhou.
Idiota. Babaca. Cara desprezível. Tudo de ruim que existe dentro de mim parecia querer sair. Cheguei em casa e o pessoal não estava. Abri um pacote de biscoito e fiz quatro sanduíches, a comida me confortava de algum jeito. Era um alívio.
Subi para o meu quarto, abri o computador e Ramona já havia enviado algumas fotos para o meu e-mail. Selecionei algumas imagens para imprimir. Fiquei admirando o Zedu por algum tempo. Ele era realmente lindo. Dormi com o notebook em cima da cama.
***
Acordei cedo para preparar o café dos meus irmãos. O Richard é intolerante à lactose, então, precisava ter cuidado com a alimentação dele. Geralmente, coisas mais naturais eram indicadas pelos médicos. A minha tia já se preocupava com tanta coisa, deixei essa responsabilidade para mim. Infelizmente, o Richard não cooperava, sempre que eu achava uma receita nova, ele, praticamente, cuspia na minha cara.
Já a Giovanna não podia viver sem seu leite e queijo de búfala. Sabe o preço desses itens? Só posso dizer que são caros. Fora que ela tinha toda uma rotina matutina. Quando estudava no Rio de Janeiro, a minha irmã acordava às 5h da manhã para se maquiar e preparar os cabelos para a aula.
Naquela manhã, fiz uma receita de crepioca de queijo sem lactose. Enchi de frutas para enganar o Richard, que odiava experimentar coisas diferentes. Nos últimos meses, ele perdeu muito peso e resolvi investir em novas alimentações.
— Essa banana tá gostosa. — ele disse olhando para mim e rindo.
— O que você aprontou? — perguntei com desconfiança.
— Nadinha. — Richard franziu a testa e mostrou os dedos. — Juro.
— Richard, o que você fez? — questionei mais uma vez. — Quebrou algo? Assassinou algum animal inocente? Bateu em alguém? Envenenou a água do bairro?
— Não. Não. Não. E isso foi uma vez só. Eu não sabia que água sanitária fazia mal. — ele disse revoltado com minhas suposições. — Na verdade, eu queria ir lá na quadra do Parque. O Zedu disse que eles vão treinar hoje.
— Você, perto de outras crianças? — ri alto da possibilidade dele chegar perto de outras crianças. — Nem pensar.
— Qual é! Só hoje!
Giovanna deu o ar da graça, apenas para tomar seu leite de búfala. Enquanto isso, Richard continuou insistindo com a ideia de brincar com meus amigos. Eu poderia ganhar um prêmio celestial por aguentar os dois pestinhas. Finalmente, Giovanna entendeu meu dilema e me ajudou.
— Nem pensar! Lembra o que aconteceu da última vez que deixamos ele praticar um esporte?
RIO DE JANEIRO – MESES ANTES
Meu irmão caiu, acidentalmente, na piscina da escola dele e nadou de uma borda a outra em menos de dois minutos. O técnico da equipe de natação adorou e o convidou para integrar o time do colégio. Em um dos campeonatos, um aluno mexeu com o Richard e o pior aconteceu.
— Fala. Fala de novo. Eu não tenho mãe, né? — gritou Richard, afogando o colega.
— Pelo amor de Deus. Richard, solta o Jorge!!!! Solta o Jorge!!! — implorou o treinador
pulando na piscina e separando os dois.
MANAUS – ATUALMENTE
— Pobre, Jorge. Acho que a família dele até mudou de cidade. — comentei.
— Eu vou!!!! — Richard gritou e bateu na mesa.
Olhei assustado para Giovanna. O Richard nunca havia reagido dessa maneira. Para evitar qualquer tipo de confusão, acabei deixando ele ir, entretanto, criei regras para controlar o pestinha. A Giovanna se auto convidou e tivemos que esperar o seu cabelo secar.
No quarto, entrei mais uma vez no dilema da roupa. O meu guarda-roupa era separado em camisetas, pijamas, calças e bermudas. Optei pelas peças mais leves, afinal, às tardes em Manaus costumam ser calorosas.
Chegamos no Parque e a turma já estava lá e, para a minha surpresa, o Vando também. A Giovanna levou uma cadeira de praia e ficou lendo fanfics do BTS. O Richard era o mais animado, logo pediu para experimentar a corda do Slackline, um esporte onde se coloca uma fita elástica entre dois pontos e pode fazer manobras. Fiquei preocupado, mas descobri que o Brutus e Zedu eram campeões da modalidade.
Nossa. Um talento natural. Richard saltou para um lado e pulou para outro. Ele dava trabalho, porém, por alguma razão desconhecida, o sorriso na boca daquele moleque conseguia iluminar o meu mundo. O Zedu logo tirou a camiseta, que merda, acho que ele faz isso de propósito. Por causa do sol, a pele morena dele ganhou um brilho especial. Cada gominho naquele abdômen chamava o meu nome. Será que o Zedu é o Tarzan do Amazonas?
— Quer experimentar, Yuri? — ele perguntou se aproximando de mim que estava sentando ao lado de Giovanna.
— Acho melhor não. Não sou de coisas radicais. — respondi, morrendo de medo dele insistir.
— Segura a minha camiseta? — ele pediu, entregando a peça de roupa.
— Ok. — disse fingindo naturalidade, mas surtando por dentro. A camisa dele estava cheirando a amaciante. Precisava de descobrir essa marca para lavar a minha roupa de cama e dormir com o cheirinho do Zedu.
— Vamos grandão. — convidou Brutus.
— Valeu. Eu vou depois. — menti.
Jamais toparia subir naquela corda. Imaginei subindo e quebrando tudo. Era difícil para mim, com todo aquele peso, praticar qualquer tipo de atividade física, na verdade, a maior parte podia ser caracterizado como preguiça.
Só que os meninos continuaram insistindo, apesar da minha recusa. Eu não queria ser o responsável por acabar com a brincadeira deles. O Vando, como sempre, se meteu e soltou mais uma de suas pérolas gordofóbicas.
— A corda vai quebrar com tanto peso. — Vando falou rindo de sua própria piada ruim.
— Pirou Vando? — Brutus veio em minha defesa e repreendeu o amigo.
— Se não quer ajudar, também não atrapalha. Ok. — interveio o meu príncipe encantado.
— Deixa quieto, gente. É só uma brincadeira. — tentei limpar a barra do Vando para não deixar o clima ruim.
O meu irmão ao ver Vando gargalhar do comentário que fez, subiu na corda, balançou o mais alto que pode e se jogou em cima do gordofóbico. Eles caíram no chão, entretanto, o impacto foi todo em cima de Vando, que ficou sem graça.
Apesar de tudo, o meu irmão ficou comportado. O imaginei aprontando muitas coisas, mas ele se concentrou em aprender mais sobre como manter o equilíbrio. Depois de um tempo, Ramona e Letícia chegaram com lanchinhos, as duas também eram fera no slackline. Deram um show nos professores.
— Elas aprenderam tudo o que a gente sabe. — Zedu me surpreendeu e sentou ao meu lado. O corpo dele estava suado e quente.
— Eu acredito. — brinquei dando um soquinho no braço dele, tentando disfarçar o meu nervosismo.
No meio da brincadeira, a Letícia avisou que os pais não estavam em casa e nos convidou para uma sessão de filmes. O meu irmão se meteu no assunto e sugeriu que assistíssemos ao longa "Massacre da Foice Sangrenta - parte 4 - Os comedores de tripas". Meus amigos começaram a rir, afinal, esse tipo de produção não é feita para uma criança.
— Esse menino não é normal. — destacou Vando, indo embora.
— Ainda bem que ele foi embora. — soltou Ramona, aliviada. – E não. Esse filme não tem muito sangue. — acabando com os planos do Richard.
— Eu desconfiava disso. A segunda parte é melhor. Tem aquela cena que o bebê recém-nascido arranca os olhos da mãe dele. — disse meu irmãozinho com uma naturalidade de surpreender.
Após mais uma tarde divertida, levei os meus irmãos para casa. Preparei uma janta bem nutritiva para eles. Mentira, comprei pizza para a Giovanna. O Richard comeu frango com batata. Depois fui tomar banho, não queria encontrar os meus amigos fedido.
Desci e a tia Olívia estava na sala. Avisei que assistiria a um filme na casa da Letícia. Antes de sair de casa, fiquei preocupado com outra brincadeira do Vando. Então, parecia um espião nas ruas do Parque 10, olhando para todos os lados em busca do perigo.
A casa da Letícia não ficava tão distante, achei com facilidade, porém, não queria outra surpresa do Vando. Era uma casa bonita de dois pisos, na verdade, a maioria das casas naquela região eram de dois pisos. Apertei a campainha e fiquei aguardando a Letícia, mas para minha surpresa quem abriu foi um Deus Grego.
— Oi? — ele disse com uma cara de tédio, mas que não tirava nenhum pouco da beleza dele.
— Oi, a Letícia mora aqui? — perguntei nervoso.
— Sim. Você é amigo dela, né? Pode entrar. — ele pediu abrindo espaço.
Leonardo era o irmão da Letícia que estava na faculdade. A beleza deveria ser herança de família. Ele era alto, branco, cabelo curto e um tanquinho que dava inveja em qualquer garoto (desculpa, Zedu). Leo me levou até o quarto de Letícia.
A minha amiga não estava lá, então, sentei na cama e fiquei analisando o quarto. As cores eram neutras e haviam fotografias espalhadas em toda parede, a maioria com a turma.
De repente, Letícia aparece apenas de sutiã e calcinha, desfilando como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— Oi, amigo. Chegou cedo! Bom que me ajuda a preparar uns petiscos. Tem pipoca, pão de queijo e acho que farofa de calabresa. — enquanto falava, Letícia vestiu uma camiseta folgada e um shortinho jeans. – Vamos.
— Sim. Vamos. — respondi atônito e desviando o olhar dela.
Essas pessoas magras e bonitas são tão destemidas. Nunca que eu ficaria assim tão à vontade com pouca roupa. E, por causa do calor da cidade, os magros podiam andar descamisados a qualquer momento do dia. Eu olhei para um grande espelho que havia na sala da casa de Letícia e me imaginei com muitos quilos a menos. Um sonho impossível, ainda teria que trabalhar muitos problemas internos. Eu tinha consciência disso, mas não tinha coragem de começar.
A cozinha da casa de Letícia era espaçosa e iluminada. Haviam vários pontos de luz no teto de gesso. Ela pediu para que eu pegasse as jarras de suco que estavam na prateleira. A companhia começou a tocar, Letícia pediu licença e foi atender. Provavelmente, deve ser o resto da galera.
Estava com dificuldades para pegar as jarras. De repente, sinto alguém chegando por trás e me assustei. Era o Leonardo. Na hora que os nossos corpos se encontraram, eu tive uma ereção. Ele ajudou a pegar as jarras, porém, ficou um tempo extra se esfregando em mim. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Infelizmente, durou pouco e Leo foi embora quando o pessoal entrou.
— Yuri, nossa parece que viu um fantasma. — comentou Ramona, entrando e deixando algumas garrafas na mesa.
— Oi. — disse Zedu.
— E aí, grandão! — gritou Brutus, usando fones de ouvido e tirando logo em seguida. — Desculpe, falha minha.
— Trouxe umas bebidinhas que o papai estava guardando. — confessou Ramona tirando várias garrafinhas de dentro da bolsa.
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